
CHARGE DE V.T.
Introdução do autor à nova edição do livro, recém-lançada
1.
1.
Os sentidos do trabalho foi lançado originalmente em 1999. De lá para cá, houve uma edição ampliada e atualizada (2009) e 15 reimpressões. No exterior, foi publicado na Argentina (Herramienta, 2005); na Itália (Jaca, 2006 e Punto Rosso, 2017); na Holanda e na Inglaterra (Brill, 2012); nos Estados Unidos (Haymarket, 2013); na Índia (2015) e em Portugal (Almedina, 2013).
Não se tratando de apresentar, nesta nota sucinta, o que se encontra amplamente desenvolvido no livro, vale indicar que a imprescindibilidade do trabalho no mundo contemporâneo é evidente, ao menos em duas dimensões cruciais:
(i) Quando o trabalho é entendido como atividade vital (Marx), isto é, como dimensão intrínseca e constitutiva da história humana, presente em todos os momentos da vida, desde a gênese do ser social. Sem essa decisiva dimensão ontológica, histórica e concreta, presente no trabalho, que produz e reproduz a vida social, a humanidade nem sequer poderia existir.
(ii) Sem o labor, o capital, em última instância, não tem como se reproduzir. Sem mais-valia, o mundo financeiro, que parece ter vida autônoma, evapora e perde seu lastro material essencial.
É exatamente por isso que o mundo do capital financeirizado e plataformizado reinventa, em pleno século XXI, como um Frankestein digital, modalidades pretéritas e perversas de exploração, expropriação e espoliação que encontraram vigência nas fases iniciais do capitalismo industrial e que hoje estão sendo “reinventadas” pelo sistema de reprodução antissocial do capital, operando uma simbiose medonha e horripilante, na qual o “novo” – o mundo dos artefatos digitais, dos algoritmos e da inteligência artificial – convive com tranquilidade com a devastação ilimitada do trabalho (sem falar da natureza e do gênero humano) em todos os cantos do mundo, alterando somente a intensidade dos vilipêndios. Basta olhar para o mais global de todos os trabalhos, aquele realizado por imigrantes.
2.
Nesta edição especial de 25 anos, os textos de capa foram atualizados e a esplendida contribuição de István Mészáros tornou-se prefácio, como, aliás, era a proposta inicial, quando da publicação em 1999.
Visando a apontar elementos da atualidade das teses centrais de Os sentidos do trabalho, acrescentamos um apêndice, “Uberização do trabalho e capitalismo de plataforma: uma nova era de desantropomorfização do trabalho”, que explora, empírica e analiticamente, algumas das mutações em curso a partir da expansão das plataformas digitais e do trabalho uberizado.
Demonstramos que a monumental expansão das grandes plataformas digitais, além de não prescindir do trabalho humano, vêm praticando uma simbiose nefasta entre avanço digital e precarização do trabalho, recuperando formas pretéritas de exploração, expropriação e espoliação que tiveram vigência no período que podemos denominar como protoforma do capitalismo.
Além disso, a intensidade dessas “novas” modalidades de trabalho, agora sob o universo maquínico digital, sugere que estamos adentrando em uma era de desantropomorfização do trabalho (formulação, vale dizer, que apresentamos pela primeira vez na edição original de 1999), provocada pela eliminação de amplos contingentes de trabalho vivo que são substituídos pelo trabalho morto (algoritmos, inteligência artificial, internet das coisas etc.), ampliando e exasperando as formas de extração de mais-valor em quase todas as esferas invadidas pelo capital.
Assim, a conclusão principal apresentada originalmente, quando da publicação da primeira edição deste livro, continua atual: o trabalho que estrutura o capital desestrutura a humanidade. Em contrapartida, o trabalho que desestrutura o capital pode efetivamente reorganizar e emancipar a humanidade.
Conjuntamente com a luta vital pela preservação da natureza e pela destruição radical da exploração/opressão de classe, gênero, raça e etnia, a luta da classe-que-vive-do-trabalho traz consigo a efetiva possibilidade e potencialidade para superar o sistema de reprodução antissocial do capital.
Para finalizar, deixo um agradecimento muito especial a Ivana Jinkings e toda a equipe da Boitempo, responsáveis por um cuidado editorial minucioso, mais uma vez presente nesta nova edição.
RICARDO ANTUNES ” BLOG A TERRA É REDONDA” ( BRASIL)
*Ricardo Antunes é professor titular de sociologia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de O capitalismo pandêmico (Boitempo).
Referência

Ricardo Antunes. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Edição especial de 25 anos. São Paulo, Boitempo, 2025, 312 pág. [https://amzn.to/42FzTE5]