O CONGRESSO É UMA CASA DE BARGANHAS

CHARGE DE ZÉ DASSILVA

Gentil Cardoso, um folclórico treinador de futebol dos anos 50 e 60, criou uma máxima para intuir a colaboração entre os jogadores: “Quem se desloca, recebe; quem pede tem a preferência”. Na política, a colaboração visando o múnus público foi deixada de lado pelo interesse próprio. Para se eternizarem na vida pública e reforçarem seus cacifes eleitorais nos estados de origem ou onde fizeram carreira política, nossos políticos, graças ao empoderamento do “Orçamento Secreto”, adotaram – não no sentido largo, mas no sentido estrito (ou estreito) – a máxima do líder criador do “Centrão” na Assembleia Nacional Constituinte, deputado Roberto Cardoso Alves, o “Robertão”, que se elegeu em 1986 pelo MDB-SP. Dizia “Robertão”, que aglutinou os interesses retrógrados e conservadores contra as propostas modernizadoras para serem inscritas na Constituição de 1988: “É dando que se recebe”.

Nascido em Aparecida (SP), em 1927, Roberto Cardoso Alves representava os católicos e foi eleito, em 1962, deputado estadual pelo Partido Democrata Cristão. Em 1966, foi eleito deputado federal pela Arena (o partido do regime militar, quando a ditadura impôs o bipartidarismo e extinguiu as antigas siglas – PTB, PSD, UDN, PTN, PL, PCB, PSB, e PSP). Entretanto, quando o governo do marechal Costa e Silva quis cassar o deputado e jornalista Márcio Moreira Alves, por ter feito discurso na Câmara defendendo que as mulheres, repetindo o famoso episódio abordado por Chico Buarque de Holanda em “Mulheres de Atenas”, evitassem namorar militares – era véspera do 7 de Setembro -, a caserna pediu a cabeça do deputado “Marcito”, como era conhecido. Pois Roberto Cardoso Alves se manifestou contra a cassação e foi também cassado. Voltou à política em 1977, como vereador da capital paulista pelo MDB, partido pelo qual se elegeu em 1986 pelo MDB, que era o partido de Tancredo Neves e do vice-presidente, José Sarney, que assumiu o poder com a internação e morte de Tancredo, em 1985. Sarney presidiu a Arena quando “Robertão” foi cassado e depois se reencontraram no MDB, quando Sarney renunciou à presidência do PDS e fundou o PFL com Antônio Carlos Magalhães e outros políticos, viabilizando a vitória de Tancredo contra Maluf, do PDS. Ambos pertenciam, portanto, à ala conservadora do MDB na Constituinte.

O que chama a atenção nesses quase 40 anos de intervalo é que em 1986, um dos grandes poderes conservadores do Brasil, além dos latifundiários do agronegócio, defendidos pela União Democrática Ruralista (UDR), que temia as invasões de terra do MST, era a Igreja Católica. Mas a pregação de Jesus Cristo sempre foi dar sem exigir nada em troca. O troca-troca praticado por “Robertão” à frente do “Centrão” não rendeu apenas a Roberto Cardoso Alves o convite para ser ministro da Indústria e do Comércio, em 1988. Antes do fim do governo Sarney foi deslocado para a pasta do Desenvolvimento Industrial, Ciência e Tecnologia (lembra a contradição do Dr. Zaius, em “O Planeta dos Macacos”, que enfeixava numa mesma pasta a “Ciência e a Religião”).

O fato é que a ascensão das igrejas evangélicas, que viraram o maior curral eleitoral nas periferias e nos grandes centros, num país eminente urbano – em 1990 a taxa de urbanização saltou de 66%, em 1980, para 74% e agora estamos com mais de 85% -, mudou radicalmente o modo de fazer política no Brasil. O PT, que surgiu no fim dos anos 70, muito ligado às comunidades eclesiais de base – a ala progressista da igreja Católica -, perdeu espaço para os evangélicos. Os episódios mais recentes da atuação do Congresso – como a coleta de assinatura pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), porta-voz do pastor Silas Malafaia, para um Projeto de Lei de Anistia que mais beneficia o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (antes mesmo de ser julgado) do que os que já foram condenados, e a interrupção, por 60 dias, do processo de cassação do deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ), por acordo do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), mostram como a Câmara e o Congresso, como um todo, se transformaram solidamente em uma feira de barganha.

No interior, o matuto diz que a reunião de vendedores e compradores que querem fazer do escambo uma moeda de troca (com acerto de dinheiro das eventuais diferenças) é um “encontro de berganhistas”. Nosso Congresso foi além da máxima de “Robertão”. Com o poder do Orçamento Secreto que pôs na mão dos parlamentares (513 na Câmara e 81 no Senado) mais de R$ 50 bilhões em verbas para cevar seus currais eleitorais, o poder dos evangélicos se realimenta a cada eleição porque o político recebe antes de dar. Pobre Brasil.

Trump X Powell, o que diz a Faria Lima

Estranho a Faria Lima, meca do sistema financeiro brasileiro, que tanto reclamava das críticas do presidente Lula aos juros elevados no Brasil, que tolhem o crescimento da economia (Desde o primeiro mandato, em 2003, Lula criticava a austeridade do BC e ainda tinha o vice, José de Alencar, como o principal crítico dos juros bancários), e se armou de paus e pedras quando Lula, em seu terceiro mandato, criticou o presidente Roberto Campos Neto, por manter os juros altos, se calar quando Donald Trump ameaça destituir Jerome Powell da presidência do Federal Reserve Bank, o BC dos Estados Unidos.

O principal argumento contra o Lula III era de que o Banco Central do Brasil se tornara uma instituição independente do Executivo com a aprovação da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021. Mas o mandato de Campos Neto foi cumprido até o último dia – 31 de dezembro de 2024, bem como os quatro anos para os demais diretores. No momento, restam dois diretores indicados no governo Bolsonaro, cujos mandatos expiram em 31 de dezembro de 2025. A independência não é sinônimo de infalibilidade. E assim como criticava a demora de RCN em baixar os juros, Lula pode criticar Gabriel Galípolo, que indicou para a diretoria de Política Monetária, em 2023, e que assumiu a presidência em 1º de janeiro de 2025, por escalar a taxa Selic – o piso do sistema financeiro do Brasil, atualmente em 14,25% ao ano.

Dois casos distintos

Donald Trump enfiou os pés pelas mãos ao adotar duas medidas polêmicas e altamente inflacionárias na largada do seu governo, em 20 de janeiro de 2025: a deportação de imigrantes (com largo conceito de ilegalidade) e o tarifaço às importações, com sucessivos recuos quando os tiros saíram pela culatra, como advertiam economistas mais atilados. Com a interrupção das cadeias produtivas, a inflação tende a subir e a economia e o emprego desacelerarem.

Para evitar o naufrágio, Trump quer que o Fed baixe os juros da faixa atual de 4,25% a 4,50% ao ano para impedir uma temida recessão. Mas o mandato do Fed recomenda cautela para que a inflação (causada por Trump) não exploda (está em 2,4%). Diante do dilema que criou, o presidente americano quer atropelar as leis de seu país e ameaça destituir Jerome Powell da presidência do Fed, cujo mandato fixo expira em maio de 2026.

O problema é duplo, segundo o ”Wall Street Journal”, pois não está claro se o presidente tem autoridade legal para demitir Powell antes do fim de seu mandato no ano que vem. E a guerra comercial de Trump tornou os cortes de juros mais difíceis por enquanto, porque o Fed teme que medidas para sustentar a economia possam agravar a inflação, um de seus compromissos.

Segundo o “WSJ”, o presidente Trump vem discutindo em particular há meses a demissão do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto, mas ele ainda não tomou uma decisão final sobre se tentará destituí-lo antes do fim de seu mandato no ano que vem. Em reuniões no clube privado do presidente na Flórida, Mar-a-Lago, Trump conversou com Kevin Warsh, ex-governador do Fed (de 2006 a 2011) sobre a possibilidade de demitir Powell antes do fim de seu mandato e possivelmente escolher Warsh como seu substituto, disseram fontes próximas a Trump.

O que diz a lei nos EUA

O Federal Reserve (Fed) é o banco central dos EUA, criado pela Lei do Federal Reserve, de 1913, para estabelecer um sistema monetário que pudesse responder eficazmente às tensões no sistema bancário. O Sistema do Federal Reserve inclui o Conselho de Governadores, uma agência federal localizada em Washington, DC, e 12 Bancos da Reserva Federal em todo o país. É antes de tudo, uma agência do governo federal, que se reporta e é diretamente responsável perante o Congresso.

O Conselho de Governadores é administrado por sete membros, ou “governadores” que cumprem mandatos escalonados de 14 anos, que são nomeados pelo presidente dos Estados Unidos e confirmados em seus cargos pelo Senado dos EUA. Do colegiado de sete são escolhidos um presidente e um vice-presidente, que podem ser nomeados para um ou mais mandatos adicionais de quatro anos;

Orienta a operação do Sistema da Reserva Federal para promover os objetivos e cumprir as responsabilidades atribuídas ao Sistema da Reserva Federal pela Lei da Reserva Federal; supervisiona as operações dos 12 Bancos de Reserva e compartilha com eles a responsabilidade de supervisionar e regular certas instituições e atividades financeiras; e

O Sistema da Reserva Federal desempenha cinco funções essenciais que atendem a todos os americanos e promovem a saúde e a estabilidade da economia e do sistema financeiro dos EUA. Ele conduz a política monetária do país, promove a estabilidade do sistema financeiro, supervisiona e regula as instituições financeiras, promove a segurança e a eficiência dos sistemas de pagamento e liquidação e promove a proteção ao consumidor e o desenvolvimento comunitário.

Os 12 Bancos da Reserva Federal, que operam em todo o país para ajudar a garantir que todas as condições e perspectivas econômicas das famílias, comunidades e empresas informem as políticas, ações e tomadas de decisão da Reserva Federal. Em sistema de rodízio, os 12 membros votantes de todo o Sistema atuam no Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC em inglês), e ajudam a definir, a cada 45 dias, a política monetária crucial dos EUA.

O FOMC serviu de inspiração ao Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que é composto por nove membros (um presidente e oito diretores do BC) e se reúne também a cada 45 dias (geralmente na mesma data do FOMC) para definir a política monetária e o piso dos juros no Brasil. Como as reuniões do Fed terminam às 15 horas, o Copom tem mais três horas para decidir.

O Banco Central do Brasil foi criado em 31 de dezembro de 1964, pela Lei 4.595. da Reforma Bancária, enfeixando atividades da antiga Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), do Banco do Brasil (até então caixa do Tesouro e depositário das reservas bancárias) e do Tesouro Nacional. Decorridos 90 dias, o BCB começa a operar em abril de 1965, tendo Dênio Nogueira como primeiro presidente (com mandato fixo) no governo do marechal Castelo Branco, o primeiro do regime militar.

Com a posse do marechal Costa e Silva, em março de 1967, com Antônio Delfim Neto no Ministério da Fazenda, assume o Banco Central o economista Ruy Leme em 31 de março de 1967. Mas o país tinha passado por uma “quebradeira”. Com muitas reformas e o controle rígido do crédito do Banco do Brasil (de 1965 e 1966) houve uma onda de falências e concordatas, no período de saneamento financeiro e fiscal empreendido pela dupla Octávio Gouveia de Bulhões (Fazenda) e Roberto Campos (Planejamento). O ministro da Indústria e do Comércio, Paulo Egydio Martins, batizou a fase de “falências purificadoras”.

O marechal Costa e Silva queria que seu governo – com a economia saneada – marcasse uma fase de “pisar no acelerador”. Mas Ruy Leme, no Banco Central, mantinha a ortodoxia monetária e relutava em reduzir os encaixes compulsórios para facilitar os empréstimos bancários. E alegava que tinha um mandato fixo. Costa e Silva, que no fim de 1968 baixou o AI-5, o mais draconiano dos atos institucionais autoritários, não fez por menos: em 12 de fevereiro de 1968, demitiu Ruy Leme e acabou com a independência do Banco Central. A diferença é que a Lei de um período antidemocrático é feita por quem comanda o Poder.

Trump quer ser ditador dos EUA e do mundo?

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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