I LOVE YOU, DONALD OU OS BRUTUS TAMBÉM AMAM

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

Em tempos idos, a imprensa tinha o hábito da psicanálise à distância. Submetia algum ato inesperado de personagem público a um psicanalista que dava, de pronto, seu diagnóstico. E foi antes das sessões de análise por Skype.

Nunca fui a favor dessas práticas pouco cientificas, mas, de fato, a psicanálise é a ciência essencial para explicar Jair Bolsonaro. O episódio dele, ansioso, na fila, aguardando a passagem de Donald Trump para, explode coração!, soltar um irreprimível “I love you”, com olhar apaixonado e a respiração suspensa, ansioso por receber a aprovação do macho-alfa é o ponto mais significativo desse hospício em que se transformou o Brasil. Já tinha antecipado isso no “Xadrez do amor hétero de Bolsonaro por Trump”.

Brutos como Bolsonaro jamais pertenceram ao universo de cobertura do jornalismo cultural, aquele que melhor explorava os perfis, a não ser em estereótipos sobre ogros de periferia, ou personagens do submundo. O exercício permanente do ódio, do escabroso, da pornografia, impede que Bolsonaro seja visto de forma humanizada, isto é, analisado como um ser humano, com seus traumas, suas fragilidades, as frustrações que marcam indelevelmente as pessoas com a marca da crueldade. E, principalmente, como se torna a revanche de pelo menos 20% da população brasileira.

O que o teria levado à indisciplina permanente contra as chefias, uma reação tão passional que só pode ser provinda do mais profundo âmago, a ponto de cuspir em um busto em homenagem a Rubens Paiva que, na sua infância, representava o filho da elite da sua cidade natal. No Exército, contra os comandantes; na política, na vida, contra qualquer forma de saber científico.

Onde estará a explicação? Em um pai ausente, que não percebia os esforços do filho para ser reconhecido? Em algum abuso sofrido na infância? Porque as referências permanentes a pinto, cocô, troca-troca, a ressalva reiterada de que qualquer demonstração de afeto é hétero? Meros condicionamentos culturais de seu meio ou reflexo de traumas pessoais? O “I love you” para Trump significou o encontro com o pai que finalmente reconhece seus esforços, que apoia todas suas excentricidades, ou a paixão recolhida pelo macho-alfa?

Na fase do governo de transição, pessoas que passaram por lá repararam na extrema insegurança social de Bolsonaro, não apenas o complexo de inferioridade intelectual. E também no fato de os filhos serem seu ponto de apoio, rapagões que conseguiram escalar socialmente, em vista da melhor condição financeira do pai deputado.

De qualquer modo, o enigma Bolsonaro não será desvendado no seu período de Exército, na sua vida nos porões, com as milícias, em sua carreira como deputado. A tragédia brasileira teve início em algum momento, entre 1955 e 1965, em Glicério, interior de São Paulo, em algum episódio familiar, em uma incompreensão paterna, algo tão entranhado que não conseguiu eliminar o sentimento de inferioridade, mesmo tornando-se presidente de uma das maiores economias do planeta.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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