O CONCLAVE E A INFLUÊNCIA POLÍTICA DE UM PAPA

A decisão do conclave revela os caminhos que a Igreja pretende seguir diante dos desafios políticos, sociais e ambientais do mundo atual

O conclave é um dos eventos mais emblemáticos e solenes da Igreja Católica. Ele representa não apenas a escolha espiritual do novo líder da fé católica, mas também carrega um peso político considerável, que influencia milhões de fiéis ao redor do mundo e impacta relações diplomáticas entre as nações.

Por isso, entender a religião, o significado do conclave e suas consequências é essencial para compreender o papel da Igreja Católica no mundo de hoje.

O que é um Conclave?

Em poucas palavras, o conclave é o processo de escolha do novo Papa da Igreja Católica Apostólica Romana.

O termo “conclave” vem do latim cum clave, que significa “com chave” — uma referência à prática de trancar os cardeais eleitores até que cheguem a uma decisão. O conclave, portanto, está intrinsecamente ligado ao sigilo, à tradição e à oração.

O conclave foi criado oficialmente pelo Papa Gregório X no ano de 1274, durante o Segundo Concílio de Lyon. Isso aconteceu porque, antes disso, a escolha de um novo Papa havia demorado quase três anos e causado diversos problemas burocráticos para a Igreja.

Desde então, esse processo passou a seguir regras bem definidas e, mesmo com algumas mudanças ao longo do tempo para se adaptar à realidade moderna, ele continua sendo realizado de forma muito parecida até hoje.

Cardeais da Igreja Católica não só elegem como podem ser eleitos como o próximo Papa. Imagem: Mondadori

Cardeais da Igreja Católica não só elegem como podem ser eleitos como o próximo Papa. Imagem: Mondadori

Como o Conclave acontece?

Para quem não está familiarizado com os ritos e processos burocráticos da Igreja Católica, o conclave pode parecer um evento misterioso, quase secreto. Na prática, ele é um processo altamente ritualizado e acontece dentro da Capela Sistina, no Vaticano, composto exclusivamente por cardeais com menos de 80 anos de idade.

Eles são isolados do mundo externo, sem acesso a celulares, internet ou qualquer tipo de comunicação com o exterior. Isso tem como objetivo garantir que a escolha do novo Papa seja feita sem influências políticas externas ou pressões públicas.

A votação é secreta e ocorre até que um cardeal receba pelo menos dois terços dos votos. Um fato curioso sobre esse processo é que, após a decisão, existe a tradicional fumaça branca que sai da chaminé da Capela Sistina e indica ao povo que um novo Papa foi escolhido.

A fumaça branca começou a ser utilizada oficialmente a partir do conclave de 1878, durante a eleição do Papa Leão XIII. Imagem: Reuters

A fumaça branca começou a ser utilizada oficialmente a partir do conclave de 1878, durante a eleição do Papa Leão XIII. Imagem: Reuters

O que é avaliado no processo de votação?

Apesar de ser um processo espiritual, o conclave é também, inevitavelmente, um processo político.

Os cardeais levam em consideração fatores importantes como a posição teológica dos candidatos, sua experiência diplomática, capacidade de liderança e sua visão sobre os rumos da Igreja em um mundo em constante mudança.

Além disso, questões regionais e interesses geopolíticos também influenciam essa decisão. Por exemplo, há discussões sobre a necessidade de um Papa mais alinhado com os desafios do hemisfério sul, ou com uma postura mais progressista em temas como desigualdade social, meio ambiente e direitos da comunidade LGBTQIAP+.

Pensando nisso, é correto dizer que a escolha de um Papa deve refletir não só as preocupações internas da Igreja, mas também os grandes dilemas da humanidade.

Papa Francisco, que faleceu em 2025, foi o primeiro Papa a aceitar publicamente pessoas LGBTQIAPN+ e ainda afirmou que os gays devem ser acolhidos com respeito e dignidade. Imagem: reprodução 

Papa Francisco, que faleceu em 2025, foi o primeiro Papa a aceitar publicamente pessoas LGBTQIAPN+ e ainda afirmou que os gays devem ser acolhidos com respeito e dignidade. Imagem: reprodução

Os últimos Papas

Ao longo das últimas décadas, a Igreja Católica foi conduzida por líderes com perfis e visões bastante diferentes, refletindo as transformações sociais, políticas e espirituais do mundo.

Cada Papa deixou sua marca pessoal no pontificado, influenciando não só a doutrina da Igreja, mas também o cenário geopolítico global. Abaixo, entenda um pouco mais em um breve perfil dos três últimos Papas que marcaram a história da Igreja.

Papa João Paulo II

Karol Wojtyła, o primeiro Papa não italiano em mais de quatro séculos, teve um dos papados mais longos da história, de 1978 a 2005. Papa João Paulo II era conservador em temas como sexualidade e ordenação de mulheres, também foi um grande comunicador e teve um papel importante no fim da Guerra Fria, especialmente na sua Polônia natal.

Conhecido pelos movimentos de sinergia entre os países, o Papa João Paulo II promoveu uma aproximação com outras religiões, especialmente com judeus e muçulmanos, mas manteve uma doutrina rígida nos costumes.

Papa Bento XVI

Joseph Ratzinger, mais conhecido como Papa Bento XVI, assumiu o papado em 2005. Teólogo alemão, tinha como missão preservar a doutrina tradicional da Igreja. Seu pontificado foi marcado por uma postura conservadora e pela pressão de escândalos de abuso sexual no clero.

Em 2013, tornou-se o primeiro Papa em quase 600 anos a renunciar. A decisão foi atribuída à idade avançada e à dificuldade de exercer o cargo com a saúde debilitada, principalmente por problemas de sono. Segundo ele, já não tinha forças suficientes para cumprir adequadamente o ministério petrino, tornando a renúncia um evento histórico.

Papa Francisco

Jorge Mario Bergoglio, o primeiro Papa latino-americano, argentino e jesuíta, trouxe um estilo mais simples e próximo dos pobres.

Assumiu o papado em 2013 com discursos e ações que priorizam a justiça social, o combate às desigualdades e a defesa do meio ambiente. Francisco se tornou uma figura de inspiração para progressistas dentro e fora da Igreja Católica.

A importância política do Papa

Talvez você não saiba, mas o Papa é o patriarca da Igreja Católica e também um chefe de Estado, uma vez que o Vaticano, localizado dentro de Roma, é uma monarquia absolutista teocrática.

Portanto, é essencial destacar a importância política do Papa, que influencia não apenas as práticas da Igreja Católica, mas também o comportamento dos fiéis. Um Papa atuante exerce papel relevante na diplomacia, ao estabelecer pontes entre nações e posicionar-se publicamente diante de ações de violência, desrespeito, misoginia e outras condutas condenáveis.

Um exemplo marcante de atuação diplomática é o Papa Francisco, que logo no início de seu papado contribuiu para a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos. Ao longo dos anos, usou sua fé como ponte entre nações, defendeu minorias, criticou abertamente o modelo capitalista e protagonizou diversos posicionamentos que repercutiram globalmente ao longo dos seus 12 anos de atuação.

Papa Francisco segura camiseta de futebol presenteada por Dilma Rousseff durante sua viagem ao Vaticano em 2014. Imagem: arquivo 

Papa Francisco segura camiseta de futebol presenteada por Dilma Rousseff durante sua viagem ao Vaticano em 2014. Imagem: arquivo

Influências do Papa Francisco na política

É importante destacar que o Papa Francisco assumiu o papado após a renúncia do cargo do Papa Bento XVI — que o fez após diversas polêmicas sobre o Vaticano — herdando uma igreja abalada por denúncias de corrupção, abuso sexual e uma intensa crise de credibilidade.

Francisco, então, assumiu a difícil missão de reconstruir pontes e restaurar a imagem da Igreja Católica no mundo. Desde o início, mostrou-se disposto a romper com protocolos e trazer uma abordagem mais próxima do povo e menos pragmática com as tradições.

Um exemplo marcante da atuação política do Papa foi em 2014, quando Francisco teve um papel fundamental na reaproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos.

Ele atuou como mediador silencioso, trocando cartas com os presidentes Barack Obama e Raúl Castro, e oferecendo o Vaticano como espaço neutro para as negociações. O gesto resultou no restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países após mais de 50 anos de rompimento.

Em outro momento, um dia antes de seu falecimento, o Papa Francisco deixou uma carta onde pede o fim da violência em Gaza. Ao usar suas últimas palavras públicas para clamar por um cessar-fogo, demonstrou que sua preocupação com os mais vulneráveis não era apenas retórica, mas parte central de sua missão como líder religioso e figura política global.

Além disso, ao criticar abertamente a ganância das grandes corporações, as injustiças enfrentadas pelos trabalhadores e a destruição do meio ambiente, Francisco ampliou a atuação da Igreja, colocando em pauta os grandes problemas do mundo contemporâneo.

Sua carta, Laudato Si’, virou um símbolo dessa mudança, defendendo o cuidado com o planeta, com as pessoas mais pobres, e mostrando que fé e justiça social podem caminhar juntas. Imagem: Reuters

Sua carta, Laudato Si’, virou um símbolo dessa mudança, defendendo o cuidado com o planeta, com as pessoas mais pobres, e mostrando que fé e justiça social podem caminhar juntas. Imagem: Reuters

A escolha de um Papa ultrapassa os muros do Vaticano e alcança todas as regiões do planeta onde a Igreja Católica exerce influência.

O conclave, apesar de envolto em tradição e espiritualidade, é também um ato profundamente político, que pode moldar o rumo de nações inteiras e impactar questões globais como direitos humanos, justiça social, diplomacia e até o meio ambiente.

O Papa Francisco foi um exemplo claro disso.

Ao assumir após uma crise interna, ele resgatou a credibilidade da Igreja por meio de uma atuação ousada, empática e conectada com os problemas reais do mundo.

Suas falas, gestos e posicionamentos mostraram que o papado pode ser instrumento de transformação – não apenas espiritual, mas também social e política.

O que esperar de um novo conclave?

A escolha de um novo Papa nunca é apenas uma questão interna da Igreja. Cada conclave reúne cardeais do mundo todo em torno de uma decisão que ultrapassa os muros do Vaticano e impacta as esferas política, social e ambiental.

Mais do que um líder espiritual, o Papa exerce influência sobre temas globais urgentes: mudanças climáticas, conflitos armados, migração forçada, desigualdade, direitos civis. E é nesse cenário que os cardeais se reúnem, em sigilo, para decidir os rumos de uma das instituições mais antigas e influentes do planeta.

A fumaça branca, quando surge, anuncia não só um nome. Ela revela também uma direção. Um posicionamento diante de um mundo em crise, onde espiritualidade e ação política caminham lado a lado. O conclave, nesse sentido, é um espelho das tensões e esperanças do nosso tempo. E o novo Papa, inevitavelmente, é chamado a responder a elas.

REPORTAGEM DO “BLOG ICL NOTÍCIAS” ( BRASIL)

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