A QUEDA DO INCRÍVEL IMPOSTOR DALLAGNOLL

CHARGE DE CASSINHO

Atuando como um procurador da República, no caso coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba, o mosqueteiro Deltan Dallagnol não era ele mesmo, estava ali disfarçado. Na verdade tratava-se de um ambicioso aprendiz de homem de negócios, com a devida cobertura de seus pares e de sua igreja evangélica, conduzindo uma trama política diabólica e de grande alcance. Que envolvia nada menos do que tirar do páreo o candidato favorito às eleições presidenciais, e simultaneamente criar uma fundação privada que lhe permitiria guardar num paraíso fiscal os altos ganhos de seu ilícito enriquecimento.

A procuradoria, que ele quase perdeu com a inacreditável precipitação do Power Point, um ridículo tiro ao alvo contra o Lula, era apenas sua fachada. O falso mosqueteiro jogou alto. Sua última e mais ambiciosa cartada acaba de ser desfeita pelo Supremo Tribunal Federal. Tentou o grande golpe de criar uma fundação para ficar com uma bolada de R$ 2,6 bilhões, recursos provenientes do acordo da Petrobras com autoridades norte-americanas que seriam destinadas à força tarefa da Lava Jato. O ministro Alexandre Moraes questionou a legalidade e a moralidade administrativa da operação, “séria agressão ao perfil constitucional da instituição”, anulou o acordo anterior e destinou os recursos para a Educação e a Amazônia.

Graças às revelações do The Intercept Brasil, divulgadas com a colaboração de outros poucos veículos de imprensa, o país tomou conhecimento de que havia em Curitiba, agindo com grande desenvoltura, um personagem sinistro, um impostor de si mesmo. Com poderes equivalentes ao do juiz Sergio Moro para manipular a mídia, fazer articulações politicas, orientar decisões da Justiça e negociar conluios com grupos direitistas que apoiavam seu projeto golpista. Moro foi seu principal aliado e parceiro, como atestam as mensagens trocadas pelo Instagram para combinações de ações que resultaram em decisões flagrantemente ilegais.

O que o país quer saber agora se essas ações à margem da lei, como a iniciativa de entregar para a TV Globo o áudio da conversa gravada pela Polícia Federal entre a presidente Dilma e seu antecessor Lula, são irreversíveis. No momento em que se deu a decisão de Moro, com o claro entendimento de que estava desrespeitando a ética e a Constituição, o impostor Dallagnol tranquilizou uma colega preocupada, escrevendo “que a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior, que é politico.” Da mesma forma, o ministro Jarbas Passarinho esbravejou um “às favas com a consciência”, na reunião em que deu seu voto de aprovação às trevas do AI 5, em plena ditadura.

E a verdade histórica e o estado democrático de direito, onde ficam? Da mesma forma a sociedade deve cobrar de parte predominante da grande imprensa que divulgou com destaque o espetáculo das ações dos justiceiros da Lava Jato, e agora censura e se omite envergonhada diante das injustiças e ilegalidades praticadas, desrespeitando seu leitor e traindo as regras elementares do jornalismo profissional independente e isento, que afirmam seguir.

Dallagnol usou dois grupos como porta-vozes de suas causas políticas e pessoais, dele e da operação, revelam as mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram divulgadas pela Vaza Jato. Um dos grupos, o Vem pra Rua, é alinhado a partidos e políticos de direita com participação direta na organização das marchas pelo impeachment de Dilma Rousseff. O outro é o Instituto Mude- Chega de Corrupção. Ele chegou a atuar como diretor informal do movimento e se reuniu com empresários na sede da procuradoria para arrecadar verbas para a entidade.

Os diálogos mostram que mentiu e fez lobby em várias ocasiões. Os procuradores usavam os vazamentos com o objetivo de manipular suspeitos, fazendo-os acreditar que seu indiciamento era inevitável. Neste submundo, houve momentos em que Dallagnal pautou atos públicos, publicações em redes sociais e manifestações, usando sorrateiramente laranjas, tomando sempre o cuidado para não ser vinculado publicamente às ações.

Um verdadeiro mestre de cinismo. No folhetim de Alexandre Dumas, “Os Três mosqueteiros”, D´Artagnan/Dallagnol é o quarto, aquele que se incorpora depois a seus antigos adversários. Fazem parte da guarda de elite de Luiz XIII. Em suas aventuras de capa e espada a serviço do rei, trapaceiam e se envolvem em saques. Ao final, ele faz uma aliança com o cardeal Richelieu e é promovido a tenente.

Para o ministro Gilmar Mendes, a quem Dallagnol tentou denunciar no STF através da Rede, um de seus grupos, as ações do procurador-impostor com o objetivo de ganhar dinheiro com a Lava Jato constituem crime de corrupção. Sem a proteção de um cardeal, ele deveria ser denunciado pela Procuradoria.

ÁLVARO CALDAS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

*Jornalista e escritor

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