
Wilson Figueiredo, poeta de quem a história se confunde com a do JORNAL DO BRASIL, partiu sereno, aos 100 anos
O panteão dos gigantes da Redação do JORNAL DO BRASIL está completo com a partida de Wilson Figueiredo (o Figueiró), neste domingo (20), aos 100 anos. Ele completou o centenário em 29 de junho de 2024. O mais mineiro dos capixabas (nascido em Castelo – ES) foi adquirindo a alma de Minas Gerais pelas várias cidades em que viveu com a família (Raul Soares, Divinópolis, Montes Claros e Uberaba), até chegar a Belo Horizonte, aos 19 anos, em 1943. Foi a BH para estudar Medicina, mas a boemia e os amigos das letras – uma turma que incluía Autran Dourado, Francisco Iglésias, Octávio Mello Alvarenga e Sábato Magaldi (e aos quais se juntaram os escritores Fernando Sabino, Otto Lara Rezende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino) o desviaram para o jornalismo. Seu padrinho, nos 14 anos em que viveu na capital mineira, foi Carlos Castelo Branco, que o indicou como revisor na Agência Meridional, do grupo “O Estado de Minas Gerais”.
“Castelinho” o trouxe para a imprensa da capital da República em 1957, em pleno período modernizador da história do Brasil, no governo do mineiro Juscelino Kubitschek. Muitas das histórias que ouvi de Wilson Figueiredo nos 13 anos em que privei de sua sabedoria e orientação no Editorial do JB (1988 a 2001) vêm dos bastidores da política que ouviu, de viva voz, dos amigos conselheiros do governo (Autran Dourado era um dos principais redatores dos discursos de JK e transmitia a Figueiró causos da cozinha do Palácio do Catete e do mundo político). Admirava a memória prodigiosa de Wilson Figueiredo e me martirizo por não tê-lo visitado ano passado, quando a filha Vanessa me ligou para tirar uma dúvida sobre situações passadas no Editorial, e confessou que ele estava com a memória bastante prejudicada. Um século de vida bem vivida é para poucos. Dos mais de 45 anos em que esteve no JB, pude participar de 25 anos.
Pois foi no Rio de Janeiro que o grande talento de Wilson Figueiredo deslanchou na grande imprensa. Passou pelas redações de “Ultima Hora”, “O Jornal” e o “Diário Carioca”, de onde agregou o espírito modernizador para a turma que produziu a reforma gráfica e editorial do JORNAL DO BRASIL, sob a regência do maranhense Odylo Costa Filho, editor, do mineiro Amílcar de Castro, que introduziu moderna diagramação pelo Caderno B, comandado pelo também poeta Reynaldo Jardim, e do fluminense de Niterói Jânio de Freitas, o responsável, junto com Carlos Lemos (no Esporte), pela retirada dos fios que “sujavam as páginas da imprensa no fim dos anos 50. Era o tempo da “Bossa Nova”, do país campeão de futebol, da nova arquitetura e de uma nova mentalidade na imprensa brasileira.
O grande conselheiro
Wilson Figueiredo desempenhou várias funções na modernização do velho JB. Atuou na cobertura política dos governos JK e Jânio Quadros (Castelinho era secretário de Imprensa de Jânio e José Aparecido de Oliveira, amigo desde os tempos de BH, era o secretário particular de JQ), quando a Câmara e o Senado Federal, assim como as sedes dos Poderes Executivo e Judiciário estavam no Rio de Janeiro, na capital federal, até a mudança para Brasília, em 21 de abril de 1960 (há exatos 65 anos).
Com a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1961 (Jango estava em visita à China e era o cenário perfeito para o golpe da renúncia de Jânio no Dia do Soldado, pois as forças armadas tinham horror a Jango – mas a carta de renúncia foi lida pelo presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade e o cargo ficou vago, sendo ocupado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli), a conspiração contra João Goulart ganhou corpo. Com a Campanha da Legalidade, comandada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Jango, houve a adoção do regime parlamentarista (Tancredo Neves foi o primeiro dos três primeiros-ministros). E o país foi varrido por um largo período de conspirações, que desaguaram no golpe militar de 31 de março/1º de abril de 1964.
Uma das trincheiras que acompanharam esse período turbulento no JB foi a coluna “Segunda Seção”, comandada por Figueiró e que foi publicada na Editoria de Política até 1965, quando foi substituída pelo Informe JB, já sob a responsabilidade do jornalista Pedro Gomes. O termo “Segunda Seção” remete às seções de informes decorrentes das infiltrações (escutas e espionagem) das Forças Armadas (precursoras do Serviço Nacional de Informações). Ou seja, assim como o Informe JB, quando o regime militar já estava instalado no país, tratava das conspirações na caserna e nos meios políticos e empresariais. Quando veio o Golpe de 1964, Wilson Figueiredo já integrava o seleto time dos editorialistas do JORNAL DO BRASIL, então comandado por Luiz Alberto Bahia, e do qual faziam parte Antônio Callado e Heráclito Salles.
No JB, Wilson Figueiredo acompanhou o escrete que levou o diário a ser considerado o “melhor jornal do país” nos anos 60 e 70: Alberto Dines, como editor, Carlos Lemos, como chefe de redação, José Silveira, como secretário de redação. Quando entrei no JB, na editoria de Economia, de Noenio Spínola, em agosto de 1972, ainda integravam o time, craques como Luiz Orlando Carneiro, Sérgio Noronha, Carlos Leonam, Zózimo Barroso do Amaral e Castelinho.
No comando do editorial, após a saída de Bahia, depois do AI-5, Wilson Figueiredo acompanhou o auge do JB quando era o grande jornal do Rio de Janeiro que saía aos domingos (e era o canal quase hegemônico para o anúncio de imóveis, automóveis e eletrodomésticos) no período do “milagre brasileiro” – 1968 a 1974; Dines, quando o JB mudou-se para a Avenida Brasil, 500, em fevereiro de 1973, quis que o JB circulasse às segundas, e Roberto Marinho lançou “O Globo” aos domingos, acabando com o virtual monopólio dos classificados aos sábados e domingos).
Assisti de longe e assustado (estava em lua de mel em Santa Catarina, em dezembro de 1973) à troca de Alberto Dines por Walter Fontoura, com a mudança no comando de várias editorias. Elio Gaspari veio comandar a Política (substituindo o antigo Pedame – Política e demais assuntos militares e eclesiásticos) na troca do período mais rígido da ditadura, no governo Médici, pela intenção de abertura lenta, segura e gradual do governo Geisel. O Informe JB operou muito bem as transformações do período.
O Editorial exprimia o pensamento da direção do JB sobre temas da política nacional e internacional, vida da cidade, economia, esporte, religião e costumes. E Wilson Figueiredo não só fazia o papel de coordenador dos editorialistas (grupo seleto de quatro a cinco jornalistas), mas agia como algodão para evitar atritos de posições entre o que o jornal da Condessa Pereira Carneiro e (principalmente seu genro M. F, do Nascimento Brito) pensava e a redação publicava. Havia grande liberdade e muito desse ambiente era garantido pela ação preventiva ou de bombeiro do Figueiró.
Lembro apenas de um episódio para mostrar como ele era sensível e conciliador. Voltei para o JB no Editorial em dezembro de 1988, depois que o Noenio Spinola, com quem convivia na Andima, ter me catequisado uns três meses para substituí-lo no Editorial para escrever sobre economia. Noenio mora até hoje em São Paulo (era assessor da antiga BM&F) e estava cansado da ponte aérea. Pois o primeiro editorial de o Dr Brito me encomendou foi escrever “contra o salário-mínimo”. Ao voltar do 9º andar para a sala do Editorial, no 6º andar (da Redação), ele me “descalçou a bota”, ao ver que estava contrariado. “Ele quer criticar a indexação automática que o aumento do salário-mínimo provoca na economia e nos programas sociais vinculados ao mínimo”. Aí foi mais fácil criar uma linha de raciocínio do tema que o ministro Fernando Haddad enfrentou este ano, reduzindo a transferência integral do aumento do PIB no reajuste para aposentadorias e BPC, por exemplo.
Wilson Figueiredo foi casado com Lurdes Figueiredo, com quem teve quatro filhos: Pedro Figueiredo, um dos sócios fundadores da farmácia homeopática Nova Era, o engenheiro Rodrigo e as irmãs Vanessa e Andrea.
O velório, informa a família, será amanhã, 22 de abril, das 11 às 15 horas na Capela 2 da Real Grandeza, do Cemitério de São João Batista, onde será feito o sepultamento.
__________
O jornalista Carlos Franco, que trabalhou no JORNAL DO BRASIL nas décadas de 80 e 90, também escreveu um belo texto sobre Wilson Figueiredo, o que reproduzimos a seguir.
Figueiró: um século de jornalismo
Wilson Figueiredo, o “Figueiró”, apelido que ganhou do escritor Mário de Andrade (1893-1945), fechou os olhos pela última vez longe das redações barulhentas que tanto amara. Capixaba nascido na pequena Castelo em 29 de julho de 1924, mineiro de coração e carioca por opção, Figueiró durante quase 50 anos foi a alma do Jornal do Brasil. Homem de letras afiadas e convicções inquebrantáveis viu a história passar diante dos olhos atentos, críticos e ternos e a registrou até que, enfim, como diria o mineiro João Guimarães Rosa, ficou encantado depois de muito encantar com seu talento, carinho, respeito e estímulo às diferentes gerações de jornalistas e escritores com os quais trabalhou e ajudou a moldar.
Figueiró, com quem convivemos na redação do Jornal do Brasil, na Avenida Brasil, 500, foi um dos últimos “mineiros” daquela geração formada por Fernando Sabino, Otto Lara Rezende, Paulo Mendes Campos, Sabato Magaldi e Hélio Pellegrino que acreditava nas palavras como armas, nas reportagens como crônicas de um país em eterna ebulição e na literatura como alimento para o espírito.
O homem que cobriu ditaduras, entrevistou presidentes, escreveu livros que atravessaram décadas sem perder o fôlego, deixa importante legado. O primeiro livro, A Mecânica do Azul” (1946), por exemplo, tem capa de Burle Marx e apresentação de Tristão de Athayde. Uma obra que marcou o seu círculo de amigos como Fernando Sabino que a cita na obra “Jogo de Damas”.
Sua pena era certeira, seu humor ácido, se faz presente também na trilogia que publicou pela Editora Gryphus: “1964: o último ato” (2015), “De Lula a Lula” (2016) e “Os mineiros: modernistas, sucessores & avulsos” (2018). Figueiró, em toda a sua trajetória nunca ficou temeroso diante do silêncio que às vezes cai sobre os homens que dizem verdades incômodas, sempre soube que a verdade como no texto bíblico atribuído a João nos liberta e liberta a todos.
Morreu como viveu: discreto, elegante e sem pompas, mas deixando atrás de si um rastro de tinta e papel que não se apagará. Seu nome amanhã não estampará manchetes — o mundo agora é outro, mais rápido, mais efêmero—mas ele e a sua obra ficarão na memória dos que ainda sabem que jornalismo já foi literatura, e que literatura, quando feita jornalismo, é também um ato de resistência. Talvez, o papa Francisco que nos deixa no mesmo dia necessitasse de levar consigo um brilhante e tolerante redator. E lá se foi o Figueiró.
Como outro grande nome da literatura e do jornalismo, o tricolor Nelson Rodrigues escreveu “Geralmente, nós jornalistas modernos, temos a mania da objetividade, por isso, não enxergamos nada, somos cegos para as evidências mais ululantes. O Wilson não. É poeta e, como tal, está sempre a um milímetro de delírio”.
Siga em paz, mestre Figueiró ao encontro de Loudes com quem teve os filhos Pedro, Rodrigo, Vanessa e Andrea.
__________
Fisgado pelo jornalismo
(Texto publicado no site da Associação Brasileira de Imprensa – ABI)
Morreu no Rio de Janeiro, aos 100 anos, na noite de domingo (20), o jornalista, escritor e poeta Wilson Figueiredo. Ele havia chegado ao centenário em 29 de julho do ano passado.
Nascido no município de Castelo, no Sul do Espírito Santo, Wilson Figueiredo veio ainda criança para Minas, onde morou em Raul Soares, Divinópolis, Montes Claros, Uberaba e Belo Horizonte. Nos quatorze anos em que residiu na capital, a partir de 1943, preparou-se para o vestibular de Medicina – que não chegou sequer a tentar – e começou o curso de Letras Neolatinas, sem concluí-lo.
Fisgado pelo jornalismo, por indicação de Carlos Castelo Branco, trabalhou como redator e tradutor na Agência Meridional, então do Estado de Minas. Também atuou como secretário na Folha de Minas, substituindo Jair Rebelo Horta, e foi um dos idealizadores da revista Edifício, que circulou em quatro números ao longo do primeiro semestre de 1946, dando nome à geração a que também pertenceram Autran Dourado, Francisco Iglésias, Octávio Mello Alvarenga e Sábato Magaldi.
Encorajadas pelo amigo Mário de Andrade, suas incursões pela poesia renderam dois livros: “Mecânica do azul”, de 1946 (com capa de Burle Marx e prefácio de Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde), e “Poemas narrativos”, de 1948, ambos depois renegados por Figueiredo, que tratou de recolher rapidamente os exemplares disponíveis
Sua opção pela carreira na imprensa consolidou-se em 1957, com a mudança para o Rio de Janeiro, onde viveu até sua morte. Com passagens pela Última Hora e por O Jornal, foi mesmo no JORNAL DO BRASIL que trilhou a maior parte de seu percurso, testemunhando momentos marcantes da história do JB, como a importante reforma gráfica e editorial de 1959, iniciada por Odylo Costa, filho, Jânio de Freitas e Amílcar de Castro. Foram 45 anos de casa. Repórter, editor, colunista, cronista, editorialista e diretor.
O velório será realizado na terça-feira (22), das 11h00 às 15h00, na Capela 2 do Cemitério São João Batista. O sepultamento será às 15h.
__________
‘Os Mineiros’
Uma seleção de textos publicados em jornais, revistas e livros entre 1952 e 2010 deu origem ao livro Os Mineiros: modernistas, sucessores & avulsos (Gryphus Editora), de Wilson Figueiredo, organizado pela historiadora Vanuza Moreira Braga, com prefácio do jornalista Humberto Werneck. A abertura dessa coletânea, feita através do ensaio “Mineiro do Litoral”, convida o leitor a mergulhar na “mineiridade” do autor e de outros mineiros de grande importância nessa história. Wilson oferece ao leitor as referências literárias e afetivas de seus companheiros e elucida, com a lente privilegiada de quem testemunhou todos os passos dessas trajetórias, como cada um se inseriu luminosamente e de forma definitiva na vida intelectual do país.
Dividido em quatro capítulos, o primeiro chama-se Belô, onde estão reunidos três textos que introduzem o leitor ao clima cultural, literário e boêmio da cidade de Belo Horizonte, onde o autor cresceu. O advogado Altivo Drummond de Andrade, irmão do poeta Carlos Drummond de Andrade, Afonso Arinos de Melo Franco e Pedro Nava foram importantes personagens que passaram pela vida de Wilson, que os entrevistou e reuniu as conversas para formar o segundo capítulo da obra, intitulada Modernistas.
Sucessores marca o terceiro capítulo, no qual o autor reúne artigos de alguns contemporâneos de geração do início dos anos de 1940, como Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. O piauiense Carlos Castello Branco foi incluído nesse grupo por uma memória afetiva e geracional, uma vez que viveu em Belo Horizonte dos 17 aos 24 anos e fez parte do grupo de amigos que compartilhava o gosto pelos livros, poesia, jornalismo e boemia da cidade.
Avulsos encerra o livro homenageando figuras como: Orlando de Carvalho, Marco Antônio Coelho, jovem dirigente do Partido Comunista, José Maria Alkmim, José Maria Rabêlo e José Aparecido de Oliveira, lembrado pela sua capacidade de articulação política.
“A literatura sempre me atraiu. Eu queria ser escritor. A primeira coisa que fiz foi poesia, e com certo sucesso, já que logo veio o reconhecimento de grandes nomes da literatura, como Tristão de Ataíde. Esse foi um forte indício de que tinha vocação para isso. Nesse meio tempo, entre poesias e a publicação de um livro, minha carreira de jornalista se firmou, o que me possibilitou o contato com muitos desses nomes que hoje constam em Os Mineiros”.
A coletânea reúne ensaios que contam parte da história de grandes mineiros. “Otto Lara Resende dizia que ‘Minas está onde sempre esteve’. Pode ser, mas nunca deve ter visto uma turma igual à que povoa este livro”, escreve Bernardo Mello Franco na quarta capa, dando o tom da história de Os Mineiros. (Texto publicado no site Sempre Um Papo)
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)