
Considerações sobre o filme dirigido por Davide Ferrario.
1.
1.
Umberto Eco: a biblioteca do mundo, um fascinante filme dirigido por Davide Ferrario, repleto de reflexões sobre a complexidade do nosso tempo, abre com uma imagem poderosa: Umberto Eco caminhando entre estantes abarrotadas de livros, cercado por um universo construído por ele ao longo da vida. Essa cena inicial já sintetiza o cerne da obra e da própria existência de Eco: um intelectual cuja casa era, antes de tudo, uma biblioteca.
O espaço físico, pelo qual circula Umberto Eco, reflete sua persona: livros por todos os lados, títulos e temas variados se entrelaçando como uma vasta rede de conhecimento. Sua biblioteca pessoal não era apenas um repositório de textos, mas um organismo vivo, um espaço de pesquisa, invenção e diálogo permanente. O escritor e semiólogo italiano sustentava que uma biblioteca deveria ser composta, em grande parte, por livros ainda não lidos – não como um simples acervo de obras concluídas, mas como um instrumento de estímulo à curiosidade e ao aprendizado contínuo.
Essa concepção se manifesta de forma alegórica em seu romance O Nome da Rosa, seu primeiro romance, publicado em 1980, onde a biblioteca do mosteiro beneditino assume um papel central na narrativa. Mais do que um repositório de livros, ela se configura como um labirinto que restringe e regula o acesso ao conhecimento.
Os monges bibliotecários impõem regras rígidas para a consulta das obras, e grande parte do acervo permanece inacessível à maioria dos religiosos. Assim, a biblioteca do romance se torna uma metáfora da chamada “antibiblioteca”: um espaço onde o saber oculto, proibido ou inalcançável adquire um significado tão ou mais poderoso do que aquele que está ao alcance das mãos.
Essa noção inspirou o pensador Nassim Nicholas Taleb, que, em A Lógica do Cisne Negro, cunhou o termo “antibiblioteca” para descrever justamente o valor do desconhecido – uma reserva de saberes ainda inexplorados, que nos lembra, com humildade, a vastidão do que ignoramos. Nesse sentido, a biblioteca de Eco, com seus mais de 30 mil volumes, antecipou e materializou, décadas antes, a ideia que Nassim Taleb viria a teorizar. Mais do que um acervo, era um laboratório de possibilidades, onde os livros ainda não lidos eram tão essenciais quanto aqueles já desvendados. Ouçamos Nassim Taleb, que intitula a Parte I de seu livro como: “A antibiblioteca de Umberto Eco, ou como buscamos validação”:
“O escritor Umberto Eco pertence àquela reduzida classe de doutos acadêmicos que são enciclopédicos, perspicazes e nada enfadonhos. É dono de uma vasta biblioteca pessoal (contendo 30 mil livros) e separa os visitantes em duas categorias: aqueles que reagem com “Uau! Signore professore dottore Eco, que magnífica biblioteca o senhor tem! Quantos desses livros o senhor já leu?” e os outros – uma minoria muito pequena –, que entendem que uma biblioteca particular não é um apêndice que estimula o ego, mas uma ferramenta de pesquisa. Livros lidos são muito menos valiosos do que os não lidos. A biblioteca deve conter a maior quantidade possível do que você não sabe, tanto quanto seus recursos financeiros, taxas hipotecárias e o atualmente restritíssimo mercado imobiliário permitirem que você coloque lá dentro. Você acumulará mais conhecimento e mais livros à medida que for envelhecendo, e as fileiras cada vez maiores de livros não lidos nas estantes vão encarar você com uma expressão ameaçadora. Na verdade, quanto mais você sabe, mais abarrotadas as prateleiras de livros não lidos. Vamos chamar essa coleção de livros não lidos de antibiblioteca”. (Nassim Nicholas Taleb. A Lógica do Cisne Negro).
2.
A cena inicial do filme funciona, ainda, como metáfora para a obsessão de Umberto Eco com a memória e a intertextualidade, refletindo seu pensamento enraizado em uma vastidão de referências, que vão de manuscritos medievais a quadrinhos e romances populares. Nela, sintetiza-se a essência de Umberto Eco como pensador e bibliófilo, enquanto o documentário, como um todo, se revela uma celebração não apenas do autor, mas da própria ideia da biblioteca como espaço de conhecimento, mistério e criação.
Algo que chama a atenção é a forma como Umberto Eco tratava seus livros não como meros objetos, mas como interlocutores, ativando-os em seu pensamento e conectando ideias de diferentes épocas e campos do saber. Sua biblioteca era um verdadeiro labirinto da memória, onde cada livro se encaixava como peça de um grande quebra-cabeça intelectual montado ao longo da vida. A expressão “memória vegetal”, título de uma de suas obras, ilustra bem essa relação, evocando tanto a materialidade dos livros – o papel vindo das árvores – quanto a ideia de um conhecimento que cresce, se ramifica e se entrelaça, como uma vasta floresta de ideias.
No filme, a caminhada realizada por Umberto Eco pelos corredores apinhados de livros, de sua biblioteca, não é apenas um ato físico, mas também simbólico. Cada estante, cada prateleira, cada volume é um ponto de ancoragem para reflexões sobre o tempo, a cultura e a intertextualidade. Eco entendia a biblioteca como um organismo vivo, onde o passado dialoga com o presente e o futuro.
Sua biblioteca não era só uma guarida de conhecimento, mas um campo de batalha intelectual. À medida que ele caminha pelos corredores apertados de sua biblioteca, a sensação que se tem é a de um percurso autobiográfico, onde os livros não são apenas referências externas, mas capítulos de sua própria história.
Umberto Eco era um leitor voraz e um pensador enciclopédico, transitando entre filosofia medieval, semiótica, literatura, cultura popular e história. Sua biblioteca refletia esse espírito renascentista: era um palimpsesto de influências, um verdadeiro arquivo do pensamento humano. Ao percorrê-la, Eco não está apenas atravessando um espaço físico, como dissemos, mas revisitando as camadas do seu próprio conhecimento, as ideias que o formaram e os debates que moldaram sua visão de mundo.
Essa caminhada também evoca a ideia borgiana da biblioteca infinita, onde cada livro é um espelho de outro, onde a busca pelo saber nunca se encerra. Como em O Nome da Rosa, a biblioteca se torna um microcosmo do mundo, um lugar de descobertas, mas também de mistérios, de verdades ocultas e de interpretações sempre renovadas.
3.
Além disso, a biblioteca de Umberto Eco é um testemunho da materialidade do livro em um tempo de digitalização do conhecimento. Ele defendia que o livro físico tem uma presença insubstituível, que sua organização em estantes permite associações fortuitas e inesperadas – um livro esquecido em uma prateleira pode, ao ser reencontrado, gerar novas ideias, novas conexões.
Por isso, a caminhada de Umberto Eco pela sua biblioteca é também uma metáfora de sua própria vida intelectual: um percurso errante, labiríntico, feito de descobertas constantes. A biblioteca não apenas guarda sua memória, mas é, de certo modo, sua memória.
A biblioteca de Umberto Eco funciona como um duplo dele mesmo, um espelho de sua mente inquieta e multidisciplinar. Cada livro ali presente é um vestígio de suas leituras, pesquisas e obsessões intelectuais. No documentário, essa relação quase orgânica entre ele e os livros se manifesta fisicamente: o modo como percorre as prateleiras, como toca os volumes, como parece saber exatamente onde está cada título. É como se ele estivesse caminhando dentro de sua própria mente.
Além disso, essa biblioteca não é apenas um arquivo do que Umberto Eco leu, mas do que poderia ter lido. Ele defendia a ideia de que uma biblioteca pessoal não deveria ser apenas um depósito de leituras já feitas, mas uma antibiblioteca, como aludimos acima. O valor dos livros não está apenas no que já assimilamos deles, mas também no que ainda temos a descobrir. Nesse sentido, a biblioteca de Eco é uma espécie de obra em progresso, sempre inacabada, sempre aberta a novas possibilidades de leitura e interpretação. Isso ressoa com sua visão da cultura como algo vivo e dinâmico, nunca fixo ou definitivo.
Ele diz, textualmente, no filme, que “a biblioteca, na verdade, simboliza a realidade de uma memória coletiva. Dante Alighieri, quando chega no seu último canto, Paraíso, e tem a visão beatifica de Deus, como ele resolveu a difícil tarefa de o descrever? O que não é uma coisa fácil, ele diz que viu reunido, em um volume, o que no universo se esfarela. Então ele vê Deus como a biblioteca das bibliotecas, com alguns séculos de existência”.
Umberto Eco leva a biblioteca para um nível ainda mais profundo de significado: ela não é apenas um reflexo da memória individual, mas uma metáfora da memória coletiva da humanidade. Ao citar Dante e a visão beatífica do Paraíso, ele sugere que Deus seria, por assim dizer, a biblioteca definitiva, o grande volume onde tudo está registrado e organizado.
A referência ao último canto da Divina Comédia é particularmente significativa. No Canto XXXIII do Paraíso, Dante descreve sua visão de Deus como um livro onde está contido tudo o que existe, um volume que reúne a totalidade da criação de forma ordenada. Esse conceito ecoa diretamente a ideia renascentista do universo como um liber mundi, um “livro do mundo” que pode ser lido e interpretado pelo intelecto humano.
Umberto Eco, com sua formação em filosofia medieval e semiótica, capta esse simbolismo e o traduz para o contexto contemporâneo: as bibliotecas humanas são tentativas parciais de imitar esse volume divino, de reunir e organizar o saber do mundo. Mas, ao contrário do livro absoluto de Deus, as bibliotecas humanas são sempre fragmentárias, incompletas, sujeitas ao esquecimento e à destruição.
Essa visão também se conecta com Borges e sua Biblioteca de Babel, onde todos os livros possíveis existem, mas estão dispersos de maneira caótica. Diferente da ordem divina de Dante, Borges apresenta um cosmos de saber infinito, mas inatingível. Eco, como um mediador entre essas visões, vê na biblioteca uma síntese: um esforço humano de dar ordem ao caos, mas sempre ciente de sua insuficiência.
4.
Em outra cena adiante, o filme retrata a repercussão da morte de Umberto Eco, ocorrida em 19 de fevereiro de 2016, aos 84 anos. Jornais televisivos ao redor do mundo noticiam o falecimento do renomado pensador, trazendo análises e homenagens. A multiplicidade de idiomas e veículos de comunicação destacados no filme evidencia a amplitude do impacto de sua partida.
Esse momento do filme reforça a dimensão global da figura de Umberto Eco. Sua morte não foi apenas uma perda para a Itália, mas para o pensamento ocidental como um todo. O fato de jornais do mundo inteiro noticiarem seu falecimento em várias línguas evidencia seu impacto universal. Ele não era apenas um acadêmico ou um romancista de sucesso; era um verdadeiro intelectual público, alguém cuja voz ressoava para além dos muros da universidade e do circuito literário.
Umberto Eco construiu uma obra que dialogava com diversas tradições culturais e intelectuais. Sua pesquisa em semiótica, sua paixão pela filosofia medieval, sua análise crítica da cultura de massa e seus romances carregados de erudição criaram uma ponte entre o saber acadêmico e o grande público. Poucos pensadores do século XX conseguiram alcançar essa amplitude.
Essa cena também sugere uma reflexão sobre a perenidade da memória. Se, em vida, Eco dedicou-se a preservar e interpretar o conhecimento acumulado nos livros, na sua morte ele próprio se torna parte dessa memória coletiva que tanto valorizava. A notícia de sua morte circula em jornais, televisão, internet – novos suportes que fazem eco à sua existência, garantindo que seu pensamento continue vivo.
No momento seguinte do filme, aparece em cena a mulher de Umberto Eco, agora viúva, diante de sua filha, e ambas passam a recordar momentos da vida dele. A viúva lê uma notícia, da época da morte do romancista, segundo a qual a cidade de Milão estava em luto pela morte do pensador.
Esse momento revela uma interseção poderosa entre o pessoal e o coletivo. Ao apresentar a viúva e a filha de Umberto Eco, Renate Ramge e Charlotte Eco, o documentário nos convida a refletir sobre o vazio deixado por sua ausência na esfera íntima da família. Tendo se passado alguns anos, desde sua morte, elas não se mostram presas à melancolia; ao contrário, recordam-no com leveza e até certa ironia. Paralelamente, o filme evidencia o luto que se estende por Milão e pelo mundo intelectual, ressaltando o impacto duradouro de sua perda e a permanência de seu legado.
A leitura da notícia de luto por Milão simboliza como a figura de Umberto Eco transcendeu o âmbito pessoal para se tornar um ícone público, cuja influência atingia todos os cantos. Ao mesmo tempo, a cena intimista de mãe e filha relembrando momentos da vida do pensador revela a dimensão humana e afetiva por trás do intelecto grandioso. Essa dualidade – o luto coletivo e a memória familiar – revela a complexidade do legado de Umberto Eco: um homem cuja obra e vida eram, em si, um contínuo diálogo entre o privado e o universal.
Esse episódio nos faz pensar em como a perda de um grande pensador é sentida de maneiras diversas, conectando a esfera íntima dos afetos à dimensão histórica e cultural de uma cidade em luto. Ela sublinha a ideia de que, embora os livros e as ideias sejam atemporais, a existência humana é marcada por relações, memórias e despedidas que se entrelaçam em cada trajetória individual.
Essa cena traz um toque de humor e humanidade que contrasta com a imagem habitual do intelectual distante. A revista Linus, ao dedicar uma edição especial a Umberto Eco, com desenhos que o retratam como Charlie Brown, Superman, Smurf e outras figuras populares, ressalta como o pensador se tornou parte da cultura popular. Os desenhos enfatizam sua característica física – a famosa “pança” – de forma quase carinhosa, transformando um traço pessoal em um símbolo reconhecível e até mesmo afável.
Essa abordagem visual subverte a ideia de que intelectuais devem ser sempre sérios ou inatingíveis. Ao mostrar Umberto Eco sob essas óticas caricaturais, a revista sugere que a genialidade pode coexistir com a simplicidade e que o pensamento profundo também pode ser acessível e divertido. Para sua filha e sua mulher, essas imagens não apenas registram a memória de um homem brilhante, mas também trazem à tona a figura humana por trás das ideias, a mesma que, com seu jeito descontraído e irreverente, cativou gerações.
Esse equilíbrio entre a seriedade do pensamento e o humor leve é uma das marcas de Umberto Eco. Sua capacidade de dialogar com diversos públicos – desde o meio acadêmico até a cultura popular – mostra como ele compreendia que o conhecimento pode ser transmitido de formas surpreendentes e acessíveis. Essa abordagem humaniza o intelectual, aproximando-o das pessoas, tornando suas ideias mais bem recebidas e impactantes.
A viúva de Umberto Eco recorda a impressionante multidão que se aglomerava ao redor do Castelo Sforzesco, onde o corpo do escritor era velado. Em certo momento, a quantidade de pessoas era tão grande que ela própria teve dificuldade para entrar. Diante da barreira humana, tentou avançar, pedindo licença:
“ – Por favor, me deixem passar.
Mas da multidão vieram respostas indignadas:
– Quer passar? Estamos aqui desde a manhã. Entre na fila como todo mundo.
Ela então explicou:
– Mas eu sou a viúva.
Mais tarde, sua filha perguntou:
– Eles deixaram você passar?
E a viúva de Eco respondeu, lacônica:
– Não, eles não me deixaram”.
A cena ilustra de forma pungente a dimensão pública da morte de Umberto Eco, um intelectual cuja influência ultrapassava os círculos acadêmicos e literários. O episódio da viúva barrada pela multidão sugere um paradoxo: o luto íntimo colidindo com a reverência popular. O tom da resposta da multidão – “Entre na fila como todo mundo” – revela não apenas a devoção ao escritor, mas também um certo distanciamento da realidade pessoal de sua família. O carisma de Eco era tamanho que, naquele momento, a figura pública parecia sobrepor-se ao homem, tornando sua própria esposa apenas mais uma entre os admiradores.
A conclusão é quase tragicômica. Quando a filha pergunta se a deixaram passar, a resposta lacônica da viúva – “Não, eles não me deixaram” – exprime tanto resignação quanto ironia. É um retrato simbólico da cultura italiana, onde o culto à grandeza pode, em certas circunstâncias, obscurecer até mesmo o luto de quem esteve mais próximo do homenageado.
Essa experiência pode ter sido extremamente desafiadora: enquanto a multidão representa a celebração e o reconhecimento de sua obra, ela, como viúva, precisa reafirmar sua identidade e o seu papel singular nessa perda. O gesto de se identificar como viúva torna-se, assim, um ato de afirmação pessoal em meio à desordem e à massa que, de certa forma, dilui a intimidade do momento. Essa dualidade reflete como a vida e a obra de Eco transcendiam o pessoal, alcançando proporções que, em sua morte, se manifestaram na forma de uma manifestação pública intensa e avassaladora.
5.
A cena seguinte do filme nos transporta para Milão, à casa onde Umberto Eco viveu. Estamos em 2022, seis anos após sua morte. A viúva abre a janela do apartamento, permitindo que a luz preencha os cômodos, em um gesto simples, mas carregado de significado. Nesse instante, a câmera percorre uma estante rústica de madeira, onde repousam alguns objetos e poucos livros. Em seguida, a atenção se volta para uma mesa, sobre a qual estão dispostos porta-retratos, um velho relógio e uma caricatura de Eco, compondo um cenário íntimo e evocativo de sua presença.
A cena subsequente desperta um misto de deslumbramento e melancolia. Diante de nós, surge a imponente biblioteca que Umberto Eco construiu ao longo de décadas, com zelo, dedicação e uma paixão incansável pelo saber. No entanto, a grandiosidade desse acervo agora carrega uma ausência palpável. Sem seu dono, os livros parecem aguardar em silêncio, como se ressentissem da falta daquele que os reuniu, consultou e amou.
Logo depois, surge o filho de Umberto Eco, Stefano Eco, no escritório do pai, dentro da casa onde ele morava. Ele explica que a biblioteca do escritor era composta por 30.000 livros modernos e 1.200 volumes antigos. Segundo ele, a “sala de livros antigos” servia como um refúgio pessoal, onde Umberto Eco se trancava para tocar sua flauta.
Em seguida, a viúva aparece delicadamente posicionando a flauta ao lado de uma partitura sobre um pedestal, em um gesto silencioso, mas carregado de memória e afeto. A câmera, então, se aproxima dos livros, permitindo-nos contemplar exemplares antigos, com lombadas encurvadas pelo tempo, belíssimos e instigantes ao olhar—um verdadeiro deleite para aqueles que amam os livros.
Na cena seguinte, vemos Umberto Eco conversando com um interlocutor na chamada “sala de livros antigos”. Com seu habitual bom humor e espírito lúdico, ele afirma que sua “coleção básica” é composta por uma biblioteca semiológica, curiosa, lunática, mágica e pneumática. “Para um bibliotecário, eu diria que se trata de ciências ocultas, mas, na realidade, não é bem assim. Tenho livros sobre todas as línguas já inventadas”, acrescenta, reforçando o tom enigmático e fascinante de sua coleção.
O trecho destaca a personalidade espirituosa de Umberto Eco, que brinca com a ideia de sua biblioteca como um espaço de mistério e saberes inusitados. A expressão “ciências ocultas” sugere um tom esotérico, mas é logo relativizada por ele, indicando que sua coleção abarca conhecimentos exóticos, mas não necessariamente místicos. A menção às “línguas já inventadas” remete à curiosidade intelectual de Eco por signos, linguagens e sistemas simbólicos, temas centrais em sua obra.
Em uma cena posterior, a filha e um amigo de Umberto Eco, Riccardo Fedriga, percorrem a biblioteca, revelando a vastidão de áreas do conhecimento que ela abriga. À medida que avançam, destacam as seções dedicadas à fisionomia, magia, alquimia, química e ciências, teatros químicos, ocultismo, hermetismo e semiologia. Entre as prateleiras, surgem volumes sobre emblemas, hieróglifos, ciências astronômicas, demonologia, teologia, esoterismo e Kircher. Há ainda espaços dedicados aos Rosa-Cruz, às línguas universais, linguística e a alma dos animais. Cada categoria reflete o espírito enciclopédico de Eco, sua incansável curiosidade e sua busca por compreender as múltiplas camadas do saber humano.
Essa cena é um verdadeiro mosaico da erudição multifacetada de Umberto Eco, onde cada área do conhecimento exibida – desde a alquimia e o ocultismo até a linguística e as ciências astronômicas – evidencia a amplitude e a profundidade de sua curiosidade intelectual. Ao percorrerem juntos esses domínios, a filha e o amigo de Umberto Eco parecem mapear o universo simbólico e real que ele construiu ao longo da vida.
A exibição das diferentes áreas reflete não só a paixão de Umberto Eco pelos saberes diversos, mas também a maneira como ele entendia o conhecimento como algo interligado: a magia e o hermetismo se misturam à semiologia e à linguística, o esoterismo dialoga com as ciências exatas, e assim por diante. Essa pluralidade mostra que, para Eco, os limites entre as disciplinas eram permeáveis, permitindo uma leitura do mundo que abrange tanto o racional quanto o místico, o científico e o poético.
A cena também traz uma dimensão quase ritualística: é como se cada área fosse uma etapa de uma grande jornada de descobertas, em que a biblioteca se torna o espaço sagrado onde se reúnem todas as manifestações do conhecimento humano. Ao revisitar esses setores, os filhos de Eco não apenas prestam homenagem à memória do pai, mas também reafirmam o legado de um pensador que via o saber como uma rede complexa e interconectada.
Essa abordagem interdisciplinar e simbólica torna a biblioteca de Umberto Eco uma espécie de microcosmo, um lugar onde cada objeto e cada livro carrega em si a essência de tradições milenares e, ao mesmo tempo, a pulsante vitalidade do conhecimento contemporâneo.
6.
Para Umberto Eco, a memória é o alicerce da cultura e da civilização. Sem memória, não se projeta o futuro, pois é a lembrança das experiências passadas que permite à humanidade construir novos caminhos. O livro, nesse sentido, ocupa um papel central: é um seguro de vida, uma pequena antecipação da imortalidade. Não uma imortalidade para o futuro – infelizmente –, mas voltada para o passado, garantindo que as experiências de uma época não se dissipem no esquecimento. E, para ele, “as bibliotecas são a memória da humanidade”. Essa afirmação de Umberto Eco sintetiza, de maneira magistral, o papel fundamental das bibliotecas na preservação do conhecimento e da cultura.
Umberto Eco compreendia que não sabemos se, após a morte, nossas lembranças individuais persistirão. Contudo, temos a certeza de que a memória coletiva se mantém, registrando as experiências daqueles que nos antecederam e preservando as nossas para os que virão. O livro é um dos principais instrumentos dessa continuidade, um suporte físico da “memória vegetal” que atravessa séculos e garante que o conhecimento sobreviva.
Umberto Eco, em seu livro A memória vegetal e outros escritos sobre bibliofilia, explora a evolução da memória humana desde suas formas primitivas até a era digital. Inicialmente, os mais velhos, diz ele, transmitiam oralmente o conhecimento, funcionando como uma memória orgânica. Com a escrita, surgiu a memória mineral, gravada em pedra, argila e na arquitetura, que além de registrar informações, transmitia ensinamentos por meio de imagens e símbolos.
Mais tarde, desenvolveu-se a memória vegetal, associada ao papel e aos livros, permitindo um armazenamento mais acessível e personalizado do conhecimento. Diferente das inscrições em pedra, os livros possibilitam um diálogo com um autor, mesmo que este tenha vivido séculos antes, tornando-se objetos de interpretação e questionamento.
A leitura amplia a experiência humana, permitindo que uma pessoa viva não apenas sua própria vida, mas inúmeras outras através dos relatos registrados. Enquanto um analfabeto conhece apenas o que experimenta diretamente, quem lê se apropria das vivências de muitos, tornando-se mais rico em memória e saber. A memória vegetal, ao contrário da frágil lembrança individual, pode ser consultada e verificada, servindo como testemunho confiável da história e da cultura humana.
Em outra cena do filme, encontramos Umberto Eco em um momento de intimidade familiar. Ele está com o neto no colo, enquanto a televisão permanece ligada à sua frente. Com a mão esquerda, segura um copo, ao mesmo tempo em que dedica atenção ao neto. Este o questiona de 10 segundos passam rápido ou devagar. E Umberto Eco lhe reponde: “Veja, 10 segundos tendem a passar sempre no mesmo período de tempo. Bem, e mais: 10 segundos sempre passam em 10 segundos”.
O trecho do filme descreve um momento íntimo e cotidiano de Umberto Eco, destacando sua faceta familiar. Diferente da imagem do intelectual imerso em livros e debates acadêmicos, aqui ele aparece como avô, compartilhando um instante simples com o neto. A presença da televisão sugere um ambiente doméstico comum, contrastando com a grandiosidade de sua obra e seu papel na cultura.
O detalhe do copo na mão pode simbolizar descontração, enquanto a atenção ao neto demonstra carinho e proximidade. O filme, ao capturar essa cena, parece querer humanizar Umberto Eco, mostrando que, além de um pensador brilhante, ele era também alguém envolvido na vida familiar, equilibrando sua intelectualidade com afetos cotidianos.
É interesse vermos, na cena seguinte, aquela criança, outrora acolhida no colo de Eco, agora é um jovem a tecer considerações sobre sua infância compartilhada com o avô: “tive uma infância muito agradável, em grande parte graças a ele”. O jovem lembra o senso de ironia do avô. Recorda livros que leram juntos, inclusive uma tarefa escolar realizada com a ajuda do avô.
O trecho reforça a dimensão afetiva de Umberto Eco, destacando sua influência não apenas no campo intelectual, mas também na vida familiar. A transição da cena inicial – Umberto Eco com o neto no colo – para o depoimento do jovem já adolescente cria um efeito de continuidade, mostrando o impacto duradouro dessa relação.
O fato de o neto lembrar a ironia do avô sugere que Umberto Eco não apenas transmitia conhecimento, mas também cultivava um espírito crítico e um olhar aguçado sobre o mundo. A menção aos livros que leram juntos indica que esse vínculo foi construído, em parte, pela literatura, o que não surpreende em se tratando de um escritor e semiólogo que compreendia a leitura como um meio essencial de transmissão de memória e cultura.
O depoimento do jovem carrega uma nota de gratidão e afeto, revelando que Umberto Eco, além de intelectual e escritor consagrado, foi um avô presente, que marcou sua infância de forma significativa. Isso humaniza ainda mais sua figura e sugere que, para além dos ensaios e romances, seu legado também sobrevive na memória afetiva de sua família.
7.
O filme apresenta trechos de diversas conferências e entrevistas concedidas por Umberto Eco ao longo dos anos, nas quais ele discorre sobre uma ampla gama de temas culturais. No entanto, é perceptível que a questão do livro e da memória ocupa um lugar central em suas reflexões, sendo abordada sob diferentes ângulos e perspectivas.
Essa recorrência não é acidental. Para Umberto Eco, o livro representa não apenas um instrumento de registro do conhecimento, mas um verdadeiro alicerce da civilização. Ele o via como um “seguro de vida”, um meio de preservar o pensamento humano para além da efemeridade da existência individual. A memória, por sua vez, era um tema que ele explorava tanto em seu aspecto biológico quanto em suas manifestações culturais e tecnológicas. Da tradição oral à escrita, da impressão ao digital, Umberto Eco refletia sobre os impactos dessas transformações no modo como as sociedades armazenam e transmitem o saber.
O filme, ao destacar esse eixo temático, ressalta a coerência do pensamento de Umberto Eco ao longo das décadas. Mesmo ao tratar de questões variadas – como a história, a literatura, a semiótica ou a cultura de massas –, ele retornava à importância do livro e da memória como fundamentos do conhecimento humano. Isso demonstra não apenas a profundidade de sua reflexão, mas também a preocupação com o futuro da cultura escrita em um mundo cada vez mais dominado pelo excesso de informação e pela volatilidade dos registros digitais.
Umberto Eco tinha uma grande fascinação por Athanasius Kircher (1602–1680), um dos mais prolíficos e excêntricos eruditos do século XVII. O nome de Athanasius Kircher aparece mais de uma vez no documentário sobre Umberto Eco, evidenciando a admiração do escritor italiano por esse polímata jesuíta.
Athanasius Kircher era uma figura singular da era barroca, um verdadeiro “homem universal” que se dedicou a um vasto espectro de áreas do conhecimento, incluindo linguística, egiptologia, óptica, geologia, magnetismo, medicina, matemática e até mesmo a busca por uma língua universal. Sua abordagem enciclopédica e sua tendência a combinar ciência com especulação filosófica e misticismo o tornaram uma personalidade que ecoa (sem trocadilho) muitos dos interesses de Umberto Eco.
Umberto Eco menciona Athanasius Kircher em diversos momentos de sua obra, como em O pêndulo de Foucault (1988), onde Athanasius Kircher surge como um dos expoentes das tradições esotéricas que alimentam a trama. Em sua biblioteca pessoal, Umberto Eco possuía várias obras de Athanasius Kircher, demonstrando o quanto esse autor era uma presença intelectual constante em seu universo.
A relação entre Athanasius Kircher e Umberto Eco se dá, sobretudo, pelo fascínio do escritor italiano pelas fronteiras entre conhecimento e mistificação, erudição e charlatanismo, um tema central não só em O pêndulo de Foucault, mas em outros romances e ensaios do autor. Athanasius Kircher, com seu amálgama de ciência, fé e esoterismo, representa um exemplo perfeito dessa zona de ambiguidade que Umberto Eco explorava com ironia e profundidade.
O filme, ao citar Athanasius Kircher, reafirma a curiosidade de Umberto Eco por esses intelectuais que tentavam abarcar o conhecimento total, mesmo que, em alguns casos, caíssem em exageros ou em erros históricos. Afinal, como o próprio Umberto Eco dizia, os livros e as bibliotecas não são apenas sobre a verdade, mas também sobre os erros e as ilusões que ajudam a moldar o pensamento humano.
Quando Umberto Eco afirma, no documentário, que o livro é insubstituível, ele reafirma uma convicção que permeia sua obra e seu pensamento. Eco via o livro não apenas como um suporte de informação, mas como uma tecnologia perfeita, que sobreviveu a séculos de transformações culturais e avanços tecnológicos.
Em Não contem com o fim do livro, ele argumenta que, diferentemente de outras mídias efêmeras, o livro tem uma durabilidade incomparável: não precisa de eletricidade, não se torna obsoleto com atualizações e pode atravessar séculos sem perder sua função essencial. Para Umberto Eco, mesmo na era digital, a experiência tátil e visual da leitura em papel é insubstituível, e a estrutura linear do livro impõe um tipo de disciplina intelectual que a navegação dispersa da internet não proporciona.
Seu ponto de vista não implicava uma rejeição ao digital, mas sim a defesa da complementaridade entre as mídias. Ele reconhecia que o mundo digital ampliava o acesso à informação, mas enfatizava que o livro continuaria sendo fundamental para a formação do pensamento crítico e a preservação do conhecimento humano. Como afirmou: “Papiros e manuscritos sobreviverão por milhares de anos. Temos livros de 500 anos que parecem recém-impressos, mas ainda não sabemos por quanto tempo os formatos eletrônicos irão durar. Os computadores atuais já não conseguem ler arquivos gravados há apenas duas décadas”.
Umberto Eco apresenta um argumento relevante sobre a complementaridade entre o digital e o impresso, ressaltando a perenidade dos livros físicos em contraste com a volatilidade dos formatos digitais. A citação final reforça essa preocupação ao destacar a obsolescência tecnológica, um problema real na preservação da informação digital.
Em certa ocasião, durante uma entrevista, seu interlocutor perguntou-lhe se era verdade que ele não possuía um celular. Com seu humor característico, Umberto Eco respondeu, para o deleite da plateia, cuja presença se fazia sentir pelo riso provocado: “Sim, mas sempre desligado. É ótimo, porque as pessoas acham que podem me ligar, mas não podem, já que está desligado”. O entrevistador prosseguiu: “Então é como se você não tivesse um celular, certo?”. Umberto Eco rebateu: “Não, porque ele serve como agenda. Você pode anotar coisas”. O interlocutor insistiu: “Mas ainda assim, deveria funcionar como telefone”. E Umberto Eco, irônico: “Sim, mas não quero receber nem enviar mensagens. Na minha idade, conquistei o direito de não receber mensagens”. Por fim, concluiu: “Este mundo está sobrecarregado de mensagens que não dizem nada”.
A plateia caiu na gargalhada, testemunhando mais uma vez o conhecido humor mordaz e irônico de Umberto Eco.
8.
Em determinado momento do filme, ao abordar mais uma vez a questão da memória, Umberto Eco faz referência ao conto “Funes, o memorioso”, de Jorge Luis Borges. Nesse conto, o protagonista, Ireneo Funes, possui uma capacidade de memória absolutamente perfeita: ele lembra de tudo, sem qualquer filtro ou seleção. Cada detalhe, por menor que seja, é registrado com precisão absoluta.
No entanto, essa abundância de informações, em vez de ser uma vantagem, torna-se um fardo insuportável. Funes é incapaz de pensar abstratamente, de generalizar ou de estabelecer conexões entre os dados armazenados em sua mente. Sua memória perfeita o impede de realizar qualquer tipo de análise ou síntese, aprisionando-o em um mundo onde cada instante é isolado e incompreensível em seu excesso de detalhes. Para Umberto Eco, Funes representa o que poderíamos chamar de “idiota da memória”: ele retém tudo, mas não consegue processar ou dar sentido ao que sabe.
Segundo Umberto Eco, a memória, seja individual ou coletiva, possui duas funções essenciais: preservar e selecionar. Se tudo fosse lembrado indiscriminadamente, sem um critério de relevância, o excesso de informação se tornaria um obstáculo para o pensamento e para a inteligência. A capacidade de esquecer, paradoxalmente, é tão importante quanto a capacidade de lembrar, pois permite que nossa mente organize e hierarquize o conhecimento, descartando o que é irrelevante para que possamos nos concentrar no essencial.
O uso da alegoria de Funes por Umberto Eco é uma reflexão instigante sobre os limites da memória e o papel fundamental do esquecimento na construção do conhecimento. Em tempos de excesso informacional, nos quais somos bombardeados por dados e fatos a cada instante, a lição de Eco e Borges permanece atual: a memória sem critério é uma forma de paralisia. A inteligência não está na mera acumulação de dados, mas na capacidade de filtrar, interpretar e atribuir sentido ao que retemos. O esquecimento não é uma falha, mas um mecanismo essencial para a compreensão e a criação de significado.
Algo verdadeiramente fascinante e instigante no filme é a sucessão de imagens de grandes e majestosas bibliotecas, que desfilam diante de nossos olhos como templos do conhecimento e da beleza. A grandiosidade de suas estantes repletas de livros, a harmonia arquitetônica e a aura de silêncio contemplativo nos envolvem em um êxtase quase místico. Essas cenas não apenas enchem nossos olhos com sua imponência, mas também nutrem nossa alma com a promessa infinita de sabedoria e descoberta. Como já metaforizou Borges, talvez seja essa a visão mais próxima do paraíso que podemos alcançar.
Umberto Eco faz uma associação instigante entre o aludido conto Funes, o Memorioso, de Jorge Luis Borges, e a internet contemporânea. Ele observa: “A internet é uma enciclopédia como a memória de Funes. Tudo é registrado, mas não há ferramentas para filtrar o conteúdo. É um novo desafio para a humanidade. Se o desafio anterior era conseguir todas as enciclopédias possíveis, agora o desafio é se livrar do maior número possível de enciclopédias. Até agora temos confiado em uma enciclopédia aceita por todos, embora alguns pontos que se acreditava serem errôneos pudessem ser refutados. Sem essa enciclopédia comum, não haveria relacionamento entre os humanos. Existe a possibilidade de 6 bilhões de habitantes do planeta, cada um navegando por si na rede virtual, se formarem 6 bilhões de enciclopédias diferentes, o que seria uma incomunicabilidade absoluta.”
A reflexão de Umberto Eco aponta para um dilema crucial da era digital: se antes o problema era a escassez de informação, hoje lidamos com seu excesso descontrolado, o que pode gerar fragmentação do conhecimento e dificultar a construção de um saber compartilhado. Sem uma base de referência comum, corre-se o risco de um colapso na comunicação, onde cada indivíduo habita um universo informacional próprio e intransferível. Dessa forma, a internet, que surgiu como um instrumento para conectar pessoas e democratizar o acesso ao conhecimento, pode, paradoxalmente, conduzir à atomização da experiência e ao isolamento intelectual.
O trecho do filme em que Umberto Eco afirma que “a informação prejudica o conhecimento, como acontece com a mídia e a internet, porque nos diz muitas coisas. Muitas coisas juntas produzem ruído, e ruído não é conhecimento” revela uma percepção crítica sobre os efeitos da superabundância informacional. Essa reflexão, instigante por si mesma, torna-se ainda mais atual no contexto contemporâneo, em que a proliferação de dados e conteúdos fragmentados nas redes sociais e nos meios digitais dificulta a construção de um saber estruturado.
Desde a morte de Eco, em 2016, o problema por ele apontado não apenas se manteve, mas se agravou exponencialmente. O fenômeno da infoxicação – o excesso de informação que compromete a capacidade de discernimento e análise crítica – se intensificou, alimentado pela ascensão de algoritmos que priorizam o engajamento em detrimento da profundidade e pela propagação de desinformação em escala massiva.
Umberto Eco já denunciava essa ameaça ao pensamento crítico quando alertava sobre a fragilidade da fronteira entre informação e conhecimento. Saber algo, no sentido mais profundo, exige não apenas acessar dados, mas organizá-los, interpretá-los e integrá-los a um corpo de conhecimento coeso. O excesso indiscriminado de informações, ao contrário, tende a gerar dispersão, dificultando a distinção entre o essencial e o supérfluo, entre o verdadeiro e o falso.
Em um mundo dominado pela lógica da hiperconectividade e da instantaneidade, a reflexão de Umberto Eco serve como um chamado à necessidade de filtrar, selecionar e, sobretudo, cultivar a capacidade de reflexão crítica diante do turbilhão informacional que nos cerca e nos inunda.
9.
Umberto Eco, ao ser questionado sobre a quantidade de leitores na sociedade, argumentava que não há necessariamente menos leitores agora do que antes. O que existe, na verdade, é uma constatação mais ampla: a maioria da população nunca leu e continua não lendo. Essa realidade, que Eco observava na Itália, é igualmente válida para o Brasil de hoje. Estudos recentes indicam uma queda significativa no número de leitores no país, evidenciando uma crise no hábito da leitura.
Para Umberto Eco, a raiz desse problema não está apenas na falta de acesso aos livros, mas, sobretudo, na ausência de curiosidade intelectual. Ler exige uma inquietação interior, um desejo genuíno de conhecer, de explorar novas ideias e perspectivas. A curiosidade é, para ele, um sinal de vitalidade intelectual e existencial. “Ser curioso significa estar vivo”, afirmava. No entanto, conclui Umberto Eco, há poucas pessoas verdadeiramente vivas no mundo.
Esse diagnóstico é de uma lucidez desconcertante. Em uma era saturada de estímulos imediatos e informações fragmentadas, a leitura – que exige tempo, atenção e reflexão – torna-se um desafio para muitos. As redes sociais e os meios digitais oferecem uma avalanche de conteúdos breves e efêmeros, dificultando o desenvolvimento da paciência necessária para a fruição de um livro. Ao mesmo tempo, a falta de políticas públicas consistentes de incentivo à leitura, a precariedade do ensino e a elitização da cultura agravam ainda mais esse cenário.
Entretanto, a leitura continua sendo uma ferramenta insubstituível para o desenvolvimento do pensamento crítico e da sensibilidade. Livros não apenas informam, mas formam. Eles ampliam horizontes, desafiam certezas e ensinam a lidar com a complexidade do mundo. Se, como dizia Eco, a curiosidade é um sinal de vida, então cultivar o hábito da leitura é um ato de resistência contra a mediocridade e a alienação. Afinal, um mundo com mais leitores é um mundo com mais indivíduos verdadeiramente vivos.
A todos nós que fomos contagiados pelo vírus do amor aos livros e às bibliotecas, a organização de uma grande coleção pessoal sempre desperta curiosidade. Esse fascínio se intensifica quando pensamos na biblioteca de Umberto Eco, um dos maiores intelectuais do século XX, cuja coleção ultrapassava 30 mil volumes. Como alguém com tamanho acervo dispunha seus livros? Sob quais critérios? Essa pergunta se impõe especialmente para aqueles que veem a biblioteca não como um mero depósito de conhecimento, mas como um organismo vivo, um espaço de pensamento em constante ebulição.
Em um dado momento do filme seu filho nos oferece pistas sobre essa questão. Ele revela que a vasta biblioteca de seu pai era organizada em seções, mas não obedecia a uma ordem alfabética rígida. Dentro dessas seções, havia ainda subseções, nas quais os livros eram realocados conforme a necessidade ou a lógica pessoal do próprio Eco. Só ele sabia exatamente onde cada volume estava. Mais do que um arquivo, a biblioteca era um sistema dinâmico, um território intelectual em permanente reconfiguração.
Essa abordagem reflete não apenas um método prático de organização, mas uma filosofia. Eco via a biblioteca como um espaço de diálogo constante, onde os livros conversam entre si e com o leitor. Diferentemente das bibliotecas institucionais, que buscam uma catalogação objetiva e impessoal, sua biblioteca particular respondia a uma lógica interna, fluida, quase intuitiva. Esse caráter orgânico nos remete à ideia de que a acumulação de livros não se dá apenas pelo fetiche da posse, mas pela necessidade intelectual de estar cercado por referências que instigam novas conexões, hipóteses e descobertas.
Essa perspectiva também nos leva à famosa distinção que Umberto Eco fazia entre a “biblioteca de livros lidos” e a “biblioteca de livros não lidos”. Para ele, os volumes ainda não explorados eram os mais importantes, pois representavam o campo do desconhecido, do que ainda pode ser aprendido. Sua biblioteca, portanto, era tanto um repositório de conhecimento acumulado quanto um horizonte de possibilidades futuras.
A maneira como Umberto Eco organizava seus livros revela algo essencial sobre sua visão de mundo: o saber não é estático nem fechado em gavetas classificatórias, mas um emaranhado de relações, um labirinto onde a erudição e a curiosidade se encontram e se multiplicam.
10.
Um dos momentos mais instigantes do filme ocorre quando se aborda O Nome da Rosa, romance publicado em 1980 que gerou grande repercussão no meio literário e acadêmico. Em reconhecimento à sua originalidade e profundidade, Umberto Eco recebeu, no ano seguinte, o Prêmio Strega, a mais prestigiosa premiação literária da Itália.
No filme, Umberto Eco detalha a gênese da obra, abordando o contexto histórico em que a narrativa se desenrolaria, o ambiente monástico escolhido como cenário e até o processo de nomeação dos personagens. Uma passagem particularmente reveladora do filme resgata um trecho de áudio, gravado muitos anos antes, no qual o autor faz uma declaração emblemática: se um dia escrevesse um romance, ele poderia seguir duas direções – ou assumiria a forma de um ensaio disfarçado, ou então seria uma obra que, de certo modo, destruiria a própria noção de romance.
Em seguida, acrescenta, em tom irônico: “O que mais odeio é vender ficção.” No entanto, contrariando essa afirmação, O Nome da Rosa foi apenas o primeiro de uma série de romances que se seguiram, consolidando Umberto Eco também como um grande ficcionista.
A origem da ideia para o livro é narrada pelo próprio autor de maneira quase casual. Segundo Umberto Eco, uma amiga o procurou certa vez para convidá-lo a participar de uma coletânea de contos policiais escritos por autores de outras áreas, como políticos e cientistas. Diante da proposta, ele respondeu de imediato: “Se eu escrevesse um romance policial, teria no mínimo 500 páginas e se passaria na Idade Média.” A partir desse momento, a semente da obra começou a germinar.
De volta para casa, Umberto Eco iniciou a construção de seu universo narrativo com um exercício inusitado: listou uma série de nomes para os monges que habitariam sua abadia fictícia. Em seguida, consultou um amigo químico com uma questão peculiar: “É possível matar alguém enquanto essa pessoa lê um livro?” O químico não apenas confirmou a possibilidade, como explicou os mecanismos exatos pelos quais o envenenamento poderia ocorrer. Percebendo o perigo da informação, Umberto Eco imediatamente rasgou a carta com a resposta, temendo que um infortúnio futuro pudesse colocá-lo sob suspeita. Assim, partindo de um dilema intelectual e de um capricho investigativo, O Nome da Rosa começou a tomar forma.
Outra passagem do filme que ressoa com inquietante atualidade é quando Umberto Eco discorre sobre a distinção entre ficção e mentira. Nos fragmentos que se seguem, ele nos coloca diante das mazelas e dos perigos da mentira, elemento central na sustentação dos regimes mais nefastos da história da humanidade.
Umberto Eco relata que começou a se interessar pela questão da mentira na década de 1970, abordando o tema em sua obra Tratado de semiótica geral, na qual afirma que um sinal é qualquer coisa que pode ser usada para mentir. Esse princípio abre caminho para uma reflexão mais ampla sobre o papel da falsidade na construção de discursos manipuladores e sua instrumentalização no jogo do poder.
Em sua análise, Umberto Eco explora como documentos falsos tiveram impactos devastadores ao longo da história. Um exemplo emblemático que menciona é Os Protocolos dos Sábios de Sião, um panfleto antissemita forjado no final do século XIX e amplamente utilizado para justificar perseguições contra judeus, culminando em tragédias como o Holocausto. A propagação de falsificações e teorias conspiratórias, segundo Umberto Eco, está diretamente ligada ao fortalecimento de ideologias autoritárias, como o fascismo e o racismo, que encontram na distorção da verdade um de seus principais mecanismos de sustentação.
A reflexão de Umberto Eco é crucial porque nos obriga a considerar as fronteiras entre ficção e mentira em um mundo saturado por desinformação. A ficção, ainda que inventada, não pretende enganar – ao contrário, é um meio de revelação simbólica e narrativa. Já a mentira, especialmente quando institucionalizada, tem como objetivo ocultar, distorcer e manipular. Nos tempos atuais, marcados pela disseminação de fake news e pela corrosão do debate público, as palavras de Umberto Eco se tornam ainda mais urgentes.
Sua análise evidencia que a luta contra a mentira não é apenas uma questão ética, mas uma necessidade política e social. A história nos ensina que sociedades que não enfrentam a falsidade tendem a sucumbir à barbárie.
A afirmação de Umberto Eco – “Todos os movimentos criminosos nascem da desinformação programada” –sintetiza, de forma magistral, um dos aspectos mais perversos da história política e social: a manipulação deliberada da verdade como ferramenta de dominação e opressão.
A desinformação programada não é um mero erro ou um equívoco casual, mas um processo estruturado, meticulosamente elaborado para moldar percepções, induzir comportamentos e justificar ações que, de outra forma, seriam inaceitáveis. Regimes totalitários, movimentos extremistas e grupos criminosos recorrem a esse expediente para criar inimigos imaginários, consolidar narrativas fictícias e eliminar o pensamento crítico.
O nazismo, por exemplo, se alimentou da difusão sistemática de mentiras sobre minorias étnicas, especialmente os judeus, apoiando-se em falsificações como já mencionado Os Protocolos dos Sábios de Sião para legitimar sua política genocida. Da mesma forma, regimes autoritários do século XX, como o stalinismo e diversas ditaduras militares, manipularam informações, apagaram registros históricos e reescreveram eventos para justificar perseguições e expurgos.
No século XXI, essa lógica se intensificou com a amplificação das fake news e da propaganda digital. A internet e as redes sociais, ao mesmo tempo que democratizam o acesso à informação, tornaram-se também um terreno fértil para a proliferação de desinformação. Movimentos populistas, teorias conspiratórias e campanhas de ódio se valem desse ambiente para construir realidades paralelas, desmoralizar instituições e instigar violência.
O alerta de Umberto Eco é, portanto, essencial. A desinformação programada não apenas antecede os movimentos criminosos, mas os sustenta e os fortalece. Combatê-la exige não apenas um compromisso com a verdade, mas também educação crítica e vigilância permanente sobre os discursos que moldam nossa percepção do mundo.
11.
A observação de Umberto Eco sobre a paranoia conspiratória, abordada em seu romance O pêndulo de Foucault, é de uma atualidade impressionante. No livro, ele expõe como a obsessão por encontrar padrões ocultos na história pode levar à construção de narrativas fantasiosas, nas quais grupos secretos seriam os verdadeiros controladores dos destinos da humanidade. O romance satiriza a tendência humana de enxergar conspirações em tudo, mostrando como a busca desenfreada por significados ocultos pode transformar-se em uma armadilha intelectual e até política.
Essa paranoia conspiratória, que Umberto Eco desmascara como uma ilusão autoalimentada, tornou-se, no entanto, uma das bases da ascensão de movimentos autoritários e de extrema direita ao redor do mundo. O que antes poderia parecer um devaneio literário, hoje é um fenômeno de massa, potencializado pela internet e pelas redes sociais.
Muitos desses movimentos se sustentam na crença de que há elites globais, grupos secretos ou forças ocultas manipulando a sociedade para seus próprios interesses, e se apresentam como os únicos capazes de “desvendar a verdade” e “salvar o povo” dessa suposta dominação. No Brasil, por exemplo, diversas correntes da extrema direita se alimentam de teorias conspiratórias, que vão desde a ideia de que há um complô comunista global até a crença de que instituições democráticas, como o judiciário e a imprensa, fazem parte de um grande esquema para destruir a nação.
A ironia, que Umberto Eco certamente notaria, é que essas conspirações muitas vezes são fabricadas justamente pelos próprios líderes populistas para deslegitimar opositores, justificar políticas autoritárias e manter suas bases mobilizadas pelo medo e pela indignação artificial. O efeito colateral disso é a corrosão do pensamento crítico e a destruição do debate público, uma vez que o discurso conspiratório opera fora do campo da razão e dos fatos verificáveis.
Se em O pêndulo de Foucault Umberto Eco expõe a paranoia da conspiração como uma construção delirante, a realidade política atual mostra que esse delírio não apenas persiste, mas é explorado estrategicamente como uma ferramenta de poder. Isso reforça a necessidade de uma cultura crítica e de um compromisso contínuo com a verdade para resistir à manipulação e à erosão da democracia.
O filme sobre Umberto Eco se encerra com uma cena emblemática: sua neta patina pelos corredores da biblioteca, enquanto a “voz póstuma” do avô, em off, ecoa em uma narração carregada de simbolismo. O contraste entre a leveza infantil e a solidez dos livros acumulados ao longo de sua vida evidencia a tensão entre o movimento ágil e a permanência silenciosa da tradição escrita. Ao deslizar pelos mesmos caminhos que Eco percorria, a neta sugere uma continuidade geracional, uma transmissão de saber que transcende a erudição, manifestando-se também no espaço compartilhado e na memória impregnada nos objetos.
A frase de Umberto Eco – “A verdade ou criatividade só são encontradas em uma busca silenciosa” – insere-se nesse contexto como um testemunho de seu método intelectual. Para Umberto Eco, a busca pelo conhecimento não era uma questão de imediatismo, mas de um processo meditativo, introspectivo, quase monástico. O silêncio aqui não é mera ausência de ruído, mas um estado de concentração profunda, essencial tanto para a investigação filosófica quanto para a criação artística.
No entanto, a imagem da criança deslizando sugere uma releitura dessa ideia: a busca silenciosa de Eco contrasta com o movimento livre da neta. Pode-se interpretar esse contraponto como um lembrete de que a busca do conhecimento também pode ser lúdica, dinâmica, em movimento. A biblioteca, um espaço que tradicionalmente evoca austeridade e recolhimento, torna-se, por instantes, um palco de brincadeira e leveza. Nesse sentido, a cena talvez sugira que a tradição intelectual, para se manter viva, precisa dialogar com a renovação, com a energia do novo, com o frescor do inesperado.
A passagem do tempo, a continuidade do saber, a tensão entre erudição e espontaneidade: tudo isso está condensado nesse breve momento. O documentário, ao se encaminhar para o fim com essa cena, parece dizer que Umberto Eco, ainda que ausente, continua presente – na voz, nos livros, no espaço e, sobretudo, no espírito inquieto e curioso das próximas gerações.
Através das imagens, das entrevistas e das cenas do cotidiano, o documentário nos revela um Umberto Eco simultaneamente acessível e enigmático. O intelectual rigoroso, o acadêmico meticuloso que decifrou os códigos da cultura, convive com o contador de histórias, o apaixonado pelos livros, o avô que compartilha leituras e ironias com seu neto. Essa dimensão íntima não é um detalhe menor, mas um elemento fundamental para compreender sua visão de mundo.
Mais do que um teórico da semiótica, um romancista, um crítico cultural, Umberto Eco se apresenta como um humanista que navega com igual desenvoltura pelo erudito e pelo popular. O documentário captura essa dialética ao revisitar suas reflexões sobre a cultura de massas, o papel do intelectual e até mesmo seu humor sutil diante das contradições da modernidade. Em momentos reveladores, vemos Umberto Eco desmistificando tanto a alta cultura quanto os fenômenos mais efêmeros da comunicação, demonstrando que tudo pode ser objeto de análise e interpretação.
12.
Mas talvez o aspecto mais surpreendente do filme seja sua capacidade de nos mostrar como Umberto Eco nunca viu o conhecimento como um exercício estéril, fechado em si mesmo. Ao contrário, para ele, o saber era um jogo, uma aventura intelectual que se desdobrava em múltiplas direções: da Idade Média à cultura digital, do romance policial às questões filosóficas mais profundas. E assim, ao final, Eco permanece vivo não apenas em sua obra, mas na inquietação intelectual que soube cultivar – e que agora o documentário ajuda a perpetuar.
O filme, ao dar espaço para sua própria voz – seja em conferências, entrevistas ou reflexões espontâneas –, nos permite acompanhar de perto seu pensamento. A memória, a escrita e a leitura surgem como temas centrais, revisitados sob diferentes perspectivas. Umberto Eco nos lembra que o livro não é apenas um suporte material, mas um mecanismo de preservação da experiência humana. Mais do que armazenar informações, ele registra interpretações, diálogos e visões de mundo, permitindo que diferentes gerações conversem entre si. Essa ideia ressoa fortemente em um tempo de excesso de informação e dispersão digital, no qual a memória parece fragmentada e volátil.
O filme sobre Umberto Eco é uma porta de entrada para um universo vasto e multifacetado, no qual se entrelaçam erudição, ironia e uma profunda compreensão da cultura humana. Como todo recorte biográfico, ele não se propõe a ser exaustivo – e como poderia? A vida e a obra de Umberto Eco, tão ricas e polifônicas, desafiam qualquer tentativa de síntese definitiva. O que o filme nos oferece, portanto, não é um compêndio, mas um convite: um estímulo para adentrarmos a imensa biblioteca física e intelectual desse que foi um dos grandes pensadores do século XX e início do XXI.
Mas, como toda obra cinematográfica, o filme fez escolhas. Há muitos aspectos da vida e da produção intelectual de Eco que não são explorados em profundidade. Seu trabalho como semiólogo, suas incursões na teoria da comunicação, seu olhar crítico sobre os meios de massa – temas que marcaram sua trajetória – aparecem de maneira pontual, mas poderiam render um filme inteiro. Também suas reflexões sobre a literatura de ficção e seu próprio processo criativo, fundamentais para entender romances como O Nome da Rosa ou O pêndulo de Foucault, são apenas tangenciadas.
No entanto, essa seleção não empobrece a experiência. Pelo contrário, reforça sua intenção principal: não encerrar, mas instigar. O filme não busca ser um ponto final, mas um ponto de partida. Ao final da projeção, não nos sentimos com a sensação de ter concluído um percurso, mas de ter aberto uma porta para muitos outros caminhos.
Nesse sentido, o maior mérito do filme talvez seja despertar o desejo de continuar essa jornada por conta própria. De explorar os livros de Umberto Eco, de mergulhar em suas reflexões, de compreender melhor sua biblioteca e, quem sabe, construir a nossa própria. Porque, como o próprio Umberto Eco nos ensinou, uma biblioteca não é apenas um acervo de livros lidos, mas um repositório de possibilidades, um espaço de descobertas futuras.
Convidamos, portanto, a quem nos acompanhou até aqui a aceitar esse desafio: o de percorrer as prateleiras reais e metafóricas de Umberto Eco e, com isso, ampliar não apenas o próprio repertório intelectual, mas também a capacidade de enxergar o mundo com mais profundidade e espírito crítico. Afinal, como ele próprio dizia, um homem que lê não vale apenas por dois. Vale por mil.[1]
CARLOS EDUARDO ARAÚJO ” BLOG A TERRA É REDONDA” ( BRASIL)
*Carlos Eduardo Araújo é mestre em Teoria do Direito pela PUC-MG.
Referência
Umberto Eco – a biblioteca do mundo [Umberto Eco: la biblioteca del mondo]
Itália, documentário, 2022, 80 minutos.
Direção: Davide Ferrario.
Elenco: Umberto Eco, Renate Ramge, Charlotte Eco, Stefano Eco, Guiseppe Cederna.
Nota
[1] O destino da biblioteca de Umberto Eco foi definido por um acordo entre sua família e o Estado Italiano, garantindo sua preservação, estudo e valorização. O acervo foi dividido entre duas importantes instituições: a Biblioteca Universitária de Bolonha, que abriga sua biblioteca de trabalho, e a Biblioteca Nacional Braidense, em Milão, responsável por sua coleção de livros raros e antigos. Essa iniciativa assegura que o vasto patrimônio intelectual do escritor permaneça acessível a pesquisadores e estudiosos, perpetuando seu legado no mundo acadêmico e cultural.