
CHARGE DE AROEIRA ” BLOG BRASIL 247″
Ao não condenarem o ataque de Israel ao Irã, a Europa e os Estados Unidos expõem o duplo critério da sua política externa
Comecemos pelo princípio – o ataque de Israel ao Irã deve ser condenado. Ele viola o direito internacional e as regras do uso da força previstas na Carta das Nações Unidas. O argumento de legitima defesa, a habitual desculpa para um ataque preventivo, é descaradamente inaplicável. Segundo a doutrina clássica, a chamada legitima defesa antecipatória (que pode justificar um ataque preventivo), deve ser limitada aos casos “em que a necessidade (…) seja imediata, avassaladora, não permitindo qualquer outra escolha de meios ou tempo para deliberar”. Não é o caso. Israel não pode invocar um ataque iminente por parte do Irã, nem falta de tempo para refletir em ações alternativas. O ataque ao Irã foi uma violação direta, consciente e intencional do direito internacional. Este é o primeiro ponto.
E este ponto não é um ponto menor. Não é um detalhe. Pelo contrário, é um ponto decisivo na ordem internacional e na credibilidade ocidental. Ao não condenarem o ataque, a Europa e os Estados Unidos expõem o duplo critério da sua política externa: se os inimigos violam o direito internacional, condenamos; se forem os nossos amigos a fazê-lo, evitamos o assunto e apelamos à contenção de ambas as partes. É este comportamento que autoriza as acusações de hipocrisia dirigidas ao bloco ocidental – as regras são para os outros, não para nós, que as fizemos.
De outro ponto de vista, a ação militar israelita é basicamente contraproducente. Se o objetivo é impedir o Irã de construir armas nucleares, o ataque terá efeitos contrários aos pretendidos – a vontade iraniana de obter armas nucleares aumentará, não diminuirá. O argumento iraniano de que só com armas nucleares se poderá defender da superioridade militar israelita será mais difícil de contestar. E se, por outro lado, o objetivo do ataque é mudar o regime iraniano na esperança de que uma qualquer revolução democrática possa fazer o Irã abandonar a ambição do armamento nuclear, por favor, pensem duas vezes: a maioria dos países que tem armas nucleares são democracias. Ter ou não ter armas nucleares não tem a ver com o regime, mas com condições de segurança.
Não, não me parece que as razões, pelo menos as mais próximas, tenham sido essas. O objetivo central do ataque foi, no meu ponto de vista, sabotar as negociações que estavam a decorrer com os Estados Unidos, acabar com a via diplomática e abrir caminho ao uso da força. Ao contrário do que para aí se diz, Israel não está a fazer o trabalho sujo para os Estados Unidos, mas exatamente o contrário: são os interesses de Israel que comandam os acontecimentos na região. A política externa americana não lidera, segue. Israel quer arrastar os Estados Unidos para o conflito de modo a manter a hegemonia regional. E está a consegui-lo.
Imagem aérea do alvo de um ataque israelense na capital Teerã. (Foto: Sepah News / AFP)
Uma palavra ainda para a estratégia de decapitação, tão admirada pelas televisões ocidentais. Sou dos que pensam que esta técnica de combate não passa de uma crueldade desnecessária e de eficácia muito, muito duvidosa. Primeiro, os líderes militares iranianos serão imediatamente substituídos, sendo difícil dizer que os que vêm de novo serão mais incompetentes do que os que morreram. Segundo, os ataques especialmente dirigidos a comandantes carismáticos são vistos como uma ação covarde que só aumenta o ódio e a vontade de retaliar. Em terceiro lugar, esta técnica militar consiste em matar aqueles com quem, um dia, deverá ser assinada a paz. Quando falamos disto sentimos imediatamente que os assassinatos-alvo são um assunto sujo. Porque são um assunto sujo.
A reputação internacional de Israel nunca foi tão má como agora. Com a guerra em Gaza (mais propriamente, com a obscena limpeza étnica em Gaza) e com este ataque injustificado ao Irã, Israel perde apoios e aliados em todo o mundo. Está num isolamento crescente. Vejo por aí grande entusiasmo com o resultado militar dos primeiros dias, mas não partilho dessa ilusão: acho que abriram as portas do inferno, que tudo isto está no início e que ninguém sabe como acabará. Não, o mundo não ficou mais seguro, o mundo ficou mais perigoso.
JOSÉ SOCRATES ” BLOG ICL NOTÍCIAS” ( BRASIL)