OS RITMOS DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

CHARGE DE AROEIRA ” BLOG BRASIL 247″

Uma leitura braudeliana do processo revolucionário português

“Toda progressão lenta acaba um dia; o tempo das verdadeiras revoluções é também o tempo que vê florir as rosas”.
(Fernand Braudel)

O processo revolucionário português[i] foi desencadeado no dia 25 de abril de 1974 com a intervenção popular nas operações militares que objetivavam a derrubada do presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano; e findou no dia 25 de novembro de 1975 quando a Direita militar conseguiu paralisar o processo revolucionário e resolver o impasse militar que paralisava o Movimento das Forças Armadas, então dividido em três tendências irreconciliáveis.

Todavia, esse processo carregava em si as sobrevivências ideológicas que remontavam ao século XIX e que dividiam as elites das classes dominantes entre um projeto colonialista e a idealização de uma volta à Europa. Essas prisões de longa duração e as ações revolucionárias que as desafiaram no período 1974-1975 desembocaram numa conjuntura crítica aberta pela guerra colonial de 1961 a 1974.

A longa duração

O liberalismo europeu floresceu nos países ibéricos no início do Século XIX em meio às convulsões provocadas pela invasão napoleônica, mas trata-se de um processo de escala europeia e com coordenadas mentais específicas nas penínsulas do sul da Europa. Não por acaso, as últimas ditaduras desmontadas na Europa mais de 150 anos depois foram Portugal, Grécia e Espanha.

A ascensão liberal nos anos 1820 tem desdobramentos revolucionários em Portugal, Espanha, Grécia e Nápoles. À Regeneração Portuguesa (1851)[ii] correspondeu à Era Cánovas na Espanha, depois de uma efêmera República que findou em 1875; e ambas coincidem, grosso modo, com a época do Risorgimento Italiano, concretizado na fundação do Reino da Itália em 1861.[iii]

Os países mais atrasados do sul da Europa tentaram ingressar na corrida neocolonial como forma mais de adquirir prestígio do que para criar economias dependentes e funcionais para o desenvolvimento capitalista, o que não quer dizer que não propiciasse fortunas individuais[iv].. O seu imperialismo pode ser classificado com a expressão que Vladímir Lênin usou para o caso italiano: imperialismo esfarrapado.[v] Trata-se, para ele, de um imperialismo fundado na emigração e numa área interna atrasada (o mezzogiorno). Isto explica que, embora Giolitti (1842-1928) fosse contrário à empresa colonizadora, Sonino (1874-1922) era favorável por razões sociais (para escoar uma sobrepopulação “ociosa”) e de prestígio, embora entre 1880 e 1915 a média de emigração italiana para a África fosse menor que 2% do total dos emigrados.[vi]

Obviamente os italianos emigraram para os Estados Unidos, Argentina e Brasil (em especial para o Estado de São Paulo). A Itália conquistou alguma influência colonial, mas ao custo de uma fragorosa derrota na Etiópia em 1 de março de 1896 na batalha de Adua (ou Adowa). Esta batalha determinou a queda do Primeiro-Ministro Crispi. Depois, a Inglaterra lhe permitiu agir na Líbia (que seria anexada em 1910).

A Grécia, incapaz de grandes pretensões neocoloniais e sem um passado histórico colonialista recente, voltou-se para o seu recôncavo oriental, sustentando uma rivalidade com a Turquia que se estendeu ao século XXI: a divisão do Chipre entre gregos e turcos espelha bem o problema. A Grécia, desde 1453, fazia parte do Império Otomano, ficando quase 300 anos sob ocupação turca (1826). Em 1833, o estado grego chegava um pouco mais acima de Atenas; em 1864 inseriram-se as ilhas “Eptánissa” (entre Grécia e Itália, no mar Jônico); em 1881, a Tessália, e depois das guerras balcânicas (1912-13), Ipíro, Macedónia, Creta e as ilhas do Egeu de Leste; por fim, em 1947, as ilhas do Dodecaneso.

A Espanha fora colocada fora do jogo depois da derrota para os Estados Unidos em 1898. Ela já nem tinha uma Marinha suficiente para estabelecer uma ligação oceânica tão extensa entre o Caribe e as Filipinas. Suas pretensões de manter colônias no Mar Vermelho foram afastadas.

Portugal procurou criar um império de fato exatamente na conjuntura de retomada do ciclo expansivo da economia europeia depois da longa depressão pós 1873. Um tratado anglo-português foi assinado em 26 de fevereiro de 1884 e nele a Grã Bretanha reconhecia a soberania lusitana sobre o estuário do Congo. Leopoldo, o genocida rei dos belgas e animador da Associação Internacional do Congo, deu à França, em 1884, o direito de preferência ao Estado Livre do Congo (na verdade seus domínios pessoais) como forma de ganhar a amizade francesa para obstar as pretensões portuguesas sobre o estuário do rio. O tratado anglo-português acabou sendo rechaçado pelo parlamento britânico e os problemas todos foram delegados à Conferência de Berlim (1884-5).

No sul do Congo, entretanto, os portugueses encontraram a resistência dos ingleses. Mais ao sul, os portugueses tentaram impedir o progresso da companhia da África do Sul, mas seu esforço para reunir Angola e Moçambique num único território (expresso no famigerado mapa cor-de-rosa) foi obstado pelo ultimato de 11 de janeiro de 1890, quando os ingleses humilharam os sentimentos nacionalistas portugueses. Em 1880 a Associação Africana Alemã estava preparando uma expedição aos rios tributários meridionais do Rio Congo.[vii]

Mais tarde, acordos secretos de 30 de agosto de 1893 dividiram as possessões portuguesas entre Alemanha e Inglaterra, mas a Guerra dos Bôeres, o esfriamento das relações anglo-germânicas e a Primeira Guerra Mundial não permitiram a consecução desses acordos[viii]. Ainda assim, como os italianos, os portugueses não povoaram seus territórios coloniais. Por volta de 1914, Angola possuía 2 milhões de habitantes e sua opulação branca era de somente 13 mil pessoas. Moçambique tinha 11 mil brancos em 3.200.000 habitantes.[ix]

Pode-se dizer que a conjuntura e o desentendimento entre Inglaterra e França permitiram que Portugal ganhasse um império. As elites políticas e intelectuais portuguesas se voltaram em primeiro lugar para o mito do Novo Brasil em África. Uma vez reconhecida a separação do Brasil em 1825 pelo Governo de Portugal, era como se uma missão civilizatória houvesse sido completada. A Portugal, caso único no mundo, caberia doravante “civilizar” povos de outros continentes até que estivessem adultos como os brasileiros. Esse colonialismo singular encontraria justificativa ideológica no século XX no lusotropicalismo e na obra de Gilberto Freyre.

O colonialismo português envolvia interesses mercantis de empresários particulares e a ideia de prestígio cultural e racial. Entre os europeus, os portugueses seriam únicos, embora não superiores, pois estavam defasados materialmente, mas tinham a habilidade singular de dilatar a fé cristã e promover a aculturação mediante técnicas brandas, consensuais e assimilacionistas. Já perante os colonizados, os portugueses exibiam ao mesmo tempo a suposta superioridade racial europeia e sua força militar e material. Por mais defasadas que esta fosse, ainda assim deveria superar os povos nativos das colônias.

A ambiguidade, portanto, não estava no domínio português na África (brando e duro ao mesmo tempo), mas no discurso de auto justificação dirigido aos europeus. A disputa de hegemonia se dava na sociedade civil portuguesa, embora não fosse possível abandonar o caráter predominante da coerção. Para as colônias, havia apenas coerção, mantendo-se uma direção consensual somente sobre a insignificante minoria branca e ao pequeno percentual de “assimilados”.

Nas oposições portuguesas, ora sob tintura republicana e liberal e, por vezes, socializante, vigorava o mito da volta à Europa. As duras defasagens industriais e de padrão de existência diante da Europa transpirenaica levavam intelectuais a dissertarem sobre as causas de uma decadência que remontaria à perda do Brasil ou mesmo, longinquamente, ao desaparecimento de Dom Sebastião e ao desastre de Alcacer Quibir em 1578, com a posterior anexação pela Espanha (1580).

Em 1883 havia apenas 1.150 fábricas no país, ocupando 90 mil trabalhadores[x]. Uma burguesia débil pela situação estrutural e incapaz de dinamizar por inteiro a sociedade tradicional encontrava sempre uma dificuldade extremada de exercer hegemonia na sociedade civil igualmente debilitada. Dir-se-ia que em Portugal havia um pouco menos que sociedade civil e um pouco mais do que simples sociedade primitiva e gelatinosa. A diferença é que esta se transmuta naquela quando a maior parte da população consegue se orientar em torno de valores universais.[xi].

Na sociedade portuguesa caracterizada historicamente pelo exercício de um tipo de hegemonia passiva por parte dos grupos dominantes sobre massas socialmente indecisas e politicamente desagregadas, os indivíduos não construíram suas representações em torno de ideias-força que os mobilizassem para a defesa ativa de temas considerados de interesse geral.

A inexistência de um forte movimento operário (inobstante o esforço de anarquistas e socialistas no século XIX) permitia que a burguesia não precisasse agir como classe, fazendo-se representar por profissionais liberais ou velhos aristocratas ligados a um tipo de estabilidade cujo valor fundamental era a manutenção da Ordem e não a dinamização da sociedade industrial. A unidade das classes dominantes fora desfeita com o reconhecimento da perda do Império brasileiro em 1825, no caso português.

Essa falência teve um duplo significado: desorganizaram-se as finanças e se botaram fazendas a perder (fazendas há muito invertidas no ultramar). Também se redirecionou uma pletora de capitais antes dispersa nas colônias para a Metrópole, provocando um surto de evolução do industrialismo e de uma burguesia industriosa, voltada para dentro, para o desenvolvimento das forças produtivas internas onde elas já contavam com mercado interno (ou externo).

Todavia, as mentalidades e a situação estrutural dessas camadas novas não permitiam que de uma maneira rápida surgissem os requisitos psicossociais típicos dos países de moderno empreendimento industrial.

Ainda assim, uma política econômica, ainda que não perene, surgiu e pretendeu proteger uma fragilizada burguesia. Fragilizada pelo seu caráter simultaneamente prematuro e tardio e pelas adversas condições concorrenciais. Um protecionismo na era de Friedrich List, o economista do nacionalismo econômico, foi adotado por vezes com tarifas aduaneiras que se elevavam como resposta a imperativos externos. Com a Grande Depressão, a partir de 1873, uma onda conservadora substituiu os ares liberais pela adoção de políticas protecionistas e pela volta de partidos conservadores ao poder, excetuando-se a Inglaterra e a Holanda. Portugal, embora seja visto como atrasado em relação ao norte da Europa por não adotar políticas tarifárias favoráveis, em verdade as adotou em 1837, 1841, 1861, 1871, 1882, 1885 e 1892.[xii]

Entre 1851 e 1891, data do ultimatum britânico Portugal, uma vez ultrapassadas as suas revoluções liberais, viveu-se o auge do chamado regime da Regeneração, marcado pela estabilidade política sob a Monarquia Constitucional e pelo crescimento das infraestruturas públicas. Mas uma outra marca se fazia valer: a corrida neocolonialista e a tentativa de estabelecer de fato e de direito um Império africano, como vimos.

Nas áreas coloniais, a burguesia criolla não era mais importante no caso espanhol porque o império fora perdido, se excetuarmos a sacarocracia cubana. Em Portugal, as elites na África ainda serão ralas e mesmo os elementos mais eminentes padecerão do despeito metropolitano. Honório Pereira Barreto (1813-1859), nascido em Cacheu, depois estudante em Lisboa, pertencia ao grupo dos “brancos da terra”. Tornou-se governador de Bissau e Cacheu aos 24 anos de idade. Mas sempre se lembravam de sua tez.[xiii]

O Império Colonial se estabeleceu de fato a partir da corrida neocolonial de fins do século XIX e foi possível por circunstâncias casuais combinadas a fatores históricos, como vimos. A resistência africana foi batida entre fins do XIX e o fim da década de 1920. Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque (18551902), militar português foi responsável pela captura do grande chefe africano Gungunhana, em Chaimite (1895) e pela domesticação violentíssima do território moçambicano. O general Pereira d’Eça, futuro governador-geral de Angola durante a República (19151916) comandou as tropas portuguesas após o Desastre de Naulili. Artur de Paiva que viveu uma boa parte da sua vida em Angola, participou em campanhas do exército português entre 1883 e 1897.

A República Portuguesa não se estabilizou. Foram quarenta e cinco governos e sete eleições (em dezesseis anos). Em 1926, um golpe militar derrubou a primeira república portuguesa. O novo governo congregou as várias direitas que se formavam, mas não inaugurou uma nova fase republicana. Foi António de Oliveira Salazar, a partir de 1933, quem mais contribuiu para cristalizar um novo regime estável, durável, fundado no consenso das classes dominantes e mantido com permanente repressão aos opositores.

António Salazar era um conservador nada afeito à mobilização popular. Quando o Movimento Nacional-Sindicalista (MNS) foi criado em 1932 para dar uma base de massas ao regime que se montava, o governante tratou de reprimir a organização de extrema direita. Chefes da arruaça fascista foram perseguidos e seus camisas-azuis, proibidos. Em julho de 1934 o MNS foi proscrito.

Por outro lado, António Salazar criou uma máquina repressiva baseada na PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), um campo de concentração no Tarrafal, onde matou muitos oposicionistas como o Secretário Geral do Partido Comunista Português (PCP) Bento Gonçalves; usou organizações de educação cívica fascista uniformizadas para mobilizar a juventude, a Guarda Nacional e a Igreja Católica. Destruiu sindicatos e proibiu greves e a imprensa livre, expulsou e perseguiu intelectuais e manteve o Exército nas colônias para garantir um império que, se era cada vez mais explorado por firmas multinacionais, não consumiu muito do orçamento público (o que mudaria com a Guerra Colonial).

Se António Salazar não era o orador incendiário e de trejeitos tragicômicos, como Adolf Hitler e Benito Mussolini, seu carisma foi construído por uma máquina de propaganda que ressaltava o caráter mágico do homem discreto e simples que trabalhava em silêncio pela pátria; um ditador que a tudo via, que de modo monástico e casto expressava em seu ser Deus, pátria e família. Sua imagem era a da ordem e tranquilidade numa Europa sobressaltada por convulsões políticas e militares. Se Salazar não tivesse tais caracteres a ele atribuídos e se estes não fossem essenciais para a reprodução da ordem fascista em Portugal, ele teria sido substituído após a II Guerra Mundial. No entanto, sobreviveu aos ventos da descolonização, do antifascismo e até do início da Guerra Colonial, saindo do poder apenas em 1968 por razões de saúde.

A partir da derrota do nazi fascismo, António Salazar mudou a nomenclatura de colônias para províncias de ultramar, porém manteve o mesmo sistema colonial. Portugal ingressou na Otan como membro fundador e o Departamento de Estado dos Estados Unidos apoiava o regime como um escudo autoritário contra a propagação do comunismo, além de operar militarmente a partir de Portugal, dada sua posição geográfica estratégica. Apesar das críticas crescentes na sociedade civil ocidental, o salazarismo gozou de amplo consenso diplomático dos governos em diferentes conjunturas e foi um fascismo muito bem sucedido, especialmente porque não era visto assim.

Média duração

Durante a guerra colonial, a percentagem do PIB gasta com as forças armadas e a defesa nacional se manteve em patamares muito altos, próprios de países em esforço total de guerra (o problema é que essa situação durou quase quinze anos)[xiv].

A luta anticolonial teve início em Angola (1961), Guiné-Bissau (1963) e Moçambique (1964). O teatro de operações era muito vasto, e exigia das forças armadas lusitanas um esforço de guerra caro e pouco eficiente. Angola era agitada por dois poderosos movimentos, o MPLA – Movimento popular de libertação de Angola e a UNITA – União para a independência total de Angola; em Moçambique, a Frelimo – Frente de libertação de Moçambique era já um inimigo estruturado nos anos 60; o mais notável de todos era o PAIGC – Partido africano para a independência da Guiné e Cabo Verde, liderado pelo mais formidável dos líderes africanos: Amílcar Cabral.

Esses movimentos custaram 8.290 portugueses mortos, num corpo expedicionário que nunca ultrapassou 200 mil homens por ano. Ao total, foram um milhão e trezentos mil portugueses que serviram as forças armadas nas colônias, o que representava 14,7% da população![xv]

A carreira militar tornou-se pouco atraente. Os oficiais portugueses não estavam tão afastados da sociedade civil quanto os brasileiros. Num território pequeno, centralizado em Lisboa e Porto, a convivência com turistas estrangeiros, intelectuais e estudantes universitários era comum. Alguns oficiais frequentaram a universidade durante sua estadia na metrópole. Outros leram obras de crítica social, destacando-se os romances de Jorge Amado. Mas não é isso que explica sua adesão a uma revolução, como veremos a seguir.

Diante da falta de oficiais Marcelo Caetano,[xvi] que substituiu [xvii]Salazar em 1968 (após a incapacitação física deste) teve que promover o aumento do quadro de oficiais médios, aumentando o efetivo de oficiais permanentes de 3.305, em 1965, para 4.164, em 1973.[xviii]

O futuro movimento dos capitães se revoltou contra o decreto, mas no fundo, a base de insatisfação foi uma guerra virtualmente perdida. Com a entrada de mísseis antiaéreos em 1973 na luta guerrilheira acabou a superioridade militar portuguesa. Além disso, o isolamento da política colonial portuguesa no cenário internacional ficou nítido no dia 24 de setembro de 1973, quando a independência da Guiné foi proclamada e obteve o reconhecimento diplomático de 86 países (mais do que o número de nações que mantinham relações diplomáticas com Portugal).

O Movimento dos capitães surgiu em setembro de 1973 por motivos corporativos e defesa da hierarquia violada pelo próprio decreto governamental, o qual permitia que oficiais sem curso regular na Academia Militar ingressassem na carreira permanente.

Mas para derrubar o decreto era preciso acabar com o governo, com o regime e com a própria guerra colonial. Eram fatores interligados e que promoveram a tomada de consciência de cerca de 10% dos oficiais que formariam o Movimento das Forças Armadas (MFA).

A contradição é que um movimento desse tipo, sem oficiais superiores, também violava a hierarquia. Além disso, uma “tomada de consciência” de um problema, ainda que crucial, é muito diferente de uma conscientização, termo carregado de conotações engajadas e cunhado por Paulo Freire. Uma revolução popular com uma vanguarda militar, sem um núcleo político dirigente, foi decisiva para que mais tarde os impasses da revolução se confundissem com as limitações estruturais e organizacionais das próprias forças armadas.

Em sua exposição durante o debate promovido pela Fundação Perseu Abramo, a Deputada Joana Mortágua, partindo dos estudos do historiador Fernando Rosas, comentou o rompimento da cadeia de comando hierárquico no dia 25 de abril, além da pulverização do aparelho central de Estado. Decerto, essa pulverização se tornou saliente no Verão Quente de 1975 e chegou ao paroxismo durante os V e VI Governos. O V Governo durou apenas de 8 de agosto de 1975 a 17 de setembro devido ao isolamento político da ala militar ligada ao Coronel Vasco Gonçalves, como veremos adiante. O VI Governo teve uma fase de restabelecimento da autoridade política até 25 de novembro; de confronto militar no dia 25 de novembro; e até a posse do novo Governo Constitucional a 23 de julho de 1976, uma etapa de expurgos e punições para que o consenso fosse restabelecido mediante a coerção.

As contradições entre o imperialismo dos Estados Unidos, com apoio da Otan e dos seus satélites europeus, e a Revolução Portuguesa, se movimentaram no próprio interior da Revolução. Era imperioso que o Ocidente se valesse da mediação de atores internos. Destarte, os socialistas e a Direita garantiram o consenso eleitoral para o modelo liberal europeu e uma burguesia local virtualmente sem Exército reconstituiu politicamente as Forças Armadas e recriou a hierarquia e o centralismo do aparato repressivo.

Lembremos que hierarquia e disciplina, valores típicos do meio social interno militar, não deixam de ser justificativas ideológicas. Igualmente, a democracia liberal ocidental não era a única alternativa a uma ditadura que, em verdade, a Esquerda jamais tentou impor em Portugal. O que o Movimento das Forças Armadas (MFA) não conseguiu foi dar suporte militar a um pluralismo socialista na acepção de Hermann Pfütze: “multiplicidade de ações conscientes” conduzidas por “operários e empregados, rendeiros e trabalhadores agrícolas, soldados e estudantes”[xix].

Nas palavras dos próprios oficiais portugueses tratava-se de “um pluralismo socialista que compreende a coexistência (…) de várias formas de construção da sociedade socialista. O Movimento das Forças Armadas (MFA) repudia, portanto, a implantação do socialismo por forma violenta ou ditatorial… Isso implica o reconhecimento da existência de vários partidos políticos e correntes de opinião, mesmo que não defendam necessariamente opções socialistas”[xx]. O fato é que aquela proposição foi sabotada pela própria social democracia europeia e pelos socilistas portugueses que aceitaram a dicotomia Socialismo Real X Liberalismo ocidental como inevitável. Diante dessa visão dual, os socialistas obviamente aderiram ao capitalismo “democrático”.

Uma indagação que perpassava a esquerda é: por que uma economia socialista não podia erigir uma superestrutura política democrática? Naturalmente, a hegemonia exige coerção, portanto, a Direita teria que ser contida dentro do ordenamento jurídico socialista, garantindo seu consentimento mínimo. Em caso de ultrapassagem do quadro de forças estabelecido, deveria ser reprimida.

Nos países ocidentais a força é o último fundamento da democracia liberal. No caso português, a contradição entre a vanguarda (MFA) e o estabelecimento militar, só podia se resolver mediante duas formas: a restauração do Exército da burguesia ou a transformação completa das Forças Armadas numa organização popular a serviço do socialismo plural e democrático.

A crise de 1974 era de conjuntura e não de estrutura. Ao menos não de todas as estruturas. Uma solução capitalista continuava possível, mesmo abolindo o império colonial. Para as classes dominantes era viável manter o regime ditatorial e a dependência da Europa e dos Estados Unidos. Mas a burguesia portuguesa não podia deixar de ceder ao menos uma democracia liberal dependente.

A conjuntura envolvia uma crise geral das ditaduras do sul europeu. À exceção da Itália, onde o fascismo foi reintegrado no aparelho de Estado disfarçadamente e dentro da democracia liberal, amparando o terrorismo direitista, as conspirações golpistas e até um pequeno partido neofascista legalizado com outra nomenclatura. A Grécia vivenciava a Ditadura dos Coronéis, instalada em 1967 para evitar as eleições daquele ano. Em julho de 1974 um Golpe de Estado no Chipre e a invasão turca da ilha derrubaram o governo grego. A 8 de dezembro de 1974 a monarquia foi abolida e a 1º. de junho de 1975 adotou-se nova constituição.

Na Espanha o processo se iniciou com a morte de Franco em 20 de novembro de 1975. Foi uma iniciativa de cima para baixo através de uma Lei para a Reforma Política e convocação de eleições, realizadas a 15 de junho de 1977. A 6 de dezembro de 1978 foi aprovada em referendum a Constituição.

A Grécia, assim como Portugal, já pertencia à Otan (desde 1952) e tinha importância geopolítica para os Estados Unidos. A Espanha ingressou em 1982. Nos três casos, só Portugal seguiu uma via revolucionária que colocou em perigo a hegemonia dos Estados Unidos na Europa Ocidental, dado o seu papel singular de um império colonial em derrocada e as respostas que seu exército e suas forças políticas ofereceram à crise da conjuntura.

Curta duração

No dia 24 de abril o Movimento das Forças Armadas (MFA) iniciou suas operações para o fim do regime. No dia seguinte, a multidão que tomou conta de Lisboa, juntando-se aos militares, devolveu ao Exército o perdido prestígio, o que levou o mesmo a devolver aos populares o apoio militar de que necessitavam para avançar em suas conquistas sociais. Ambos se legitimavam reciprocamente.

Durante a Revolução dos Cravos, Portugal sofreu os abalos das lutas políticas pelo rendimento nacional e pelo controle das empresas. A autoatividade popular se revelou em todos os âmbitos: escolas, bairros, instituições públicas e empresas. Multiplicaram-se os organismos de poder popular. Em fevereiro de 1975 havia 2.500 apartamentos ocupados. De 25 de abril até 1 de junho de 1974 houve 160 conflitos entre trabalhadores e empresas. As experiências de autogestão eram credenciadas e acompanhadas pelo Estado, mas a maioria foi caracterizada como selvagem e não tinha essa tutela. A estimativa é de 937 empresas autogestionárias,[xxi] mas houve provavelmente mais de três mil ocupações em algum momento do processo revolucionário.

O produto diminuiu, a participação dos salários aumentou e o país viveu o impasse: superar a crise via desenvolvimento autônomo e socialista ou integrar-se à Europa e restaurar o despotismo de fábrica capitalista.

Entre as ações típicas que afirmaram a autonomia das bases da revolução podemos indicar três principais: o movimento popular que já no 25 de abril ocupou casas, creches e presídios políticos; o movimento organizado de trabalhadores rurais e urbanos que muitas vezes superou os limites impostos por suas representações sindicais e associativas; o próprio Movimento das Forças Armadas (MFA), cujos soldados e oficiais de baixa patente colocaram em risco a unidade do Exército como garantidor da ordem burguesa em Portugal.

As greves superaram as expectativas do Partido Comunista Português, totalizando 734 entre o 25 de abril e a tentativa de golpe de 28 de setembro. As lutas nas empresas e os conselhos de fábrica levaram socialistas e comunistas e o próprio Movimento das Forças Armadas (MFA) a tentar controlar o movimento sindical.

O Primeiro Governo Provisório do jurista conservador Palma Carlos e a presidência de Spínola tornaram-se rapidamente anacrônicos diante da velocidade das mudanças revolucionárias. Na crise política de julho de 1974, quando caiu o Primeiro Governo, o Movimento das Forças Armadas (MFA) transformou o comando operacional do 25 de abril no Comando Operacional do Continente, ao qual submeteu grande parte das forças militares do país.

O Major Otelo Saraiva de Carvalho, chefe das operações do 25 de abril, tornou-se Brigadeiro e assumiu o comando. O Copcon foi criado em 8 de julho de 1974. Na posse do II Governo, chefiado por Vasco Gonçalves, foi criada a V Divisão do Estado Maior com funções de serviço de informação, publicidade e elaboração de doutrina. Dessa maneira, o Movimento das Forças Armadas (MFA) criava um dispositivo militar próprio. Por outro lado, no mesmo mês, o General Spínola, a quem o Movimento das Forças Armadas (MFA) entregara o poder no 25 de abril, mas que era um notório fascista (ainda que em desacordo com o regime de Marcelo Caetano) criou o Batalhão de Comandos, unidade de tropas especiais de combate ligeiras não blindadas.

Essas organizações foram decisivas. As duas primeiras durante a radicalização da Revolução, após o 28 de setembro quando um auto golpe de Spínola foi derrotado e ele abandonou a presidência em favor do discreto e insípido General Costa Gomes. A terceira pelo papel que desempenhou no fim da Revolução a 25 de novembro.

A Revolução ocorreu em meio a uma crise mundial. Em 1973 o crescimento do PIB foi de 11,3% e em 1974 de 2,2% (preços constantes de 1963). Orlando Neves e sua equipe publicaram em 1978 um levantamento ainda bastante impreciso (como eles próprios reconheciam) de conflitos trabalhistas recolhidos na imprensa. O mês de maio assistiu a um surto grevista, mas em julho cresceu a contestação ao I Governo provisório. O MFA apossa-se do governo na semana 12 da contagem.[xxii]

Há uma queda na semana 12 em diante, porém sobem os casos de reivindicação de expurgos (saneamentos) nas hierarquias empresariais e do Estado, bem como outros tipos de conflito urbanos e rurais. O III governo provisório, iniciado em outubro, foi marcado por nova ascensão das lutas populares. As comissões de trabalhadores iniciaram experiências autogestionárias em algumas empresas e várias greves foram convocadas, novas ocupações de casas em Lisboa, a exigência da reforma agrária… No fim de 1975 25% da superfície arável de Portugal eram geridos por unidades cooperativas de produção. Aprovou-se ainda a lei da unicidade sindical a 13 de janeiro de 1975, propugnada pelo PCP, e que reconhecia na Intersindical, dominada pelos comunistas, a única central de trabalhadores legítima – o MFA buscava no PCP (que entre junho e setembro havia dobrado de tamanho e agora contava cem mil filiados) o instrumento de manutenção da ordem no efervescente “mundo do trabalho”, tão propício a reivindicações salariais reprimidas.

A Revolução partiu de uma moeda apreciada (cerca de 25 escudos para um dólar), com reservas de ouro e expansão do PIB, embora a crise do Petróleo já mostrasse uma tendência à desaceleração.

A Revolução sofreu diversos abalos econômicos e financeiros. A taxa de inflação subiu de 9,5% em 1973 a 18,9% no ano seguinte. A taxa de crescimento do PIB per capita caiu de 11,2% em 1973 para -0,3 em 1974 e a –7,9% no ano seguinte[xxiii]. A produtividade cresceu a mais de 10% em 1973, mas no ano seguinte teve uma queda abrupta (medida pela relação do PIB por pessoa ocupada).

A participação dos ganhos dos trabalhadores no rendimento nacional varia e muda, bem como o nível de desigualdade (a depender do autor e da periodização). Entre 1973 e 1976 a participação das remunerações do trabalho passou de 49,2% a 64,7% para Varela e Barbosa[xxiv]; de 34,2 a 68,7%[xxv]; de 47% a 63,5% entre 1973 e 1975 para Pereirinha[xxvi], mas este autor também aponta expressivos 49,7% em 1971; ou de 48% (1974) a 57% (1975) para Carrion[xxvii]. É verdade que a despesa com segurança social foi de 4,5% do PIB em 1973 para 6,7% em 1975,[xxviii] mas num quadro de retração do produto.

É difícil também medir o impacto da Revolução na desigualdade porque as mensurações muitas vezes prendem-se à curta duração e o índice normalmente usado é insuficiente. Há uma pequena queda do índice da desigualdade de renda desde 1968 e uma caída maior após a introdução do salário mínimo para trabalhadores não agrícolas em 1974 e agrícolas em 1977.[xxix]

Após o 25 de abril os salários reais subiram 10% em cada um dos anos de 1974 e 1975 e o salário mínimo urbano foi fixado em 3.300 escudos pelo decreto Lei 217/74 (27 de Maio). A liberdade sindical e a inversão de correlação de forças militar a favor das classes trabalhadoras resultaram no aumento do número de greves e ocupações de empresas e terras e conquistas salariais, portanto é de se esperar que houve aumento da participação dos trabalhadores no rendimento nacional expressivo; e que a produtividade caiu se for medida pelo custo do trabalho em relação ao produto por ele gerado.

Mas isso não é suficiente. Até 1973 havia emigração constante e no ano seguinte o fluxo se inverteu com os retornados. Assim aumentou o número de trabalhadores. A emigração caiu de 120 mil em 1973 a 70 mil em 1974. Também se deve levar em conta que a Revolução eclodiu no meio de uma crise internacional que elevou o preço do barril de petróleo. Em outubro de 1973, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo restringiu o fornecimento de petróleo a Portugal, por ter deixado a base de Lajes disponível aos Estados Unidos durante a guerra do Yom Kippur. Isso mudou em março de 1974. Embora o império colonial já fosse defasado e anacrônico, 11% da produção nacional se dirigiam às colônias. Seguiu-se uma crise na balança de pagamentos em 1976-1977.

Houve problemas de liquidez no setor bancário e a massa monetária aumentou 37% durante o ano de 1974. O redesconto atingiu 42,284 milhões de contos, apesar da taxa ter subido de 5% a 7,5% em dezembro.[xxx] Os grandes grupos financeiros, através de sua máxima expressão política, o General Spínola, sabotaram o poder revolucionário e financiaram todos os principais partidos (incluindo o PS) à exceção do PCP. Essa situação explica a nacionalização do setor financeiro promovida em 1975.

O IV Governo Provisório, surgido depois da tentativa de golpe de oficiais spinolistas a 11 de março de 1975, radicalizou as medidas econômicas. Por outro lado, a instalação de uma Assembleia Constituinte de maioria de socialistas moderados e direitistas serviu de contraponto à Revolução.

No final do verão daquele ano vários sindicatos de serviços, incluídos os bancários, foram conquistados por membros do PPD, PS e MRPP[xxxi] e isso já indicava também a inversão de forças político-militar no governo provisório, assinalada pela queda de Vasco Gonçalves (cujo V Governo foi isolado e efêmero), pelo VI Governo de Pinheiro de Azevedo, pela intervenção militar de Direita a 25 de novembro, exclusão da esquerda militar, fechamento da V Divisão e posteriormente do Copcon.

Aquela crise demonstrou a falta de unidade militar. Inicialmente houve a tentativa de uma Troika unindo Otelo, Vasco Gonçalves e Costa Gomes. Mas Otelo inclinou-se para um anticomunismo de esquerda, gerando uma alternativa à esquerda dos gonçalvistas e não entre estes e o Grupo dos Nove, como foi interpretado por Castaño e Rezola.[xxxii]

Embora sua força militar não fosse desprezível, ele não dispunha de apoio social além de uma vanguarda radicalizada em Lisboa. De outro lado, Vasco Gonçalves tinha um grande peso no MFA, mas não havia um real controle sobre quem de fato integrava o movimento e muitos adesistas de última hora, defensores da normalização e da volta aos quartéis, deram a aparência de que o Grupo dos Nove tinha mais força do que de fato possuía. O que os Nove obtiveram foi o apoio tático da Direita militar, emudecida após o 25 de abril.

Os Comandos liderados por Jaime das Neves, criados por Spínola em 1974, serviram de sustentáculo para o ataque rápido a uma extrema esquerda militar desorganizada e sem comando unificado no dia 25 de novembro. O Agrupamento Militar de Intervenção criado pelo VI Governo Provisório também foi a constituição de um braço de força para garantir as operações necessárias à manutenção do novo curso da Revolução. Por fim, o desmantelamento da V Divisão retirou a capacidade de informação e organização dos gonçalvistas.

Nesse quadro militar de forças, Otelo Saraiva de Carvalho serviu para enfraquecer a esquerda ao atacar Gonçalves e os Nove reforçaram o mesmo campo direitista ao se livrarem em seguida de Otelo. Ao fim e ao cabo também os Nove foram marginalizados do processo, mantendo-se formalmente à frente de um Conselho da Revolução esvaziado apenas para garantir que a democracia liberal não aparecesse como uma ruptura com a Revolução. Na prática, eles não contavam mais, ainda que sua presença tenha sido suficiente para ao menos impedir um retrocesso ainda maior.

Conclusão

Podia uma vanguarda militar, mesmo unida e apoiada num núcleo político revolucionário (condições ausentes em Portugal) levar a revolução ao socialismo? É difícil responder. O Presidente em exercício, General Francisco Costa Gomes definiu o problema em 1975: “Temos em Lisboa um microcosmos político, mais apto a absorver os avanços revolucionários, mas que projeta um círculo de agitação na cintura industrializada, cujo raio é da ordem dos 30 Km. O resto do país corre o risco de perder a ligação com a frente da coluna, com zonas onde cresce um descontentamento já sensível e outras batidas na passada e atraídas pelo reacionarismo. Avançar um processo revolucionário tem um ritmo máximo muito concreto, muito pragmático, sob pena de rotura com forças internas e externas que se tornariam oponentes. (…) A marcha da Revolução tomou um uma aceleração que o povo não tem capacidade para absorver. Coloco uma pergunta: devemos fazer um compasso de espera estendendo a mão aos que ficaram para trás ou devemos acelerar uma vanguarda que descolará mais da coluna de marcha?”[xxxiii].

O quadro internacional geopolítico não favorecia aos revolucionários. Diferentemente das revoluções clássicas, a russa e a chinesa, não havia uma guerra inter-imperialista a desestabilizar as potências dominantes. E diferentemente de Cuba, Portugal era membro da Otan. Além disso, os soviéticos não pareciam dispostos a apoiar militarmente a revolução portuguesa. Portugal dependia econômica e militarmente dos Estados Unidos e das potências europeias.

A União Soviética estava mais interessada em garantir apoio aos movimentos mais à esquerda em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Por outro lado, havia uma crise na economia e nos governos (Alemanha, Japão, EUA vivenciaram escândalos que derrubaram seus principais dirigentes) e a União Soviética estava no auge de sua influência militar na Guerra Fria. Em seguida, é verdade, seria derrotada por suas debilidades econômicas e renúncia de suas elites dirigentes, mas ninguém previa isso naquela altura.

Lembremos que o autor da citação acima, Costa Gomes, jamais foi um revolucionário e sim um adesista de última hora cooptado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Seu diagnóstico era correto no essencial. Embora a Revolução não fosse só Lisboa, como ele argumenta, havia uma resistência conservadora no país. Mas quanto desse conservadorismo passaria da resignação à ação? Entre as vanguardas revolucionárias e as elites do campo reacionário, quem tinha mais número, mais organização e mais força? Era seguramente a Esquerda. O que lhe faltava era apoio internacional, pois a Revolução triunfa num só país, mas o socialismo não. Especialmente num pequeno retângulo do extremo ocidente europeu.

No curto prazo a vanguarda militar teria que desencadear uma guerra civil para a qual seus membros, presos a lealdades construídas nas Forças Armadas e aos valores de um meio social interno não se aventuraram a realizar. No limite, o Movimento das Forças Armadas (MFA) teria que ser o núcleo de um novo Exército.

A longa duração, se permitiu o fim de um colonialismo (até porque não era mais uma alternativa viável para o governo português), condicionou a vitória da ideologia europeia, democrática e liberal, embora isso não fosse inevitável. Mario Soares, o líder socialista, venceu Alvaro Cunhal do PCP. Como Soares declarou, em Portugal os mencheviques venceram. Parece que nem isso aconteceu.

O 25 de abril assemelha-se mais à Comuna de Paris. Foram bem mais do que os três meses parisienses, mas pouco para consolidar uma nova sociedade. Conta-se que Lenin dançou na neve quando o poder soviético ultrapassou aquela marca de três meses. Como a Comuna de Paris, o ensaio revolucionário de abril espera o seu Outubro.

LINCOLN SECCO ” BLOG A TERRA É REDONDA” ( BRASIL)

*Lincoln Secco é professor do Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de A Revolução dos Cravos: Economias, Espaços e Tomadas de Consciência (1761-1974) (Ateliê Editorial). [https://amzn.to/3S476E6]

Notas


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