Vivemos no Brasil um tempo de pesadelo. De celebração da violência, da irracionalidade, da tortura, do racismo, do desprezo pela educação, pela ciência e pela cultura. Presenciamos a mistura de um autoritarismo com o liberalismo econômico radical. Um tempo de subordinação expressa aos Estados Unidos. A anormalidade e o mal foram transformados em rotina.PUBLICIDADE
Diante desse quadro, lembramos com saudade os 20 anos anteriores, quando dois partidos, um de centro-esquerda, outro de centro-direita, se revezavam no poder. Cometiam erros e acertos, obtinham bons e maus resultados, cada lado jurava que suas políticas e seus resultados eram os melhores —mas eram democráticos e sabiam o que é a política, quais são as suas regras.
A política não é luta feroz entre inimigos que se odeiam, mas luta compassiva entre adversários que se respeitam. Era o que havia no Brasil até 2013. Os dois adversários eram o PSDB e o PT: um defendia a ortodoxia liberal, o outro, a ortodoxia distributivista; o primeiro apostava no mercado; o segundo, na política industrial. O PT conseguiu um crescimento maior porque aumentou o investimento público e se beneficiou do boom de commodities dos anos 2000, mas tanto um quanto o outro governo ficaram presos na armadilha macroeconômica de juros altos e câmbio apreciado que inviabilizou o investimento privado.
No plano fiscal, após a crise financeira de 1998, os dois governos apresentaram superávits primários satisfatórios até 2013. Depois, sobreveio a crise: crise externa, dada a violenta queda do preço das commodities em 2014; crise fiscal, dada a transformação do superávit em um grande déficit primário a partir do mesmo ano; crise das indústrias, que não obtinham lucros porque, dada a apreciação cambial, o mercado interno foi ocupado pelas importações; crise financeira causada pelo excesso de endividamento das empresas.
A crise política poderia ter sido resolvida ou encaminhada com a vitória da oposição em 2014. A reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) a agravou, porque o novo governo começou sem nenhum apoio das elites econômicas. Já a crise fiscal poderia ter sido enfrentada com um forte corte da despesa corrente, enquanto se aumentavam os investimentos. Foi o que tentou Nelson Barbosa no breve período em que esteve no Ministério da Fazenda. Mas não, o país voltou a uma política fiscal procíclica absurda, que dura até hoje e mantém o desemprego em níveis inaceitáveis.
Esses desacertos já eram o resultado da grave crise política que, desde 2013, instalou o ódio na vida política. Não obstante o liberalismo clássico seja definido pela tolerância e um certo relativismo quanto à verdade na política, surgiu entre os liberais um liberalismo intolerante, e o PT e Lula foram transformados em inimigos, embora fossem apenas adversários.
Os dirigentes da Operação Lava Jato aproveitaram-se desse ódio para se promoverem pessoalmente; o vice-presidente Michel Temer (MDB), para tomar o poder, usando como instrumento o plano “Uma Ponte Para o Futuro”; o candidato Jair Bolsonaro (PSL), para se eleger presidente usando Paulo Guedes como garantia de uma política econômica neoliberal.
Há nove meses temos um desgoverno no poder. Para que rumo? Não será, certamente, para o liberalismo de centro-direita —nem para o desenvolvimentismo de centro-esquerda. Também não será para devolver a normalidade ao Brasil —para voltarmos a ter a saudável alternância de poder entre partidos políticos moderados e democráticos.
Para onde, então? Não sabemos. Uma coisa, porém, é certa: os riscos que correm o Estado de Direito e a democracia são muito grandes. Apenas uma minoria de extrema-direita está realmente identificada com as políticas do governo. O Brasil já tem uma sociedade civil bem estruturada. Já tem uma classe trabalhadora, uma classe média e uma classe empresarial variada e de boa qualidade. Temos que contar com esses ativos para superar o pesadelo em que estamos mergulhados.
BRESSER PEREIRA ” BLOG 247″ ( BRASIL)