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Para quem tem olhos para ver: já começou o jogo do impeachment. Os indícios são os mesmos do processo pré-impeachment de Dilma Rousseff.
Ficou famosa a frase do marqueteiro do Partido Democrata norte-americano: “é a economia, estúpido!”. No atual processo de queda da popularidade de Lula, a frase correta é: “É a política, estúpido!”.
Há um contorcionismo extraordinário para tirar a responsabilidade do presidente da República e jogá-la em fatores externos: ora a comunicação pública, ora o preço dos alimentos.
Foge-se da questão central: falta uma cara ao governo. É uma questão política. Por “política” entenda-se a definição de um projeto de futuro abrangente, que junte a maioria do país respondendo à questão essencial: o que queremos e podemos ser?
O jogo do impeachment
Para quem tem olhos para ver: já começou o jogo do impeachment. Os indícios são os mesmos do processo pré-impeachment de Dilma Rousseff. A estratégia consiste em atuar em várias frentes, afastando todos os aliados ou grupos que meramente possam fazer oposição ao processo de impeachment.
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- Uso da questão fiscal, como já ocorreu com o programa Pé-de-Meia. De um lado monta-se um terrorismo em torno da suposta gastança, deixa-se de lado a conta de juros e esvaziam-se os programas distributivos. Cai a popularidade de Lula e, na outra ponta, aguarda-se qualquer avanço de sinal no front fiscal para o TCU (Tribunal de Contas da União) dar o bote.
- A decisão do TCU, de investigar 11 (onze!) meses específicos da Previ (o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) é sinal nítido. A ideia é desalojar da presidência um sindicalista ligado a Lula.
- A decisão do Procurador Geral da República, Paulo Gonet, de arquivar o inquérito contra a Lava Jato, e a criação do GAECO (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado) federal, mostram claramente a intenção de retomar o protagonismo político do Ministério Público Federal. GAECO federal é relevante, essencial para o combate ao crime organizado. O problema é a maneira como irá empoderar um PGR claramente conservador, em um momento em que o presidencialismo de coalizão deixa várias brechas abertas para futuras investigações, abrindo espaço para manipulações tipo as ocorridas no mensalão e na Lava Jato. A denúncia contra Bolsonaro não vai mudar nada. Há tempos a direita descartou o ex-presidente.
- Terrorismo com a inflação. No período Dilma, o Jornal Nacional passou uma semana falando em hiperinflação, devido ao estouro do preço do… tomate. Agora, monta-se um terrorismo com uma inflação anual de menos de 5%, obrigando ao aumento da Selic que, por sua vez, deflagra a contagem regressiva para a bomba da dívida pública.
- Os primeiros ataques aos chamados blogs progressistas. Semana passada a Folha divulgou, como denúncia (!), que bancos públicos também anunciam em portais fora do eixo da mídia corporativa. Isso, em meio a publicidade da Sabesp, do governo do Estado, da prefeitura de São Paulo e do próprio governo federal na Folha. Depois, O Globo informando que o clipping que chega a Lula é preparado pela primeira-dama Janja, só com matérias dos ditos jornais progressistas.
É curioso, aliás, esse paradoxo da informação. Para evitar críticas e pressões, Lula se afastou de todos aqueles que atuaram na linha de frente anti-impeachment, se afastou dos antigos aliados, despolitizou totalmente o debate público – através da Secom (Secretaria de Comunicação), da EBC, das manifestações do presidente -, julgando que o país já teria aprendido com o fator Bolsonaro e aceitaria montar a conciliação em torno da sua figura.
Fôsse um país racional, o pacto seria aceito. Mas o preconceito contra Lula é extremamente arraigado para ceder a qualquer movimento de bom senso.
Lula não conquistou a confiança dos liberais-conservadores e está perdendo contato com a base. Daí a necessidade urgente de uma mudança de rumo.
As estratégias
Há dois pontos a se considerar.
O primeiro, é que muito foi feito até agora, depois do desmonte promovido pelos governos Temer e Bolsonaro. Conseguiu-se uma reforma tributária que estava pendente há anos. Acertou-se a questão fiscal – cujo problema só sobrevive no terrorismo midiático. Conseguiu-se levar o Banco Central aos trancos e barrancos, até a saída de Roberto Campos Neto.
Além disso, há de se considerar que as pesquisas de agora refletem alguns momentos ruins, como a especulação cambial, a crise do Pix e a inflação de alimentos. Esses fatos nublam os pontos positivos, a redução do desemprego, o crescimento do PIB, apesar da Selic desmedida.
Mesmo assim, há um movimento explícito da oposição-mercado-mídia de avançar em um discurso preparatório do impeachment, caso não haja uma reação do governo. E o desafio maior é dar uma cara ao governo, na construção de uma perspectiva de futuro.
Transição energética, novas formas de industrialização, a geopolítica mundial, com a disputa Estados Unidos x China, abrem espaço para um grande projeto, capaz de contentar investidores brasileiros – que poderão ser sócios dos novos empreendimentos -, gerar empregos, permitir os acordos amplos de tecnologia com a China, fortalecer as políticas de apoio às pequenas empresas – as industriais, a agricultura familiar, a organização das favelas. E, principalmente, mostrar o futuro para a opinião pública.
Muitas coisas estão sendo feitas, através de estruturas existentes – muitas plantadas nos primeiros governos Lula. Mas o presidente ainda não acordou para seu potencial.
A saída é a criação de grupos de trabalho interministerial, com participação de setores da sociedade civil, aporte dos estudos acadêmicos, visando definir prioridades, prazos e metas.
Lula sabe disso. Descreveu perfeitamente no discurso na sessão de encerramento da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Resta apenas romper com a inércia.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)