


CHARGE DE SPACCA
Os adjetivos e impropérios dirigidos ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, me fizeram lembrar de muitos anos atrás, quando a capital ainda estava aqui no Rio e a deputada – se não me engano, Ivette Vargas – decidiu agredir o deputado Carlos Lacerda chamando-o de “purgante”.
Não foi sequer um aparte, acho que foi um puro e intempestivo xingamento dirigido ao deputado de retórica mais temível no Brasil por mais de 30 anos. Lacerda também não parou seu discurso, apenas nele incluiu uma frase de imediata resposta: “E Vossa Excelência é o resultado”.
Bons tempos em que o Vossa Excelência era de rigor no cerimonial do Congresso Brasileiro. Aliás, convenhamos, a transferência da capital para Brasília teve significativo empobrecimento no debate político brasileiro. Acho que até na configuração física do plenário empobreceu-se a arena dos debates. O apinhamento de deputados diante dos microfones tirou muito da solenidade e do ritual do debate político.
A sessão em que o ministro da Fazenda foi objeto de impropérios complementa aquela a que compareceu no Senado a ministra do Meio Ambiente. Espetáculos pobres tanto na forma quanto na substância onde a primeira vítima é sempre a língua portuguesa maltratada e até enxovalhada pela boçalidade – o termo é este – de argumentos primários repetitivos sem permitir que a cidadania se informe adequadamente sobre o que está em jogo. Os debates nos anos 60 nos diretórios acadêmicos de nossas faculdades nunca chegaram a tão baixo nível.
Na realidade, o perdedor líquido nestes embates é sempre a cidadania, pois a cada dia que passa o eleitor se afasta dos debates (?) parlamentares por deles não extrair nada que possa aprofundar o entendimento do que se busca fazer nesta hora de tantos e tão graves desafios à nossa soberania, à nossa Democracia, ao futuro de nossos filhos e netos.
Temo que o Congresso Nacional não avalie adequadamente o mal que está fazendo a nós todos, cidadãos, independentemente de nossas eventuais simpatias políticas. Será infantilidade imaginar que os desafetos do ministro Haddad não percebam o peso astronômico, cruel e inédito no mundo civilizado das emendas parlamentares e o impacto delas em nosso equilíbrio fiscal.
Temo que o Congresso se iluda que estejamos a considerar o papel dos ministros do Supremo Tribunal Federal como alheio aos interesses da cidadania.
Temo que o Congresso ache legítimo sequer pensar em destituir de seus cargos ministros do Supremo que nos desvendam e ainda condenarão, de acordo com a lei, os crimes de lesa-pátria que hoje estão sendo julgados naquela Corte.
E não deixa de ser um espetáculo que muito se deplora o cinismo, quando não a covardia, de eminentes personagens políticos , ao transformar em peles de cordeiros, trapos e tripas dos mais reles ataques à cidadania e ao patrimônio público.
É imperativo que nas eleições de 2026, na renovação total da Câmara dos Deputados e parcial do Senado Federal, os eleitores tenham consciência não só do bem que o voto em nossos representantes naquelas Casas possa significar, mas também da importância que o não-voto pode adquirir como instrumento de uma sadia objeção aos mecanismos de degradação de nossas instituições politicas.
O mundo nos está ensinando que a ingenuidade talvez seja mais perigosa que a malícia. Hoje Trump, Erdogan, Putin, Orban, J. Vance estão nos mostrando a falência de projetos autocráticos apoiados em ideologias de nauseabunda coloração discriminatória e preconceituosa, seja pela cor da pele, seja pelo sentimento religioso.
O Brasil talvez seja um dos poucos países com credibilidade suficiente para fazer em território nacional os dois maiores encontros internacionais deste ano: os BRICs, no Rio de Janeiro, e a COP 30, em Belém do Pará.
Talvez dessas duas reuniões possam sair decisões negociadas que venham a estimular uma retomada do bom-senso. Melhor ideologia nos tempos atuais.
Uma espécie de palmadinha no bumbum que nossos pais nos ministravam nos tempos em que nos achávamos os reis da cocada preta.
ADHEMAR BARADIAN ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
*Embaixador aposentado