Sabemos bem que são sangrentas, quase inexoravelmente, as ‘idealizadas’ revoluções – à direita e, também, à esquerda. Ou mesmo as quarteladas e golpes militares, frequentemente denominadas de ‘revoluções’, que marcaram, sobretudo, as novas nações da América Latina, Áfricas e Ásia.
A mais legendária foi a Francesa, de 1789, que, cumprindo os desígnios da franc-maçonnerie, ou seja, da Maçonaria, guilhotinou o ancient regime absolutista do Rei Luís XVI (1754 – 1793), da dinastia dos Bourbon, apregoando, bien sûr, o festejado slogan Liberté, Egalité, Fraternité.
Famosos pela violência foram, ainda, os levantes comunistas em todo o planeta, no século XX. O pioneiro deles foi o da Rússia, em 1917, comandado por Vladimir Lenin (1870 – 1924), chefe dos sovietes, um ‘exército popular’ formado de camponeses, operários e militares, responsável pelo massacre, inicialmente, dos soberanos czaristas, e, em seguida, alijando do Kremlin os próprios ‘companheiros de viagem’ moderados, como ex-Primeiro Ministro social-democrata Alexander Kerensky (1881 – 1970), resistentes à ideia do partido único.
Aconteceria na antiga China Imperial, há 70 anos, a segunda, com a ascensão do camarada Mao Tsé-Tung (1893 – 1976), em outubro de 1949, após 15 anos à frente de sua Longa Marcha, uma insurreição bélica constituída majoritariamente por campesinos.
O protagonista da terceira foi Fidel Castro (1926 – 2016), há 60 anos, conquistando o poder em Cuba, em 1° de janeiro de 1959, ao descer com seus guerrilheiros barbudos a celebrada Sierra Maestra, mantendo até hoje em La Habana o chamado regime castrista.
Houve algumas exceções às brutais mudanças de sistema. A principal foi, sem dúvida, a Revolução dos Cravos, deflagrada nas ruas de Lisboa, na memorável manhã de 25 de abril de 1974, quando as Forças Armadas portuguesas depuseram os herdeiros do salazarismo e puderam implantar a democracia, finalmente, no mais ocidental dos países do Velho Mundo.
Emergiriam com os míticos Capitães de Abril quatro lideranças civis – cada uma a representar uma das agremiações predominantes na vida política lusitana: o lisboeta Mário Soares (1924 – 2017), do Partido Socialista (PSP), o portuense Francisco Sá Carneiro (1934 – 1980), do Partido Social-Democrata (PSD), morto em um acidente aéreo em Lisboa, o coimbrão Álvaro Cunhal (1913 – 2005), do Partido Comunista (PCP), e o poveiro Diogo Freitas do Amaral, do Centro Democrático Social (CDS), falecido, aos 78 anos, no último dia 3 de outubro.
Cunhal foi o único a bater-se para que Portugal desse uma radical guinada esquerdista – como havia ocorrido em suas colônias africanas e na asiática Timor Leste. O pleito cunhalista era bem visto à época por diversos setores militares, entre as quais, estavam o Presidente da República, General Francisco da Costa Gomes (1914 – 2001), e o Primeiro Ministro, General, Vasco Gonçalves (1921 – 2005), assim como grande parte dos membros do Conselho da Revolução, organismo da oficialidade, criado em 1975 e extinto sete anos depois.
Os outros três líderes defenderam amplamente a instauração do Estado de Direito, para além de apoiar o ingresso na União Europeia. Foram decisivos. Principalmente Soares, por seus laços de amizade com o alemão Willy Brandt (1913 – 1992), da histórica SPD, a Social Democracia germânica, os socialistas franceses de François Mitterrand (1916 – 1996) e espanhóis do PSOE (Partido Socialista Obrero Español), do sevilhano Felipe González, hoje, com 77 anos.
Mas, igualmente, o moderado Freitas do Amaral, a mais hostilizada das três lideranças políticas, embora Soares e Sá Carneiro, nessa ordem, fossem também ‘mal vistos’ pelos que planejavam transformar Portugal numa nova Bulgária. Desejo que me confessou, no outono de 1977, o então diretor do semanário Avante!, órgão oficial do PCP, o sonhador Miguel Urbano Rodrigues (1925 – 2017), na redação de O Diário, outro jornal dos comunistas, dirigido por ele mesmo, com sede na Amadora, na área metropolitana da capital lusa. Curioso é que, durante o exílio em São Paulo, Urbano Rodrigues foi o coordenador dos editorialistas do conservador Estadão.
Freitas do Amaral empenhou-se sempre em preservar o papel conciliador de seu CDS – apesar de não alcançar uma trajetória de êxitos eleitorais como os socialistas e os social-democratas. Muito se deve, no entanto, ao moderado político o louvável desfecho democrático da Revolução dos Cravos, pacífica nas primeiras horas, porém, nos dois anos seguintes, quase converteu-se numa sombria ditadura alla bulgara.
Freitas do Amaral, Soares e Sá Carneiro mobilizaram, nos quarteis, os que preferiam o caminho da Democracia. Um dos melhores exemplos é o ex-Presidente, General António Ramalho Eanes, atualmente com 84 anos. Ele não se curvou diante do extremismo esquerdista. A Revolução dos Cravos e, consequentemente, a Democracia à Portuguesa são exceção, à luz da História, se comparada às demais revoluções, quarteladas ou golpes militares. E, por isso, é tão exaltada pelas nações civilizadas que integram a democrática União Europeia.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador