
Ao assinar um cheque de R$ 10 milhões para financiar uma campanha publicitária em defesa de seu pacote anti-crime, Sérgio Moro dá um novo passo para a degradação de nosso sistema político e a deformação de um debate necessário sobre segurança pública.
A mobilização de uma soma milionária a ser investida em prazo tão curto — apenas um mês — constitui um esforço óbvio de impedir o contraditório e sufocar todo ponto de vista contrário a um projeto denunciado por estudiosos sérios e contestado por uma ampla parcela do Legislativo, inclusive muitos aliados do governo.
Sem condições de enfrentar um debate democrático e bem informado, a campanha milionária pretende passar um rolo compressor sobre um Congresso que ameaça recusar apoio a um pacote de medidas demagógicas que associam o aumento da truculência policial a um reforço da segurança pública.
Formado por inspiração do insuspeito presidente da Câmara Rodrigo Maia, um grupo de trabalho de parlamentares encarregado de debater o pacote de Moro já demonstrou a natureza perversa das ideias em discussão.
Uma das propostas consiste em ampliar o excludente de ilucitude, legalizando a ideia absurda de que nossos policiais podem disparar armas de fogo como se estivesse num campeonato de tiro de alvo — receita para a produção de tragédias permanentes, como ensina a tragédia de Agatha Felix, 8 anos, fuzilada quando retornava para casa numa kombi escolar, tornando-se a quinta criança morta pela violência policial em 2019 apenas no Rio de Janeiro. Pelo projeto, pretende-se inocentar autoridades responsáveis por mortes produzidas por “medo” ou “violenta emoção”, condição típica da maioria das operações policiais, que deveriam ser conduzidas por homens e mulheres treinados para enfrentar situações desse tipo, vamos combinar.
Outra proposta é um plágio de um recurso do sistema judicial norte americano, o chamado “plea bargain”. Aqui, em troca de uma pena mais leve, o cidadão é pressionado a abrir mão do direito de provar que é inocente até que se demonstre o contrário.
Têm razão os parlamentares que resolveram bater às portas do Tribunal de Contas da União para denunciar a campanha de Sérgio Moro como desperdício de dinheiro público. Não é só isso, porém.
Ao deformar o debate político pelo esforço para rebaixar valores que fundamentam a vida em sociedade, a campanha de Sérgio Moro transforma o respeito pela vida humana e à liberdade em episódios descartáveis da vida em sociedade. Seu sentido é imoral.
Alguma dúvida?
PAULO MOREIRA LEITE ” BLOG 247″ ( BRASIL)