
Quando me mudei para São Paulo, em 1968, vindo do Rio, num ônibus da Cometa, era, precisamente, o dia do aniversário da cidade, 25 e janeiro. Vim trazido pelo meu querido e saudoso pai – com promessa de vir estudar Direito. São Paulo já era a maior cidade de língua portuguesa do planeta. E, curiosamente, a segunda metrópole portuguesa, com 600 mil lusitanos, atrás apenas de Lisboa, que tinha uma população de cerca de 800 mil pessoas, e à frente do Porto, e seus 300 mil habitantes. Jogou-se, naquela tarde, no Morumbi, um amistoso que sintetizava o clima cosmopolita da metrópole, entre o São Paulo, clube, então, da elite ‘quatrocentona’, famílias originárias dos célebres Bandeirantes, e o mítico Benfica, com sua gloriosa linha atacante, integrada por José Augusto, Eusébio, Torres, Coluna e Simões – a dianteira da inesquecível Seleção de Portugal na Copa do Mundo de 1966.
O confronto terminou com a vitória por 3 a 2 dos são-paulinos, uma equipe, à época, sem uma grande estrela, perante uma torcida predominantemente lusitana, conforme reportagem de Dante Mattiussi, de quem me tornaria amigo, veiculada no arejado semanário “Edição de Esportes de O Estado de S. Paulo”, concebido, dois anos antes, pelo irrequieto jornalista italiano genovês Mino Carta – atual proprietário da revista “Carta Capital”. A “Edição de Esportes”, como era chamada, circulava aos domingos à noite, e reunia alguns dos meus ídolos da crônica esportiva, dentre os quais, o combativo Vital Battaglia, o perspicaz José Maria de Aquino, António Euclides, o Tim, famoso por seus textos, e o repórter investigativo Michel Laurence – muito próximo de Pelé.
Foi justamente com um bilhete de Battaglia, guardado comigo até hoje, que me apresentei, no dia seguinte à minha chegada na Terra da Garoa, na redação da “Folha da Tarde”, vespertino da “Folha de S. Paulo”, onde passei a trabalhar e optar por São Paulo. E pelo Jornalismo. Abandonei o desafio de seguir o Direito – curso escolhido por meu irmão caçula, Luis, a quem muito admiro, e a que dei o nome, grafado em espanhol – em homenagem a um primo de papai, Luis Verde, assassinado, traiçoeiramente, em 1956, em sua padaria, em Salvador, na Bahia, no bairro do Paraíso.
Aprendi, ao longo destes 57 anos, que São Paulo começou a ser erguida antes mesmo de sua fundação oficial, em 1554, pelo jesuíta transmontano Manuel da Nóbrega (1517 – 1570). A metrópole paulistana teve seu início, a rigor, com o aventureiro e explorador português João Ramalho (1493 – 1582), natural de Vouzela, Distrito da histórica Viseu, na Beira Alta. Ele havia criado, nos anos 1520, o povoado de Santo André da Borda do Campo – após desembarcar em São Vicente, na Baixada Santista, e subir a serra em direção ao Planalto Paulista. Santo André é o A do ABC Paulista. Ramalho casou-se com Bartira, a filha do chefe da tribo dos Tupiniquins, o legendário Tibiriçá (nascido em data ignorada e morto em 1562), aliado dos lusitanos. Juntos, Ramalho, Tibiriçá e seus descendentes, estabeleceram Santo André, São Paulo e, posteriormente, colonizaram e expandiram as fronteiras com os Bandeirantes.
O Brasil que conhecemos deve muito ao espírito desbravador de Ramalho e dos valorosos tupiniquins de seu sogro. Os filhos de Bartira fizeram São Paulo e, nas gerações seguintes, miscigenados com africanos, povos de toda Europa, asiáticos e libaneses, bem como comunidades judaicas, sírias e armênias, formariam o País que um dia foi um imenso Portugal.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO “( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador