JOSÉ PAULO KUPFER
13.set.2019 (sexta-feira) – 6h00
atualizado: 13.set.2019 (sexta-feira) – 10h16
Ageladeira do ministro Paulo Guedes está começando a encher. Lá já se encontra o projeto de transferência da Previdência Social para o regime de capitalização. Agora foi a ideia de cobrar um tributo sobre transações financeiras, em substituição a encargos previdenciários sobre a folha de salários das empresas.
Como a capitalização, a nova CPMF de Guedes (opss… do defenestrado secretário da Receita Federal, Marcos Cintra) foi abatida por uma rejeição generalizada de especialistas em questões tributárias e, principalmente, lideranças do Congresso Nacional. Mas, todas as indicações são de que Guedes não desistiu do tributo mal-afamado, rebatizado por ele mesmo como ITF (Imposto sobre Transações Financeiras).
Junto com a transferência da CPMF (ou ITF) de Guedes para a geladeira, outras questões atreladas a ela também foram para a hibernação sem a devida explicação. A primeira delas seria saber como ficará a reforma tributária do governo, sem a muleta que a mantinha de pé. Outra questão que nem chegou a ser discutida no episódio da CPMF/ITF diz respeito ao uso do dinheiro arrecadado na desoneração da folha salarial das empresas.
Guedes atrelou a esperada receita com o imposto à compensação da perda tributária prevista com a desobrigação do recolhimento dos encargos sobre os salários dos empregados para a Previdência Social. De acordo com o ministro, a decisão sobre o nível da alíquota dependeria das escolhas do Congresso em relação ao nível de desoneração da folha. O próprio Guedes deixou em aberto um intervalo de alíquotas, entre 0,2% e 1%, estimando receitas anuais entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões.
Com alíquota de 0,2% no ITF (0,4% com a cobrança nas duas pontas da operação financeira), Guedes pensava compensar uma redução dos 20% pagos por empregadores ao INSS para 13%. Com 1% (2% no pagamento e no recebimento), o cálculo do ministro estimava compensação integral.
Obviamente, o argumento para a desoneração da folha é o da redução do desemprego. O roteiro lógico é mais do que conhecido: o alívio dos encargos trabalhistas reduz os custos da mão de obra e abre espaço para a contratação de pessoal, reduzindo as taxas de desemprego.
É de se estranhar, contudo, que não tenha havido maiores preocupações e debates com a prática da teoria. Como assim incentivar contratações com a simples desoneração da folha? A tão criticada experiência da aplicação de política semelhante pela então presidente Dilma Rousseff não vale nada?
Dilma teria gasto, se completasse seus dois mandatos, quase R$ 500 bilhões em desonerações, no período 2011 a 2018. A ex-presidente eliminou a contribuição patronal para o INSS em mais de 50 setores, substituindo o encargo por taxação, com alíquotas baixas, da receita bruta. O resultado para o emprego e o impulso da economia foi, como se sabe e para ser elegante na adjetivação, decepcionante.
Se é verdade que desonerações podem contribuir para estimular atividades e, em consequência, colaborar na absorção de mão de obra, não é menos verdade que este é um movimento insuficiente para alcançar tais objetivos.
Na falta de perspectivas de crescimento econômico, o empresário vai usar a desoneração oferecida para manter e, se possível ampliar, sua margem de ganho. Sem a convicção de que conseguirá ampliar as vendas, nenhum empresário abrirá vagas apenas porque ficou mais barato contratar um trabalhador.
Ainda que ajudasse a resolver o grave problema da recuperação mais lenta da história econômica brasileira documentada, a CPMF/ITF seria uma escolha péssima. Estão bem estabelecidas as distorções que o tributo é capaz de produzir na economia e nas atividades cotidianas das pessoas.
Regressividade, cumulatividade, verticalização da produção, com prejuízos para a eficiência e a competitividade, desintermediação financeira — tudo isso que vem junto com uma CPMF já é mais do que sabido. Estar na companhia de países como Venezuela, Argentina, Hungria e Paquistão, alguns dos poucos que mantêm tributos sobre operações financeiras, não chegaria a ser uma chancela de boas práticas tributárias.
Mas é o caso de ressaltar que, se antes a relação entre custos e benefícios já pendia muito para os custos, nas atuais condições da economia, a situação é ainda pior. Há quase consenso, sustentado por grande número de estudos, em torno da constatação de que tributos do tipo CPMF apresentam séria deterioração da base de arrecadação ao longo do tempo. Ao mesmo tempo em que empresas e pessoas vão aprendendo a driblar o tributo, sua base se retrai, exigindo sucessivos aumentos de alíquota para obter a mesma receita.
Isso não ocorreu com a CPMF brasileira, que vigorou por dez anos, entre 1997 e 2007, obtendo receita relativamente estável de 1,38% do PIB ao longo do seu período de vigência. Além da alíquota baixa — de 0,38% na maior parte do tempo —, as condições peculiares do ambiente econômico brasileiro da época, com crescimento razoável, mesmo com inflação e juros altos, explicam o ocorrido. Entre 2000 e 2007, a taxa de juros média foi de 17%, com picos de mais de 40%, na virada do regime de câmbio fixo para flutuante, em 1999. Além dos juros nas alturas, a inflação média andava pelos 7% ao ano e a economia crescia a 3,6%.
Muito diferente tende a ser o comportamento de uma CPMF num ambiente de inflação abaixo de 4%, juros caminhando para 5% nominais ao ano e crescimento estacionado em 1% anual. Se o estímulo para driblar o tributo já é, por natureza, grande, imagine-se o que aconteceria com a base de arrecadação quando ficasse evidente que, entre outras distorções, em muitas operações — caso rotineiro de empréstimos de curto prazo para capital de giro, por exemplo — o imposto acabaria sendo muito superior aos juros pagos.
JOSÁ PAULO KUPFER ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)