O TRATADO DE MADRI CONSAGRA O IMENSO BRASIL QUE HOJE CONHECEMOS

A Europa foi a grande descobridora e colonizadora, como sabemos, das terras e dos povos silvícolas do Novo Mundo, desde 1492, com a chegada do genovês Cristóvão Colombo à caribenha Ilha Hispaniola, compartilhada hoje pela República Dominicana e Haiti – acreditando, no entanto, ter atingido a asiática Índia das especiarias. Ele fora enviado pelos Reis Católicos, Isabel de Castela (1451 – 1504) e seu marido, Fernando II (1452 – 1516), herdeiro do trono de Aragão, que compreendia também as regiões da Catalunha, onde se encontra Barcelona, o País Valenciano, cuja capital é Valencia, para além do Arquipélago das Baleares, formado por Ibiza, Mallorca e Menorca.

A consolidação da histórica descoberta das Américas só aconteceria oito anos mais tarde, em 1500, com o desembarque no futuro Brasil, em Porto Seguro, no atual Estado da Bahia, da imponente armada de 13 caravelas sob o comando do fidalgo beirão Pedro Álvares Cabral, consagrando, assim, ao Sul do planeta, a divisão em duas partes estabelecida em 1494, pelo Tratado de Tordesilhas, entre os Reis Católicos, sediados então na esplêndida metrópole andaluza de Sevilha, e a imperial Lisboa dos soberanos da valorosa Casa de Avis. O Reino de Espanha, com um único pavilhão, nasceria a partir da união do pendón morado de Castela e do rojo y amarillo predominantes nas listras verticais de Aragão, reunindo os próprios castelhanos e aragoneses, bem como galegos, asturianos, bascos, estremenhos, murcianos, andaluzes e canários. Espanhóis e portugueses, juntos, em missão papalina, evangelizariam as Américas.

Posteriormente, outro festejado acordo, o Tratado de Madri, assinado em 1750 na capital espanhola, daria legitimidade a Portugal sobre as extensas áreas conquistados pelas suas intrépidas tropas de bandeirantes paulistas, agrupando exploradores lusitanos, milhares de mestiços e índios, que, partindo de São Paulo, acabariam por alcançar as águas do Pacífico, ao Norte, no Equador, e ao Sul, no Chile. Quase toda a Região da Amazônia passaria, com efeito, da Espanha para Portugal, no pacto firmado no madrilenho Palacio El Pardo, que teve como principal articulador um diplomata luso-brasileiro, o santista Alexandre de Gusmão (1695 – 1753), secretário particular por 20 anos do Rei Dom João V (1689 – 1750), O Magnânimo, de 1730 até a morte do monarca. Um retrato de Gusmão ilustra a coluna.

Em contrapartida, Portugal reconheceria os direitos da Corte de Madri sobre as possessões asiáticas das Filipinas e das Ilhas Mariana, Guam, e Molucas – estas integradas hoje à Indonésia. Todas foram descobertas pelo transmontano Fernão de Magalhães (1480 – 1521) na sua memorável Viagem de Circum-Navegação. Gusmão bateu-se, sobretudo, pela ampliação das fronteiras nacionais, que, segundo Tordesilhas, se estenderiam somente da capital paraense Belém, a pouco mais de 600 quilômetros da divisa com o Maranhão, à cidade paulista de São Vicente, ao lado da Santos natal.

O negociador conseguiria incorporar a Lisboa o Mato Grosso, Goiás, o interior de Minas Gerais e São Paulo e ainda o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mas, sem dúvida, a maior vitória dele, em Madri, foi anexar toda a Amazônia, incluindo áreas do Pará. Ambos estados comporiam o Grão-Pará, uma colônia lusa separada do Brasil, até a mudança para o Rio de Janeiro da Família Real, em 1808, com a Rainha Dona Maria I (1734 – 1816), A Piedosa, e o seu filho, o futuro Rei Dom João VI (1767 – 1826), O Clemente, à época Príncipe Regente.

A Amazônia, aliás, voltou ao cenário dos debates internacionais, neste 2019, provocando ríspida polêmica envolvendo os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, de 64 anos, e da França, Emmanuel Macron, de 41 anos. O francês, ao fazer coro com ambientalistas, principalmente, europeus, acusa o colega brasileiro de não agir para deter as queimadas que teriam como meta transformar florestas em pasto – e, por isso, prega o fim da soberania nacional sobre o território, que passaria a ser gerido por um governo supranacional. Outro ponto de discórdia relativo à Amazônia neste momento é o Sínodo da Igreja, no próximo mês de outubro, a ser realizado no Vaticano, que, a pretexto de impedir a expansão dos chamados ‘evangélicos’ protestantes entre os índios da região, acrescentaria, na liturgia da Missa, rituais pagãos, conforme denúncias de setores mais tradicionalistas. Adicionalmente, as celebrações eucarísticas poderiam ser oficiadas por homens casados e mulheres.

Publicações que debatem os rumos do Cristianismo, como a revista mensal brasileira Catolicismo, fundada em 1951 pelo paulistano Plínio Correa de Oliveira (1908 – 1995), teólogo e criador da TFP (Tradição, Família e Propriedade), vêm dedicando frequentes espaços ao Sínodo amazônico. Temem que a Amazônia seja apenas um ‘balão de ensaio’ para a Igreja do Sumo Pontífice portenho, o jesuíta Francisco, de 82 anos, adotar ‘práticas alternativas’ nas dioceses de todos os continentes. A Companhia de Jesus também foi acusada, no século XVI, na Ásia, de adaptar os ritos católicos às culturas da China e Japão. Bandeirantes desbravadores, como o alentejano António Raposo Tavares (1598 – 1659), O Velho, e o habilidoso Gusmão jamais teriam imaginado a Amazônia no atual epicentro ideológico e teológico.

ALBINO DE CASTRO ” PORTUGAL EM FOGO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino de Castro é jornalista e historiador

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