MORO AGORA DEPENDE MAIS DO CRIME ORGANIZADO DO QUE DA LAVA JATO

Ministro da Justiça, Sergio Moro – Foto: Orlando Brito


O caminho do ministro Sergio Moro, caso pense mesmo em voos altos na política, seria o combate ao crime organizado. Não seria o primeiro a seguir esta trilha. A história do Brasil está repleta de justiceiros que começaram policiais e acabaram políticos

“O ministro Sergio Moro está com o dedo no gatilho” seria uma metáfora. A verdadeira prioridade, o combate ao crime violento e disseminado, estaria contido pela nuvem de fumaça do crime de colarinho branco.

Enquanto perde força enfrentando políticos e ameaçando poderosos, o pacote legislativo de Moro, que ele considera essencial ao início das ações policiais, está cada dia mais distante.

Seu verdadeiro “inimigo” na guerra contra criminosos seriam os tráficos ilícitos, com as drogas à frente e os mercados dos países ricos. Na esteira, vêm um cortejo de outros delitos, que vão da lavagem de dinheiro no sistema financeiro internacional ao assalto a bancos e roubos de carros para captação de recursos e financiamentos das redes de bandidagens.

A campanha contra a corrupção, que deu fama ao ministro, não teria, no entanto, grande apelo eleitoral. Esta configuração já foi ocupada pelo presidente Jair Bolsonaro, que se elegeu atacando políticos ladrões e condenando a dissolução dos costumes.

Já Moro poderia se apoiar no combate à criminalidade, com seus dividendos em segurança pessoal da população das periferias. Esta é uma pauta que, ao longo dos últimos 200 anos, vem dando bons resultados a governantes.

Vale lembrar alguns exemplos de cruzadas contra a delinquência (o crime atual vai além, mas o efeito é semelhante) no Rio de Janeiro, epicentro desse cataclisma. Todos os políticos envolvidos nesses processos de combate à criminalidade na antiga capital ganharam grande projeção e alguns chegaram a chefes do governo nacional.

Dom João VI contra o crime

Já em 1808, desembarcando no País e vendo o caos da segurança pública do regime colonial, Dom João VI criou um sistema de segurança pública para o policiamento ostensivo da capital do Reino. Criou a Guarda Real de Polícia, que passou a patrulhar as ruas da cidade. Foi um sucesso. Grande parte da popularidade que o regente (depois rei) desfrutou em seus 12 anos no Brasil deve-se a seu empenho na segurança pública.

Dom João VI e Carlota Joaquina

Naquele tempo, a legislação daria inveja aos policiais de hoje em dia, que pedem mais rigor para enfrentar os delinquentes. As prisões serviam apenas para encarcerar as pessoas durante o processo. Condenadas, tinham de enfrentar as Ordenações do Rei, lei portuguesa derivada do Código Filipino.

Esta legislação impunha um sistema de punições que se iniciava com o açoite em público no pelourinho (que, ao contrário do que se pensa, era um órgão da Justiça e punia tanto livres como escravos) e acabava no esquartejamento. Pelo meio, torturas de todo o tipo, amputações de membros e morte na forca.

Esquartejamento era uma pena para a eternidade, pós-morte, pois, num país com forte influência cultural africana, as pessoas acreditavam que as almas de corpos mutilados nunca mais teriam paz. Ultrapassava os direitos humanos. Aí se formava a legião das almas penadas.

Caxias e seus guardas elegantes

Outra grande jornada anticriminalidade e antiviolência correu durante a Regência Trina, em 1832, logo depois da abdicação de Dom Pedro I. Com a dissolução do Exército e do sistema de policiamento aliados à natural instabilidade política que se seguiu à inesperada renúncia do imperador, as ruas do Rio de converteram em focos de violência, com saques ao comércio, assaltos a pessoas, residências. Um caos.

Desesperados com a bagunça, um dos três regentes, marechal Francisco de Lima e Silva, apelou para seu 01, o filho Luís, que estava no desvio do Exército. Alferes (segundo-tenente, hoje em dia) recém-saído da Academia Militar, combateu contra soldados profissionais portugueses e saiu famoso por sua atuação como espadachim e líder de grupos de combate na Guerra da Independência da Bahia, em 1823.

Depois disso, foi comandante de corpo na guerra contra a Argentina. Voltou da Campanha da Cisplatina capitão.

O capitão Luís, futuro Duque de Caxias, embora fosse do Partido Regressista, futuro Partido Conservador no Segundo Reinado, atendeu a seu pai, do Partido Liberal, que acabava de destronar o rei, e assumiu o posto. Desfez a antiga polícia e criou o Corpo de Guardas Municipais Permanentes (atual PMRJ).

Iniciou selecionando uma nova guarda, integrada basicamente por negros e mulatos, para substituir os antigos mercenários europeus que integravam a extinta guarda do imperador. Exigia que fossem jovens bem-apessoados, educados, de porte elegante, bem-vestidos e garbosos.

Duque de Caxias

Logo a nova guarda se impôs. A disciplina era exemplar: eretos, limpos, bem-humorados. Mudou o psicossocial da cidade, que viva atemorizada.

Fez tanto sucesso que o jovem capitão, promovido a major, noivou e casou com um dos partidos mais cobiçados da cidade, a jovem herdeira Ana Luiza de Loreto Carneiro Viana. Dispensou a herança da mulher. Pegou bem.

Teve outras missões de cunho político-militar, para pacificar o Maranhão, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Resultado: além da carreira militar, foi eleito senador e três vezes primeiro-ministro, o chefe do governo imperial.

Floriano caça capoeiras

Nas confusões da proclamação da República, outro linha-dura chegou à Presidência. Ainda vice-presidente, o marechal Floriano Peixoto, oficial de artilharia como o presidente Jair Bolsonaro, prendeu e arrebentou capital e trabalho.

Mandou prender os atacadistas que se aproveitaram a instabilidade política para aumentar preços, e botou num campo de concentração uma turma que chamou de vadios, vagabundos e capoeiras, estes últimos taxados de arruaceiros porque promoviam passeatas e quebra-quebras em protesto contra a expulsão do País da Princesa Isabel.

Confinou todos na Colônia Correcional da Ilha Grande, depois aperfeiçoada para Colônia dos Dous Rios, já no governo do civil Campos Salles. Floriano, por estas e por outras (a repressão à Revolução de 1893 e à Revolta da Armada), ganhou o título de Marechal de Ferro.

As policias especiais

Na revolução seguinte, na primeira ditadura de Getúlio Vargas, também para botar o Rio de Janeiro em ordem, foi criada a Polícia Especial do Distrito Federal, idealizada pelo tenente João Alberto Lins de Barros, herói da Coluna Prestes, um dos caciques da Revolução de 1930 e, depois disso, interventor (governador) de São Paulo, causador da Revolução de 1932.

Daí para frente, João Alberto deixou as atividades bélicas, dedicando-se ao sertanismo e indianismo. Chefiou a expedição que fixou um marco no centro geográfico do Brasil, no Goiás, e criou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), ancestral da Funai.

Em 1938, na segunda ditadura de Getúlio Vargas (Estado Novo), também foi criada a Força de Choque, uma unidade especial, os chamados catarinas, porque era uma tropa integrada em grande parte por policiais sulistas, muitos loiros. Com seus quepes vermelhos, foram o terror das favelas.

A fase dos “homens de ouro”

Já na democracia, o então presidente da República Juscelino Kubistchek também fez a sua polícia, o denominado Serviço de Diligências Especiais. Levou para o comando o herói da Segunda Guerra Mundial, general Amaury Kruel.

O grupamento de elite era chamado de “12 Homens de Ouro”, uma turma tão decidida que o general era chamado, pelo povão de periferia, pela pronúncia lusitana de seu nome: General Cruel. Seu legado foi a criação do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), embrião da atual Polícia Federal.

Por fim, já nos tempos do autoritarismo, o governador (eleito) do Rio, Negrão de Lima, criou na Policia Civil do extinto Estado da Guanabara, o grupamento autodenominado de “Sete Homens de Ouro”, que deixou como legado o Esquadrão Le Coq. Também conhecido como Esquadrão da Morte, integrado por nomes sinistros como Mariel Mariscot, Niels Kauffman (“diabo loiro”) e José Guilherme Godinho (Sivuca), depois deputado estadual no atual Estado do Rio de janeiro.

Já fora da área de polícia judiciária, nos anos 1970, as Forças Armadas criaram os Departamento de Operações de Informação-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), mas este voltado à repressão de dissidentes políticos do regime militar. Então, já é uma outra história.

O pacote de Moro

Em resumo. Se tiver sucesso, Moro não será o primeiro político a alçar voos muito altos decolando da plataforma de lançamento do combate ao crime e segurança urbana.

Os marechais Deodoro e Floriano

Como Caxias, Floriano e outros, poderia chegar à Presidência. Por isto, o nervosismo em torno de seus movimentos. Enquanto não passa seu pacote de legislações mais ou menos draconianas, está sendo, pouco a pouco, soterrado pelo enfrentamento com os políticos.

Melhor para botar as coisas nos seus eixos (como propõe o 02), seria criar dois sistemas legais, como está sendo proposto no Legislativo, para driblar certos dispositivos da Lei do Abuso de Autoridade. Este movimento prevê a criação de uma lei específica na área penal, apenas para políticos e poderosos; outra para a bandidagem em geral. Pode ser uma saída à brasileira.

É bom lembrar que, em certos casos, não é conveniente uma lei igual para todos. Basta lembrar que para enquadrar os guerrilheiros, dos anos 1970, assalto a bancos foram considerados crime contra a segurança nacional.

Resultado: os assaltantes comuns foram jogados nas mesmas masmorras dos dissidentes políticos. Observando a disciplina dos prisioneiros da esquerda, os bandidos aprenderam as técnicas de organização clandestina, gerando o Comando Vermelho (CV). Daí ao PCC e outras organizações foi um pulo.

Moro terá de enfrentar essas megaquadrilhas, se quiser chegar lá. Por isto, não se deve descartar leis diferentes, para pessoas diferentes. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Este é o jeitinho brasileiro. Ninguém perde por esperar.

JOSÉ ANTÔNIO SEVERO ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)

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