QUAL A VERDADE POR DETRÁS DA REFORMA DO ESTADO ?

A grande novidade do novo governo é a criação da pasta da Reforma do Estado, ocupada por Gonçalo Saraiva Matias, até agora presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, uma instituição criada pelo Grupo Jerónimo Martins e que tem servido de suporte ao estudo da sociedade portuguesa, bem como à concetualização e divulgação de uma ideia de país mais alinhada com os cânones políticos e económicos dominantes na União Europeia.

Há quem acuse a Fundação de ser um instrumento de propaganda, para pequenos e médios intelectuais, das filosofias políticas do neoliberalismo – e isso, pese a ironia (e, talvez, alguma injustiça) serve para, pelo menos, antecipar, dada a personalidade do agora ministro da pasta, qual a ideologia subjacente a esta “Reforma do Estado”.

Luís Montenegro fugiu a essa definição ideológica e apresentou ontem uma ideia da Reforma do Estado como sendo, essencialmente, uma declaração de “guerra à burocracia” (sic). Prometeu até não ceder à resistência dos seus próprios ministros a alterações que, neste âmbito, se decidam fazer – já imagino Conselhos de Ministros bem tensos…

Limitar uma Reforma do Estado ao combate à burocracia, como Montenegro fez, é um déjà vu. A criação de ministérios e secretarias de Estado a prometer isso é bem antiga: Mário Soares fez isso em 1976 e em 1983; Cavaco Silva em 1985; António Guterres em 1995; José Sócrates em 2005 e até lançou, em 2007, a Agência de Modernização Administrativa.

Passos Coelho, pressionado pela troika, teve, na verdade, todo o Governo e uma secretaria de Estado a trabalhar nisso intensamente, desmantelando partes do Estado mais ou menos à toa, para cortar despesa, reduzir instituições, congelar carreiras e diminuir pessoal. Houve até um plano, ridiculamente falhado, do seu vice, Paulo Portas, para tentar dar coerência a essa obra voluntarista. O esvaziamento e envelhecimento dos funcionários públicos que esse movimento, na sequência, provocou, estão na base de muitos dos problemas atuais do funcionamento do Estado.

Finalmente, tivemos António Costa, que foi o que avançou mais no chamado “Simplex”.

Não faltaram, portanto, na história da nossa democracia “guerras à burocracia” e, se é isso que Luís Montenegro acaba de lançar, ou estamos perante uma ideia demasiado curta para ser apresentada com tanta pompa, ou uma ideia muito escondida, cujos objetivos não foram seriamente revelados.

Fazer um ministério, como foi anunciado ontem, para apenas inserir no aparelho de Estado mais processos de digitalização e Inteligência Artificial (já agora, digo eu, convinha também meter mais inteligência natural no Estado…) é algo que não se justifica: a tal Agência para a Modernização Administrativa já tem essa função.

Sem querer ser injusto, até porque o Programa do Governo ainda não foi apresentado, parece-me que a verdadeira ideia da Reforma do Estado, aplicada por “alunos” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, só pode ser uma: desmantelar vários serviços públicos e entregá-los ao mundo dos negócios.

Como é que um governo de minoria parlamentar a vai fazer? Terá de negociar com a oposição. Montenegro terá de validar a verdadeira Reforma do Estado com o Chega e com o PS. E eles alinham, juntinhos?

PEDRO TADEU ” DIÁRIO De NOTÍCIAS” ( PORTUGAL)

Jornalista

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