EDUARDO GALEANO: PORQUE VOCÊ PRECISA LER O QUE ELE ESCREVEU ?

O escritor uruguaio Eduardo Galeano é essencial para que você entenda a história da América Latina, a lógica do capitalismo e a luta dos povos que resistem ao apagamento

Em tempos de negacionismo histórico, avanço da extrema direita e destruição das instituições democráticas, não dá mais pra ignorar quem sempre colocou o dedo na ferida.

Eduardo Galeano é um desses nomes que seguem firmes, mesmo depois da morte. O escritor uruguaio não foi só um autor de frases que viralizaram. Ele dedicou a vida inteira a denunciar as formas de opressão que aconteciam (e ainda acontecem) no continente latino-americano.

E fez isso escrevendo com clareza, ironia e coragem. Sem esconder de que lado estava.

Galeano te ajuda a entender como o passado está presente na sua vida. Mostra que a história não é neutra. Que os livros escolares esquecem quase tudo que importa. E que lembrar é um ato político.

Quem foi Eduardo Galeano?

O nome Eduardo Galeano pode ter chegado até você por uma frase compartilhada nas redes, um trecho de vídeo, uma indicação de livro ou uma imagem da clássica capa vermelha de “As Veias Abertas da América Latina”. Esse livro, aliás, ganhou ainda mais visibilidade quando foi entregue por Hugo Chávez a Barack Obama em 2009.

Mas limitar Galeano a esse episódio é reduzir sua obra a uma cena. Ele é muito mais que isso. É um dos escritores mais potentes da América Latina no século 20. E seu pensamento continua incomodando quem lucra com o silêncio da história.

Nascido em Montevidéu, em 3 de setembro de 1940, Eduardo Hughes Galeano foi jornalista, escritor, cronista e militante. Filho de uma família católica de classe média, viveu uma juventude marcada por pequenos empregos — foi datilógrafo, pintor de letreiros, caixa de banco e mensageiro — até começar a publicar charges políticas no jornal socialista El Sol, aos 14 anos. A partir daí, entrou de vez no mundo das ideias e nunca mais saiu.

Galeano trabalhou em jornais como Marcha e Época, foi perseguido pela ditadura militar uruguaia, exilou-se na Argentina e depois na Espanha, e só voltou ao Uruguai em 1985. Publicou mais de 40 livros e morreu em 2015, vítima de câncer.

Por que Galeano ainda importa?

A desigualdade que você vê hoje — nos preços, nos salários, nos bairros, nas escolas — tem história. Não é coincidência, nem erro de cálculo. Faz parte de uma estrutura que foi montada há séculos.

Galeano escreveu sobre isso com todas as letras. Explicou como o continente latino-americano foi explorado, como foi empurrado para um papel secundário na economia global e como continua sendo tratado como fornecedor de matéria-prima e mão de obra barata.

Num país que voltou a conviver com o crescimento da fome, com a disseminação de fake news como política pública e com o esvaziamento da memória coletiva, Galeano aparece como alguém que não deixa esquecer. Seus livros ajudam a recuperar o fio da história. E mais do que isso: revelam quem são os donos da narrativa.

Enquanto uma parte da sociedade normaliza a desigualdade como um dado “cultural”, Galeano mostra que ela é construída.

Livros de Eduardo Galeano. Foto: reprodução

Livros de Eduardo Galeano. Foto: reprodução

Da teoria à prática

Nos últimos anos, o Brasil viu a fome voltar, o desmonte da educação avançar, a ciência ser atacada e a cultura tratada como inimiga. Teve golpe, prisão política, corte de orçamento e manipulação ideológica. Tudo isso num cenário onde quem mais sofre é quem menos tem.

Esse cenário não é novo. Galeano escreveu sobre isso antes de tudo acontecer de novo. Ele viveu os golpes. Viveu os exílios. Viu o avanço do capital sobre os corpos, os territórios e as ideias.

Escreveu sobre ditaduras que usavam a legalidade como fachada. Sobre democracias frágeis sustentadas por acordos entre elites. Sobre a dificuldade de construir projetos populares num continente que aprendeu a desconfiar de si mesmo. Entendeu que as ditaduras latino-americanas foram ferramentas de um projeto maior de acumulação e silenciamento.

Contra o apagamento da história

No meio de tanta distorção da história, ler Galeano pode te ajudar a conectar os pontos. Ele não escrevia pra impressionar. Escrevia pra lembrar o que foi deixado de lado.

Povos originários quase não aparecem nos livros escolares. Mulheres são tratadas como figurantes. Pessoas negras são lembradas só pelo trabalho forçado. E a luta de classes é vista como coisa do passado, como se o conflito já tivesse sido resolvido.

Galeano mostrava que a história não é neutra. Que existe uma disputa por aquilo que pode ou não ser lembrado. E que essa disputa interfere diretamente no que a gente consegue imaginar como futuro.

Ele não falava de fora. Escrevia como quem também foi afetado. Como quem passou por perdas, silenciamentos e escolhas difíceis. Você não precisa ter bagagem acadêmica para entender o que ele escreve. Só precisa estar disposto a olhar pro que está em volta com mais atenção. Lembrar, neste caso, não é saudade — é uma forma de se posicionar.

Frases de Galeano que continuam dizendo tudo

  • “A divisão internacional do trabalho significa que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder.”
  • “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”
  • “O mundo é isso, um montão de gente, um mar de fogueirinhas.”
  • “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Essas frases circulam muito mas não dizem tudo sozinhas. Ganham força quando você entende o contexto em que foram escritas. E quando lê as histórias que vêm antes e depois delas.

https://youtube.com/watch?v=Av5-RmO6AlE%3Fsi%3DfJQqLLZZt2RBJDxZ

Os livros de Eduardo Galeano que você deveria ler

Quer começar a ler Galeano e não sabe por onde? Aqui vão cinco livros que mostram bem o jeito dele de escrever e pensar. Cada um trata de temas diferentes, mas todos ajudam a entender melhor a história e os conflitos da América Latina.

1. As Veias Abertas da América Latina (1971)

As Veias Abertas da América Latina é o livro mais conhecido de Galeano. Nele, ele fala sobre como a América Latina foi explorada ao longo dos séculos, desde a chegada dos europeus até as relações econômicas mais recentes com os Estados Unidos. O foco está em mostrar como a riqueza produzida aqui foi sistematicamente transferida para fora, com apoio das elites locais.

  • Explica a lógica da exploração colonial e capitalista
  • Mostra como o passado segue influenciando o presente
  • Aponta a participação das elites latino-americanas nesse processo

Mais tarde, o próprio Galeano comentou que não se reconhecia mais no estilo do livro — que achava a escrita pesada. Mas o conteúdo político permanece relevante, especialmente quando se olha para desigualdades que continuam sendo justificadas como naturais.

2. Memória do Fogo (1982–1986)

A trilogia Memória do Fogo reúne centenas de pequenos textos sobre a história das Américas. Mas ao invés de seguir o formato tradicional dos livros escolares, Galeano escolhe contar o que foi deixado de fora: histórias de resistência, de povos silenciados, de momentos que não costumam entrar no currículo oficial.

  • Textos curtos, fragmentados, que se completam
  • Personagens históricos e anônimos lado a lado
  • Enfoque nas resistências, não só nas derrotas

Os três volumes — Os Nascimentos, As Caras e as Máscaras e O Século do Vento — funcionam tanto juntos quanto separados. São leituras que exigem atenção, mas recompensam com um outro jeito de olhar para a história.

3. O Livro dos Abraços (1989)

Livro dos Abraços reúne fragmentos sobre temas diversos — política, infância, dor, amizade, arte e injustiça. São textos muito curtos, com uma escrita enxuta, quase poética. É provavelmente o livro mais citado de Galeano nas redes e um dos mais procurados por quem está começando.

  • Escrita que fala de temas complexos com palavras simples
  • Reflexões que nascem de situações do dia a dia
  • Mistura de memória pessoal e observação do mundo

Não tem começo, meio e fim. Você pode abrir em qualquer página e encontrar algo que te diga alguma coisa naquele momento.

4. O Futebol ao Sol e à Sombra (1995)

Galeano gostava muito de futebol, mas não passava pano pra indústria que transformou o jogo num produto global. Em Futebol ao Sol e à Sombra ele fala sobre o futebol com olhar crítico e afetivo ao mesmo tempo. Denuncia a mercantilização, mas também reconhece a beleza do improviso e da paixão coletiva.

  • Histórias de jogadores, partidas e episódios históricos
  • Crítica ao modelo empresarial do futebol moderno
  • Reflexões sobre cultura, identidade e política no esporte

É uma leitura interessante tanto para quem acompanha o futebol quanto pra quem quer entender como o esporte também é usado como ferramenta de controle e distração.

5. Espelhos – Uma História Quase Universal (2008)

Em Espelhos – Uma História Quase Universal, Galeano amplia o escopo e escreve sobre o mundo como um todo. Fala sobre apagamentos históricos, desigualdade entre os continentes, racismo, patriarcado e o mito do progresso. Tudo com textos curtos, no mesmo estilo que ele usou em outros livros.

  • Histórias pouco contadas sobre o passado e o presente
  • Questionamento do olhar eurocêntrico sobre a história
  • Conexão entre lutas locais e contextos globais

É um livro que convida a repensar o que foi naturalizado como verdade histórica. Sem rodeios, mas com muitas imagens que fazem você parar e pensar.

Galeano não era historiador. E nem queria ser.

Ele mesmo dizia que era um “caçador de histórias”. Não se prendia a rótulos. Não fazia parte da academia, nem escrevia para agradar especialistas. Escrevia pra quem sentia na pele o que ele narrava. Seu trabalho vinha da escuta, da observação, da convivência.

Para Galeano, a história oficial sempre foi uma versão contada pelo poder. Recontar a memória popular era uma forma de romper com isso. Seus livros não falam de quem mandava. Falam de quem apanhava, de quem resistia e de quem foi deixado de lado.

O pensamento de Eduardo Galeano

  • O capitalismo precisa da pobreza de muitos para manter os privilégios de poucos
  • A colonização continua, agora como dependência econômica e cultural
  • A América Latina foi construída sobre espoliação e silêncio]
  • Memória não é só lembrar do passado, é pensar no que pode ser feito
  • Cultura popular também é campo de disputa

Galeano e o Brasil

Galeano conhecia bem o Brasil. Passou temporadas por aqui, teve contato com artistas e pensadores como Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, Chico Buarque e Caetano Veloso. Tinha afeto pela cultura brasileira, mas não era condescendente. Escreveu sobre a ditadura, sobre o racismo, sobre a miséria urbana.

Gostava do Rio. Já São Paulo ele achava pesada demais. Mas não deixou de falar com o povo paulista — e sua obra segue sendo lida e estudada nas universidades, nas escolas, nos movimentos sociais.

Eduardo Galeano foi homenageado na 2ª edição da Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília. Foto: Agência Brasil

Eduardo Galeano foi homenageado na 2ª edição da Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília. Foto: Agência Brasil

Conclusão

Você não precisa concordar com tudo que Eduardo Galeano escreveu. Nem ele mantinha as mesmas ideias a vida inteira. Mas ler o que ele deixou registrado ainda ajuda a entender o que acontece hoje na América Latina.

Se você está tentando se situar num cenário de desigualdade, apagamentos históricos e discursos que distorcem o passado, Eduardo Galeano pode ser uma boa leitura. Seus livros não oferecem respostas prontas, mas trazem perguntas importantes.

Ele não escreveu só para especialistas. Escreveu pra quem vive as contradições na pele. E por isso, mesmo depois de tanto tempo, ainda faz sentido abrir um de seus livros e ver o que ele tem a dizer.

LEILA CANGUSSU ” BLOG ICL NOTÍCIAS” ( BRASIL)

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