O ” HAT TRICK” DO ARREGÃO BOLSONARO

CHARGE DE MIGUEL PAIVA ” BLOG BRASIL 247″

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Mais do que se incriminar, mais uma vez, quando iniciou, dia 10, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), sua narrativa para as atitudes radicais que tomou – antes, durante e depois do processo eleitoral em que perdeu a reeleição para Lula, em outubro de 2022 – , o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro – considerado um ‘mito’ – decepcionou e irritou seus mais fiéis e radicais apoiadores que não se conformaram com a derrota e acamparam, sob sol e chuva, diante dos quartéis por mais de dois meses, ao chama-los de “malucos”. O maior desencanto dos bolsonaristas-raiz veio dos sucessivos arregões do outrora chefe radical e destemido perante o ministro do STF, Alexandre de Moraes, e o procurador geral da República, Paulo Gonet.

Vale lembrar que em 2021, após um discurso violento contra Moraes, no 7 de setembro na Avenida Paulista (em São Paulo), quando bradou “Acabou, a partir de agora não aceitamos mais decisões de Alexandre Moraes”, no dia seguinte, diante da péssima repercussão no colegiado do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro recorreu ao ex-presidente Michel Temer. Explica-se: Temer privara da companhia do ex-capitão na Câmara dos Deputados, nas suas duas presidências da Casa, e foi o responsável pela indicação de Moraes ao STF. Por isso, para esfriar os ânimos, Temer redigiu, a quatro mãos, uma carta de retratação ao ministro Moraes, que deixou Bolsonaro miando feito um gatinho.

Pois agora, na véspera do depoimento de 10 de junho, terça-feira, o réu Jair Messias Bolsonaro teve novo encontro com Temer, que o aconselhou a baixar a bola. Diante do insofismável risco de condenação pela incitação e tentativa de golpe, Bolsonaro tentou seguir o conselho do ex-presidente e se desculpou logo quando Moraes o inquiriu sobre uma declaração gravada na qual diz que os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso receberam 30 milhões dólares cada e Alexandre de Moraes, 50 milhões de dólares, para decidir contra ele e a favor de Lula. “Peço desculpas, aí, se me excedi na retórica”. Desculpa esfarrapada que tenta se eximir de processo de “injúria, calúnia e difamação” que poderia levar boa parte do que transferiu por Pix ao filho 03 nos Estados Unidos.

O “hat trick” se completa mais adiante, quando pede “desculpas ao Dr Paulo Gonet” – o procurador geral da República, autor das denúncias contra Jair Messias Bolsonaro em processo que tem Alexandre Moraes como relator – quando diz que seu propósito de pacificação estava claro na exortação aos caminhoneiros para desobstruírem as estradas depois da derrota em 30 de outubro de 2022. Aí, mais adiante, lamenta que “malucos” continuaram acampados e causaram as arruaças de 8 de janeiro de 2023.

Entretanto, mordeu a isca direitinho quando Alexandre de Moraes, após ouvi-lo dizer que o inconformismo com a derrota começou quando o recurso do seu partido, o PL, que pedia a recontagem dos votos, foi considerado pelo Tribunal Superior Eleitoral “litigância de má-fé”, gerando multa acima de R$ 20 milhões. Hábil, Moraes indagou: “O senhor está dizendo que a cogitação, a conversa o início dessa questão de Estado de Sítio, Estado de Defesa teria sido em virtude da impossibilidade de recurso eleitoral, é isso?”.

“Sim, senhor”, respondeu Bolsonaro, na mais cabal confissão da tentativa do golpe. Desconcertado – deve ter levado um cutucão de um dos advogados – veio com proposta: “posso fazer uma brincaeira?”; “Eu consultaria os advogados”, respondeu Moraes, e Bolsonaro saiu-se com o esdrúxulo convite para o algoz ser seu candidato a vice na chapa em 2026 [Bolsonaro está inelegível até 2030]. E recebeu o troco imediato: “Declino, mais uma vez”, rebateu Moraes.

Deletando a delação?
É ingenuidade ou falta de noção imaginar que o descrédito da delação do tenente-coronel Mauro Cid pode levar à anulação do processo do golpe. As confissões do ex-ajudante de ordens são resultado das indagações da Polícia Federal a cada troca de mensagens ou documentos extraídos dos oito/nove celulares e computadores recolhidos de Cid, e das provas colhidas junto aos demais envolvidos. A denúncia da PGR usou a narrativa de Cid como um roteiro, mas preferiu se alicerçar em provas colhidas pela PF e outras confissões. Cid pode errar o cálculo e ter o acordo de colaboração que limitaria suas penas a dois anos anulado. Até dois anos de cadeia (com boa parte já cumprido), sonharia em retomar uma improvável carreira militar, mas asseguraria promoções e uma reserva com maior remuneração.

Israel X Irã e o mundo em suspense

Os ataques de Israel contra o exército iraniano foram comparados pela imprensa americana aos que o país fez contra o Hezbollah em setembro de 2024: uma decapitação. Na avaliação dos jornais americanos, quase todo o alto escalão do exército iraniano e da Guarda Revolucionária foi morto, e quanto mais o Irã demora para se reagrupar, mais perde de seus programas de mísseis balísticos e nucleares. Sábado, Israel atacou campos de petróleo e refinarias do Irã. Israel sempre temeu – não só na era dos aiatolás – um ataque do Irã. Já havia esse temor no tempo do Xá Reza Pahlavi, apeado do poder em fevereiro de 1979, quando se instalou o regime dos aiatolás iniciado por Khomeini, sucedido após sua morte, em 1989, pelo atual líder supremo, aiatolá Khamenei. O barril do petróleo subiu mais 7% no sábado e o mundo está em suspense, temendo o pior: um conflito nuclear de consequências inimagináveis.

Pois toda vez que crescem as hostilidades entre Irã e Israel, lembro de um livro que devorei em 1978 e me tirou o sono por várias noites: “A Queda de 1979”, de Paul Erdman. Contei o enredo a dois diretores do Banco Central no governo Geisel. Uma semana depois, a dupla me confessou que também perdera o sono por várias noites. Na época, o Brasil dependia de 80% do petróleo importado, sobretudo do Iraque, Irã, Arábia Saudita e Argélia. Sem a força do agronegócio e sem a bacia de Campos, descoberta em 1974, produzir uma gota de petróleo (o que começou na década seguinte), o Brasil dependia do crédito dos banqueiros e da confiança dos grandes xeiques do petróleo, como Zhaki Yamani, o ministro do petróleo da Arábia Saudita, que era o grande líder da Opep e amigo do então ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki.

Bem, vamos ao tema da insônia no livro, que era uma ficção, mas contava, com riqueza de detalhes, as atribulações dos banqueiros com a volatilidade dos saques dos petrodólares sobre a banca internacional a cada crise política. O canadense Erdman tinha sido operador do Citibank na Suíça e conhecia o ambiente e os gestores das fortunas dos países produtores de petróleo, como Yamani e o Xá Reza Pahlavi, que tinha os Alpes como refúgio habitual nas férias, para conferir a fortuna. No livro, o Xá estimula o programa nuclear iraniano, com um judeu à frente do grupo de cientistas. Mas ele, que era pai da mocinha, temendo que se lançasse uma bomba atômica contra Israel, modifica a fórmula para uma bomba de cobalto. Ao fim de muitas escaramuças, o avião da força aérea do Irã que lançaria a bomba contra Israel é abatido em terra no território iraniano e a explosão da bomba contamina a região produtora do Oriente Médio. Por 30 anos, o petróleo local ficou inacessível. O livro começa com Erdman descrevendo uma cena distópica: o personagem de tantas operações bilionárias andando a cavalo numa fazenda de uma Califórnia com cortes intermitentes de energia elétrica. O pior é que após a queda do Xá, Irã e Iraque entraram em guerra no final de 1979, e o 2º choque do petróleo provocou nova alta mundial que levou o Brasil a quebrar na crise da dívida externa, em 1982. O temor de uma catástrofe está sempre presente.

Agora, uma série de erros levou o Irã ao cenário catastrófico que ele há muito buscava evitar: uma guerra aberta com Israel sem a ajuda de aliados e antes de obter armas nucleares. Parte da distração do regime dos aiatolás foi causada por uma diversionista mesa de negociação nuclear entre os Estados Unidos e o Irã. Mas a pronta resposta favorável de Donald Trump, celebrando a precisão dos ataques pelas forças de Israel, revela que o governo Trump não apenas estava a par dos preparativos, como ajudou a blefar na negociação.

O presidente Trump disse ao “The Wall Street Journal” que “estava ciente dos planos de Israel de atacar o Irã: “Aviso? Não foi um aviso. Foi ‘sabemos o que está acontecendo'”. Antes, enquanto rolavam as negociações, ele instou a liderança iraniana a fechar um acordo, “antes que não reste mais nada”. Os “Estados Unidos auxiliaram Israel” na defesa contra o ataque iraniano, disse uma autoridade americana, não apenas com tecnologia e armas.

No sábado, o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, afirmou que “Teerã vai pegar fogo” se o Irã continuar a disparar mísseis contra Israel”. A maioria dos mísseis terra-terra lançados pelo Irã foi interceptada, segundo o exército israelense. Pelo menos 78 pessoas morreram nos primeiros ataques israelenses. O comandante da Guarda Revolucionária do Irã, Hossein Salami, e vários generais estavam entre os mortos, abrindo um buraco na liderança militar de Teerã. Líderes e instalações do programa nuclear do Irã também foram atingidos pelo bombardeio: “nove cientistas e especialistas seniores foram mortos”, e a “usina de enriquecimento de urânio de Fordon também foi atingida”, o que significa que os três principais locais do programa nuclear do Irã foram afetados.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que a operação militar duraria “quantos dias fossem necessários”. Israel planejou “14 dias de operações”, disse um alto funcionário israelense. Ou seja, o suspense perdura até o fim do mês. Muito antes dos ataques de Israel, relata o “WSJ”, segundo informou uma autoridade israelense, agentes “contrabandeavam drones explosivos e outras armas guiadas para o Irã, numa operação de infiltração sem precedentes.

O ataque devastador de Israel ao Irã colocou a República Islâmica em perigo existencial e expôs profundas vulnerabilidades nos serviços de inteligência que mantiveram o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, no poder por quase quatro décadas. O conflito escalou na noite de sexta-feira, quando Teerã disparou dezenas de mísseis balísticos contra Tel Aviv, depois que aviões de guerra israelenses realizaram ondas de ataques em todo o Irã no dia anterior, visando instalações nucleares do país e matando vários de seus comandantes de mais alto escalão e cientistas seniores.

Os tropeços de Trump

O presidente Trump não está conseguindo fazer avançar o ideário do MAGA (Make America Great Again). O tarifaço da libertação econômica do país, após tantos recuos, deixou seus fiéis desorientados e o mundo econômico-financeiro desconcertado com a perda do dólar antes da guerra Israel-Irã. E uma entrevista de um grande economista chinês, Justin Yifu Lin, neste sábado em “O Globo”, fornece pistas do quão é difícil o caminho escolhido por Trump e assessores para recuperar o poder da indústria e da economia americana. Para começo de conversa, a China contribui, desde 2008, para o aumento de 30% do PIB Mundial, e está mais forte hoje que os EUA, segundo o economista.

Yifu Lin, um ex-capitão do exército que desertou a nado de Taiwan para o continente, em 1979 (muito antes da escalada do “milagre chinês”), depois de ter sido economista-chefe do Banco Mundial (2008-2012), é o atual reitor do Instituto de Nova Economia Estruturalista, disciplina que criou. Ele aponta que o grande trunfo da China sobre os EUA está no desenvolvimento educacional. Com a concentração das políticas públicas no desenvolvimento do capital humano (receita usada pela Coreia do Sul nas décadas de 60 e 70), a China lidera, segundo Yifu Lin, a “quarta revolução industrial”, que inclui inovação, inteligência artificial e “big data”. Essa corrida “é nova para todo mundo, mas a China está adiante em algumas frentes. Primeiro, o capital humano. Temos uma população de 1,4 bilhão, formamos cerca de 7 milhões de estudantes por ano, metade em ciência, matemática e engenharia. É mais do que todos os países desenvolvidos somados”. Os Estados Unidos vão mal nesse importante índice. O Brasil, embora melhorando, segundo o IBGE, segue muito atrasado.

Mas o que dizer das outras basófias de Donald Trump? O “New York Times” lembra que no primeiro dia de seu segundo mandato, ele previu que seria lembrado como um pacificador e unificador. Pois está se aproximando do quinto mês de governo sem cumprir a promessa, e o NYT destaca que o “autoproclamado pacificador se mete em envolvimentos estrangeiros sem conseguir a paz em Gaza e o fim da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. “Nosso poder acabará com todas as guerras e trará um novo espírito de unidade a um mundo que tem sido raivoso, violento e totalmente imprevisível”, disse Trump no dia da posse. O NYT adverte que “o conflito no Médio Oriente está a agravar o cisma entre os conservadores em relação à política externa”.

Radicalismo mortal

O radicalismo de Donald Trump, que escolheu a comemoração dos 250 anos de criação do Exército dos Estados Unidos, coincidente com os seus 79 anos, para fazer uma comemoração nacional que represente uma celebração de força pessoal, como não podia deixar de ser, acirrou os ânimos entre republicanos trumpistas e os democratas e cidadãos que protestam contra as medidas arbitrárias para a prisão e deportação de pessoas supostamente com vistos ilegais de permanência em terras de Tio Sam. Por pressão da Justiça, Trump fez mais um recuo. Suspendeu a detenção de pessoas em fazendas, hotéis e restaurantes. Mas a mobilização, em Washington, de um grande contingente das forças armadas para um desfile, no fundo, que tende a exaltar a figura do presidente autoritário, não ajuda a reduzir as fissuras entre os americanos, pois haverá protestos da oposição

Na madrugada de sábado, no estado de Minnesota, que faz fronteira com o Canadá, governado pelo democrata Tim Walz, companheiro de chapa de Kamala Harris, vencedora no Colégio Eleitoral local, um homem, vestindo uniforme policial, invadiu a tiros a casa da deputada estadual Melissa Hortman, matando também o seu marido. O casal deixou dois filhos. Ela foi presidente da Câmara local e era uma liderança emergente. Em outra localidade, o senador estadual democrata John Hoffman e sua esposa foram igualmente feridos; pelo mesmo atirador, que se passou por policial.

O presidente Trump ordenou que o FBI investigue o caso. Contudo, é evidente que o pano de fundo para os dois ataques vem da pregação radical contra os democratas desde que perdeu a reeleição em 2020. O agravante agora é que está usando as forças armadas contra manifestantes em território americano.

Aqui no Brasil, não se deu bem quem costumava bradar “o meu exército”.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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