
CHARGE DE FRAGA ” ZERO HORA / RS”
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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) é uma fábrica de pesquisas diárias, semanais, mensais, trimestrais e anuais sobre os temas mais variados. Dados da inflação, dos diversos setores produtivos e do mercado de trabalho ajudam a balizar políticas públicas. Um dos usuários é o Banco Central, que calibra os juros frente às tendências da inflação e do emprego. Mas a produção maior do IBGE deriva do manancial de informações colhidas pelos Censos Demográficos decenais. Entre um censo e outro, o Instituto faz projeções anuais sobre as populações dos Estados e Municípios que ajudam a determinar a fatia de cada ente estadual ou federativo no rateio de cada município na receita do ICMS ou no quinhão de cada estado (proporcional aos municípios), conforme a população, no rateio dos impostos federais para o Fundo de Participação dos Estados e Municípios.
Desde 1940, os Censos são feitos regularmente a cada dez anos pelo IBGE. As exceções foram no governo Collor (adiado de 1990 para 1991) e no de Jair Bolsonaro. Antes mesmo da pandemia da Covid, o Censo de 2020 estava comprometido pela decisão do ministro da Economia, Paulo Guedes, de simplificar os questionários. (o estilo “Edward Mãos de Tesoura” de Elon Musk no Doge do governo Trump – deixado meio de lado – foi antecipado por Guedes). Com a pandemia de 2020-21, o Censo simplificado foi adiado para 2022 e as atualizações de suas projeções vêm sendo feitas aos poucos. Esta semana saíram dados populacionais de 2023 que mostram forte desaceleração da taxa de natalidade. O total de 2,543 milhões de nascimentos em 2023 é a quinta queda anual seguida na natalidade. É o menor número de nascimentos de brasileiros desde os 2,470 milhões de 1976. Frente ao pico de 3,180 milhões, registrado em 1982, é uma baixa de 657 mil pessoas.
Orçamento é bola de ferro
As consequências do fenômeno demográfico do “envelhecimento” da população do eterno “país do futuro” são complexas. O país perdeu as benesses do “bônus demográfico” de ter mais nascimentos que novas aposentadorias, que duram bem mais tempo com o aumento da expectativa de vida que hoje passa dos 76 anos. Vale saber que, com as mudanças demográficas, todas as reformas e pequenos puxadinhos feitos, desde 1994, na Previdência Social brasileira (que opera pelo sistema de repartição – o dinheiro que entra dos trabalhadores na ativa e dos seus empregadores é consumido para pagar as aposentadorias e pensões dos segurados, além de seguros-desemprego e licenças médicas) não foram suficientes – e nunca serão – para equilibrar as contas da Previdência. No ano passado, mesmo com o país crescendo 3,4% e o menor desemprego em duas décadas, ainda sobrou um rombo atuarial de R$ 297,3 bilhões em 2024, embora menor que os R$ 306,2 bilhões de 2023. Os rombos (assim como os roubos nas aposentadorias) são cobertos pelo Tesouro Nacional com a emissão de títulos do Tesouro. E com os altos juros da dívida pública (que superou os R$ 7 trilhões), as despesas com juros devem passar de R$ 1 trilhão este ano. Cada um ponto a mais da Selic custa mais R$ 55 bilhões ao fim de 12 meses.
Discutir esse problema que condiciona o endividamento crescente como se fosse gigantesca bola de ferro presa ao tornozelo de cada brasileiro, tolhendo o crescimento da economia e drenando verbas que poderiam estar sendo gastas em programas de bem-estar social, na melhoria da infraestrutura, da saúde, do saneamento básico, educação e segurança, ao lado de um exame acurado dos indicadores do IBGE, deveria ser tarefa dos legisladores. A realidade indicaria a necessidade de rever certos limites fixos do Orçamento Geral da União determinados pela Constituição de 1988 para a Saúde e a Educação, por exemplo. O retrato do Brasil de 1988 é bem diferente dos dias atuais e as projeções para 2030 em diante pedem reformas urgentes. Ou os jovens atuais não terão aposentaria.
Está mais que na hora de cruzar os dados das radiografias do Brasil real com o que foi destinado pela Constituição aos diversos setores. Se nascem menos brasileiros e os idosos vivem mais, além do estouro da Previdência, a demanda no SUS se desloca da obstetrícia e da pediatria para os cuidados com hipertensão, obesidade, diabetes, problemas cardíacos e doenças da terceira idade. Na Educação – à parte a trágica evasão dos Nem-Nem (faixa dos 14 aos 25 anos que não concluem o ensino básico e não encontram trabalho por falta de qualificação), é indispensável recalibrar as verbas face aos últimos dados do IBGE.
Deputados preferem fazer memes
Mas as gordas fatias em que deputados e senadores podem intervir, via Orçamento Secreto, nas verbas de Saúde e Educação do OGU, determinam uma paralisia endêmica na revisão do Orçamento, sob o argumento de “não se deve mexer em time que está ganhando” (no caso, quem ganha comissões e votos em seus redutos eleitorais são os políticos que pilotam as verbas do Orçamento Secreto). A população, que assiste a esse jogo sujo na arquibancada ou, pior, sofre na carne a má prestação dos serviços públicos em retribuição aos pesados impostos que paga, vaia estrepitosamente e pede a intervenção do VAR. Acontece que essas discussões (que são atributos do Congresso) não rendem “likes” na internet que podem iludir futuros e incautos eleitores.
O Congresso está com os trabalhos semiparalisados desde o início da atual Legislatura, em 1º de fevereiro, pelo desespero da Oposição, liderada pelo PL, de tentar aprovar um Projeto de Anistia para os golpistas de 8 de janeiro de 2023, cujo alvo principal visa beneficiar o mentor do golpe, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que perdeu a reeleição para Lula. O líder do PL na Câmara, que liderou a bancada evangélica em 2024, usou sua influência para aliciar assinaturas de evangélicos de outros partidos para tentar aprovar o projeto de Anistia em regime de urgência. Como há quase uma centena de propostas com o mesmo rito de urgência, a “urgência” da anistia tem de esperar na fila.
Mas o desespero de Bolsonaro, cujo julgamento entrará esta semana na fase das primeiras oitivas na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, levou o deputado Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ) a pregar a sabotagem na tramitação de questões na Câmara dos Deputados. Por isso, o episódio do roubo continuado dos segurados do INSS (vítimas, desde o fim do governo Temer, de descontos mensais para entidades sociais de modo fraudulento), que gerou igualmente solicitações falsas de empréstimos consignados, acumulando desvios (até aqui) de R$ 6,3 bilhões contra 2,5 milhões de segurados, facilitou a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso.
Além de tentar dividir a atenção popular do julgamento do núcleo da trama golpista, liderada por Jair Messias Bolsonaro, e servir para o Congresso fugir do exame de temas que interessam ao governo e à sociedade, uma CPMI é o palco perfeito para “lives” e memes dos deputados e senadores, já interessados em angariar votos em 2026. A CPMI da Covid foi palanque para muitos políticos reeleitos em 2022. Mas, ainda, não condenou nenhum dos responsáveis pelos desvios, omissões e demonstrações de incompetência no governo Bolsonaro. Como os ladrões e corruptos não perdem uma oportunidade, pessoas que estão no centro dos desvios do INSS também estavam na mira da CPMI da Covid. É a oportunidade para uma varrida geral nos corruptos contumazes que se alojam em apêndices da máquina pública.
A política da futrica
Já foi o tempo em que o jornalismo político brasileiro tinha seus grandes representantes. Carlos Castelo Branco, o “Castelinho”, que durante várias décadas comandou a “Coluna do Castelo” no velho JORNAL DO BRASIL, era um dos ícones. Assim como Villas Boas Corrêa e Carlos Chagas. Todos funcionavam como faróis, iluminando a esperança em meio ao pesado ambiente político nos anos de chumbo da ditadura. Naqueles tempos, os ditadores de plantão não davam entrevistas coletivas no Brasil. Só nas viagens internacionais (a países democráticos) nossos presidentes eram expostos ao crivo das perguntas da imprensa livre da mordaça da censura. Mas nem todos publicavam os questionamentos aos ditadores. A democracia manteve a cobertura política mais arejada e mais arrojada.
O governo de Jair Bolsonaro promoveu um retrocesso nas frentes domésticas e no exterior. No Brasil, o presidente virtualmente expulsou a grande imprensa das “lives” diárias, onde os jornalistas ficavam confinados e constrangidos no “cercadinho” do Palácio da Alvorada, enquanto os habituais apoiadores bolsonaristas atuavam como censores com vaias e xingamentos a perguntas mais incômodas, quando as grosserias e os “cala a boca” não partiam do próprio presidente. No exterior, como o governo Bolsonaro optou por ser pária nas relações internacionais, as viagens se restringiam aos Estados Unidos do primeiro governo Trump e à ONU. Uma alternativa foi a ida a países de governo de ultradireita, como a Hungria, os Emirados Árabes Unidos e Israel.
Lula retomou, desde 2023, a reinserção do Brasil como protagonista na cena mundial. No fim do ano passado, comandou a Cúpula do G-20, no Rio de Janeiro. Presidiu o Mercosul, a Celac, e vai sediar a reunião do Brics ampliado no mês que vem no Rio de Janeiro, além da COP-30, em Belém (PA), em novembro. Mas, infelizmente, enquanto o Congresso trocou os grandes oradores pelos lacradores que usam as redes sociais para fazer montagens e distorcer fatos em “posts” (os plenários da Câmara e do Senado são meros cenários), a crônica política, em tempos de internet, foi trocada pela futrica e a “notícia” que gera “likes”.
O noticiário envolvendo o penúltimo périplo do presidente Lula ao Japão e ao Vietnã, numa ação para retomar a presença das exportações brasileiras no Japão e conquistar um novo mercado de mais de 100 milhões de vietnamitas, se concentrou em condenar a comitiva que alcançou duas centenas de pessoas, incluindo lideranças empresariais, e em criticar as roupas da primeira-dama, Janja da Silva. Na falta de argumentos para criticar Lula, sua mulher passou a ser mais atacada que a “Geni” de Chico Buarque. Na última viagem à Rússia, na celebração dos 80 anos da decisiva participação do exército russo na derrota das forças nazistas, Lula foi criticado por aceitar o convite de Vladimir Putin. Mas na extensão da viagem à China, um encontro com o presidente Xi Jinping, no qual ambos estavam acompanhados de suas esposas e um reduzido número de ministros, choveram críticas a Janja por ter – a pedido de Lula, que reclamara ao presidente chinês da falta de controle de postagens pela rede Tik-Tok, cujos desafios já causaram várias mortes de adolescentes no Brasil – detalhado alguns dos casos concretos. A situação foi vazada, como se Janja tivesse causado uma intromissão diplomática. Como disse Lula, ainda na China, a fofoca teria vazado, “pela ‘pachorra’ de um ministro que teria se sentido ‘desconfortável’ com a suposta gafe diplomática.
Detalhe, o ministro vazador não teria sido o das Relações Exteriores, o embaixador Mauro Vieira. [O boquirroto teria sido o chefe da Casa Civil, o baiano Rui Costa, que costuma fazer fogo amigo no governo contra o ministro da Fazenda, Fernando Haddad]; por falta de assunto, a crônica política tratou do episódio à exaustão ao longo da semana que passou]. Se ainda fosse no Japão, onde a mulher tinha papel secundário, ainda caberia o reparo. Mas o papel subalterno da mulher começou a ser alterado quando o atual Imperador Naruhito (126º na linha de sucessão desde maio de 2019) se casou, em junho de 1993, com a diplomata plebeia Masako Owada, que era funcionária do Ministério das Relações Exteriores. Em três décadas houve notável ascensão da mulher no Japão.
Na China, embora os costumes sejam mais tradicionais, o presidente chinês Xi Jinping recebeu a intervenção com naturalidade e combinou com Lula de enviar um representante do Tik-Tok para se submeter no Brasil às leis brasileiras. Antes que você, caro leitor, levante a suspeita de censura do governo Lula, lembro que o governo Trump deu prazo para a Tik-Tok ser vendida a empresários americanos, pois seria banida de operar no país sob controle acionário chinês, por suspeita de que (como toda a rede social) interagir com algoritmos na vida de cada usuário e instigá-lo a fazer mais “likes” e acessos. No caso do governo Trump, a suspeita contra a rede Tik-Tok era de que ela faria espionagem contra os cidadãos e os próprios Estados Unidos em sua atuação no território americano. O que sugere que as redes sociais sob controle americano possam fazer o mesmo. A propósito, o X de Elon Musk, esperneou, mas se submeteu às leis brasileiras e às regras impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Um pouco de disse-me-disse
Para vocês verem como o jornalismo da internet é condicionado pelos “likes” -que as manchetes chamativas ou fofocas geram -, para não ficar restrito ao disse-me-disse sobre a atual primeira-dama, um segundo assunto que rendeu muitos desdobramentos no noticiário político foi a descoberta de uma troca de mensagens no celular, em 27 de janeiro de 2023, entre o ex-ajudante de ordens da Presidência da República, tenente-coronel Mauro Cid, com o ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro Fábio Wajngarten, que atuou como seu advogado informal quando Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal no inquérito que gerou a denúncia da PGR contra os golpistas e o julgamento no STF. Bolsonaro ainda não estava inelegível por oito anos – a condenação do Superior Tribunal Eleitoral só veio no fim de 2023 – mas, ambos, diante do envolvimento do ex-presidente nas tramas golpistas, já o consideravam carta fora do baralho político em 2026 e avaliaram tanto a candidatura da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (criticada pelos dois) quanto a do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo,
A lógica do ex-chefe da Secom ajuda a entender as tendências que influem hoje no eleitorado conservador e explicam, parcialmente, a eleição de Bolsonaro em 2018, quando Lula não pôde concorrer, porque estava preso em Curitiba por ordem do então juiz Sérgio Moro (o processo foi anulado porque Moro mão tinha competência para julgar as denúncias contra Lula). Disse então Wajngarten que o Brasil “é temente a Deus”, que “possui uma religiosidade muito alta” e elogiou o pastor, dizendo que Malafaia tem uma “oratória impecável”. E Wajngarten prossegue com a receita eleitoral:
“Ele (Malafaia) girando o Brasil, levando a palavra de Deus. Mete um economista locomotiva [um novo Paulo Guedes, como em 2018?] O agro virá. O empresariado virá”, vaticinou Wajngarten. Só que a realidade de maio de 2025, com Bolsonaro inelegível até 2030 e com o seu desgaste no julgamento da trama golpista, é bem diferente da projetada há dois anos. Nos últimos comícios pela anistia para Bolsonaro o público vem minguando. A oratória do pastor também não cativa mais fiéis evangélicos e bolsonaristas
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)