Por enquanto, e logo de uma especialmente agitada e tensa semana de protestos concentrados principalmente em Quito, capital do Equador, não é possível prever suas consequências.
Ou melhor: as consequências são, sim, previsíveis. O que não se pode prever é quando elas acontecerão.
A principal e mais previsível consequência será a inviabilidade da permanência de Lenín Moreno na presidência do país.
Desde a semana passada milhares de indígenas e camponeses agrupados pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador se rebelaram e estão decididos a ir até o fim.
O objetivo é claro: tirar Moreno da poltrona presidencial e eleger um novo presidente.
Para isso, contaram inicialmente com a adesão dos caminhoneiros, e em seguida dos estudantes, dos sindicatos e de um sem-fim de organizações sociais. Na noite da terça-feira começaram a circular imagens contraditórias. Numa, a polícia e tropas do Exército avançavam contra manifestantes que desafiaram o toque de recolher imposto pelo governo. Em outras, policiais e militares se juntavam aos manifestantes.
Antevendo que Quito seria virtualmente paralisada, a saída encontrada por Moreno foi transferir a capital para a cidade de Guayaquil.
Uma medida prevista na Constituição equatoriana, é verdade. Mas que deixa escancarada a fragilidade do presidente.
O gatilho que disparou rajadas de manifestantes iracundos pelas ruas de Quito foi o aumento que fez dobrar o preço dos combustíveis, decretado pelo governo para cumprir à risca determinações do Fundo Monetário Internacional, o FMI presente em onze de cada dez crises econômicas na América Latina (basta ver o que aconteceu e acontece na Argentina).
Além do fim dos subsídios aos combustíveis, há um nutrido pacote de medidas que afetam diretamente a economia e o cotidiano dos equatorianos. O que as manifestações pedem é que todas e cada uma delas sejam revistas ou anuladas.
As exigências escancaradas pelas ruas e praças de Quito culminaram com a decretação de uma greve geral nesta quarta-feira, dia nove de outubro. O governo assegura buscar canais de diálogos com os líderes do movimento, mas diz que é algo complicado: afinal, são mais de 60 organizações mobilizando seguidores.
Enquanto o tal diálogo não avança, a saída foi decretar toque de recolher entre as oito da noite e as cinco da manhã nos arredores dos prédios públicos, das sedes de órgãos governamentais e um amplo de difuso ‘onde mais as forças armadas determinarem’. E, ao mesmo tempo, acusar Nicolás Maduro e o ex presidente equatoriano Rafael Correa de estarem por trás da ‘tentativa de golpe’ em andamento.
Como era de se esperar, vários presidentes latino-americanos se uniram à denúncia, a começar, claro, por Mauricio Macri e Jair Bolsonaro.
A trajetória de Lenín Moreno é esclarecedora. Foi vice-presidente de Rafael Correa e seu candidato à sucessão. O apoio de Correa, que presidiu o país entre 2007 e 2017, foi essencial para a sua eleição.
Nem bem depositou o traseiro na poltrona presidencial Moreno vestiu o manto de traidor. Desandou uma perseguição judiciária a Correa, que acabou indo morar numa cidadezinha perto de Bruxelas (ele é casado com uma belga), e desmantelou o programa inteiro anunciado ao longo da sua campanha eleitoral.
Enveredou arduamente, a exemplo de Macri e Bolsonaro, pelo caminho de submissão radical (que os três chamam, e não por acaso, de ‘aproximação’) diante de Donald Trump.
No campo interno, lançou uma série de reformas que significaram, no mundo real, perdas consistentes – quando não totais – em direitos sociais adquiridos ao longo do tempo pelos equatorianos.
A legislação trabalhista, por exemplo, foi tão amputada que ficou irremediavelmente irreconhecível.
Em março passado, e seguindo a cartilha de Macri, fechou um acordo de dez bilhões de dólares com o FMI. Deu no que deu.
Convém recordar que há dezenove anos manifestações encabeçadas pela mesma Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador derrubaram outro presidente abusador, Jamil Mahuad.
Ou seja, experiência em acabar com governos teleguiados e destruidores do país esse pessoal tem.
Agora, é esperar a hora e a vez de Lenín Moreno. E ver como pouco a pouco o eixo do fundamentalismo neoliberal da direita se esgarça um pouco mais na América Latina.
A vez de Macri tem dia marcado, o domingo 27 de outubro. Sem ele, sem Moreno e isolado por seus pares, Jair Bolsonaro sentirá mais de perto o tamanho da sua solidão.
A situação de Macri, de Moreno e a confusão que cerca o peruano Martín Vizcarra devem ser entendidas como um aviso não aos navegantes, mas aos que levam seus países ao naufrágio – os presidentes naufragantes.
DENISE ASSIS BLOG 247″ ( BRASIL)