ANOTE ESSE NOME: ELIZABETH WARREN

Vem dos EUA um modelo que espontaneamente rechaça recursos de empresários em campanhas eleitorais, assim como o financiamento com dinheiro público. O nome é crowdfunding, mas pode chamar de participação cidadã ou engajamento popular

Em 2020 haverá eleições municipais no Brasil. Nos últimos dias assistimos, na imprensa, a uma frenética discussão sobre o financiamento das campanhas eleitorais e prestação de contas à Justiça Eleitoral. Isso porque a Constituição dispõe que a legislação eleitoral que regerá o pleito deve estar publicada até um ano antes da data prevista para a ida dos eleitores às urnas: o primeiro domingo do mês de outubro do ano da eleição.

O presidente da República sancionou, na undécima hora, duas leis que tratam do processo eleitoral: a Lei nº 13.877, do último dia 27 de setembro; e a Lei nº 13.878, de 3 de outubro de 2019.

Entre a cruz e a caldeirinha

A primeira delas cuidou, essencialmente, de garantir a continuidade dos aportes de recursos públicos para as campanhas eleitorais vindouras e, já que a moda é seguir o juridiquês anglo-saxão, os procedimentos de accountability e responsiveness: ou seja, o dever de prestar contas e por elas responder. A exacerbação da polêmica deriva do fato de, hoje, termos partidos e campanhas eleitorais financiados, em grande medida, por dinheiro público. Há quem diga, inclusive, que por detrás do divórcio entre Bolsonaro e o PSL existiria uma disputa por um naco de R$ 737 milhões, oriundos de recursos orçamentários e destinados, na forma da lei, àquela legenda para nutrir campanhas eleitorais até 2022.


Essa situação resulta da resposta dada pelo Congresso Nacional à decisão do STF que, corretamente, em 2015, proibiu o financiamento eleitoral pelo poder econômico, o mesmo que, há décadas, deita e rola no apoio a políticos de quase todo espectro partidário. Sim, é verdade que ainda há um longo caminho a percorrer para que disputas eleitorais fiquem longe das garras do empresariado.

O WhatsApp, por exemplo, acaba de assumir que houve disparos em massa de “fake news” nas eleições de 2018 aqui no Brasil e é difícil imaginar que isso não tenha afetado o resultado da eleição presidencial. Tudo regiamente pago, evidentemente, por meio de “tenebrosas transações”, cujos teores os cidadãos desconhecem e por elas ninguém se responsabiliza. Se devidamente apuradas, poderiam colocar em xeque a declaração do ministro da Justiça de terem sido as últimas eleições para presidente da República as mais baratas da história do Brasil.

Lamentavelmente, no Brasil o financiamento das eleições oscila entre a cruz e a caldeirinha. Ou os políticos se submetem aos interesses, desejos e comandos dos donos do dinheiro, ou se entregam à esbórnia com o dinheiro público. Cada novo pleito querem mais dinheiro do erário para suas campanhas e menos explicações a dar sobre como o gastaram.

O exemplo vem do Norte

Mas ainda há esperanças. A segunda dessas leis limitou o aporte de recursos próprios do candidato às suas campanhas a dez por cento do limite de gastos estabelecido pela legislação para o cargo em disputa a que se reporta o postulante em foco.

Trata-se de uma correção parcial à decisão do STF, anteriormente mencionada, na qual não se analisou o problema do autofinanciamento, o oásis dos plutocratas que, crescentemente, vêm arregaçando as mangas e se metendo na política. Mas remanesce uma distorção inaceitável: o teto de contribuições continua restrito a dez por cento da renda auferida pelo contribuinte no exercício fiscal anterior ao ano das eleições, independentemente do quantum tenha sido essa renda. O ideal, evidentemente, seria fixar um valor absoluto per capita (o teto de benefícios do INSS, por exemplo) e ponto final.

Entrementes, vem dos EUA um exemplo que deveria nos inspirar: o envolvimento direto de cada cidadão na política, inclusive no plano da consciência de engajamento pessoal para financiamento das candidaturas que defendem ideias com as quais o eleitor tem afinidade. A ilustração da hora é a senadora Elizabeth Warren, do Estado de Massachusetts, eleita para um cargo político pela primeira vez em 2012. Logo de partida, senadora!

Em razão do envolvimento do nome do ex-vice presidente Joe Biden no imbróglio Trump-Ucrânia e da saúde abalada de Bernie Sanders, seu desempenho nas primárias do Partido Democrata deverá ganhar corpo. Sua pré-campanha já arrecadou, na base do crowdfunding, mais de US$ 12 milhões, contando apenas com indivíduos como doadores, que contribuem, em média, com valores inferiores a 50 dólares cada um!


Warren segue uma trilha aberta por Martin Meehan, um antigo deputado também de Massachusetts, que adotou esse modelo nos anos 90 do século passado e na primeira década desse século, sendo sempre bem-sucedido, até desistir da política para assumir a reitoria de uma universidade em seu Estado. Obama e Sanders também optaram por não receber recursos oriundos de empresas.


No caso do ex-presidente, este chegou até mesmo a rechaçar recursos públicos nada desprezíveis (algo em torno de US$ 80 milhões) que a lei norte-americana disponibiliza apenas para as disputas presidenciais, após a homologação das candidaturas nas convenções dos dois partidos dominantes. Obama procedeu dessa forma quando concorreu com John McCain em 2008 e repetiu o feito quando disputou com Mitt Romney, em 2012.

Assim a democracia se faz mais pujante. Os brasileiros precisam aprender com políticos como Elizabeth Warren que o financiamento das campanhas eleitorais não deve estar atrelado nem ao poder do capital, nem ao poder do Estado. Só assim a sociedade civil pode se fazer forte e dominante. Sem rabo preso com os donos do dinheiro ou os títeres de ocasião.

THALES COELHO ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)

  • Thales Chagas Machado Coelho é mestre em Direito Constitucional UFMG, professor de Pós-Graduação em Direito Eleitoral no Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN)

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