Funcionários do alto escalão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo orientaram servidores a fazerem campanha em prol da reeleição do prefeito Ricardo Nunes, do MDB, segundo áudios obtidos pelo Intercept Brasil. As gravações foram feitas em uma reunião ocorrida em julho no QG da campanha de Nunes, no centro de São Paulo, durante o horário de almoço dos funcionários.
Os áudios mostram que os funcionários foram ensinados a divulgar a gestão para pedir voto “indiretamente” e que dirigentes da prefeitura criaram uma estrutura de grupos no WhatsApp para fazer a mobilização.
A gravação também mostra que eles estavam cientes de que não poderiam usar a prefeitura para a campanha – por isso, realizaram a reunião no QG de Nunes, no Edifício Joelma.
“Nós não vamos permitir que se destrua tudo aquilo que foi construído em São Paulo e para isso a gente precisa que cada um aqui se sinta um Ricardo Nunes até dia 6 de outubro”, disse na reunião João Farias, ex-secretário da Habitação da prefeitura e atualmente integrante da campanha à reeleição de Nunes.
“É importante que vocês tenham muito claro que quando o [Guilherme] Boulos, quando a Tabata [Amaral], quando o [Pablo] Marçal falam tudo que têm coragem de falar de São Paulo, eles não estão agredindo só o Ricardo, eles estão agredindo a gente que acorda cedo e trabalha até tarde para fazer dessa cidade uma cidade melhor”, acrescentou Farias.
O Intercept obteve o áudio da reunião completa, e comparou as vozes com outras gravações dos participantes para checar sua autenticidade. A assessoria da campanha de Nunes disse que não iria comentar o assunto porque não obteve os áudios.
Só os servidores de cargos comissionados da SMDET e funcionários da Agência São Paulo de Desenvolvimento, a Adesampa, foram convidados a participar do evento.
“A presença não é obrigatória, nunca houve truculência. Porém, pelo tom das falas nos áudios, por exemplo, era prudente nós comparecermos”, disse ao Intercept uma pessoa que participou do evento e pediu anonimato por medo de represálias. Segundo ela, quem não participa tem medo de ser exonerado.
A reunião aconteceu em 22 de julho, antes do início da campanha eleitoral, em 16 de agosto. O encontro foi liderado por Armando Júnior, secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, e contou com a participação de Renan Vieira, presidente da Adesampa, e João Manoel Scudeler de Barros, diretor da SP Negócios, além de Farias.
Os servidores também foram convocados a participar do evento de oficialização da candidatura de Nunes, em 3 de agosto, na Assembleia Legislativa de São Paulo. “A data do dia 3 para nós é uma data muito simbólica, a gente reforça a importância de ter todos junto com os amigos, familiares, conseguir mobilizar o máximo de pessoas possíveis para estar nesse dia”, disse Vieira, da Adesampa, na reunião.
Em suas falas, todos reforçaram a proibição do pedido de votos antes do dia 16 de agosto, o que configura crime eleitoral, e orientam como os servidores poderiam convencer amigos e familiares a votarem em Nunes. “Divulgando essa gestão, a gente já está pedindo voto indiretamente, porque estamos sensibilizando o amigo, o parente, o vizinho e a vizinha”, disse Armando Júnior.
Ministério Público Eleitoral pode apurar se servidores foram constrangidos a participar.
Júnior também reforçou que os servidores não poderiam usar a estrutura da prefeitura para fazer campanha. “Não é permitido usar o computador, o celular, carro e estruturas da secretaria para fazer campanha. É por isso que estamos fazendo esse encontro na hora do almoço no edifício Joelma, que é o QG da campanha”, disse o secretário. “É isso, não use a máquina”.
Segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Intercept, os funcionários públicos podem apoiar um ou outro candidato ou ser contratados para campanha. Mas isso não pode ser feito no horário e local de trabalho – e nem sob pressão.
“Se constitui conduta vedada a cessão de servidores, bens, serviços e dependências dos serviços públicos, com a finalidade político eleitoral, agravando-se em caso de coação, ou mesmo com promessa de vantagens ou benefícios pessoais”, disse Luciano Alvarenga, advogado especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Abradep, ao Intercept.
Para o especialista em direito eleitoral e professor de pós-graduação em Direito Eleitoral do TRE-SP, Alexandre Rollo, a situação é uma “zona cinzenta”. Qualquer funcionário público tem direito de abraçar alguma campanha, mas ele não pode, de maneira alguma, ser constrangido a fazê-lo.
Por isso, o Ministério Público Eleitoral poderia abrir uma investigação e apurar junto aos servidores se eles foram constrangidos a participar. Caso a investigação encontre evidências de constrangimento ou pressão, poderia se configurar o crime de assédio eleitoral.
Grupos de WhatsApp coordenados por ‘pontos focais’
Os áudios revelam também que membros da SMDET construíram uma rede de grupos de WhatsApp, gerida por servidores da secretaria, para disseminar conteúdo positivo sobre Nunes com o objetivo de que eles o encaminhassem para familiares e amigos e para avisar sobre “mobilizações”.
Os servidores foram orientados a fazerem um cadastro para entrar nos grupos de WhatsApp durante a mesma reunião no Edifício Joelma.
Os grupos são coordenados por pessoas que foram chamadas de “pontos focais”, dentre eles João Manoel, diretor da SP Negócios, Fabiana de Moraes Leme e Celso Gomes Casa Grande, coordenadores dentro da SMDET.
“A gente tem um organograma. O pessoal da campanha passa para a gente, aí a gente passa para eles [pontos focais] que passam para vocês”, disse Júnior.
A vereadora ‘da secretaria’ já organizou excursão de funcionários da prefeitura para comício
Um outro assunto abordado na reunião foi a campanha dos candidatos a vereadores. Júnior disse aos servidores que a orientação do gabinete da secretaria é para que se apoie vereadores do MDB, e mais especificamente a candidatura da vereadora Sandra Santana.
“Essa é a nossa orientação de SMDET para vocês. Para que a gente possa ter a Sandra Santana sendo a candidata da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho”, disse ele.
Segundo Rollo, esse apoio a uma candidata fere o princípio da neutralidade estatal e pode motivar a abertura de uma investigação eleitoral. “Nenhuma secretaria, nenhuma prefeitura, nenhum órgão público pode assumir campanha, não pode torcer para ninguém, não pode pedir voto para ninguém, não pode pedir o apoio de ninguém”, disse o especialista.
Ele relembrou, porém, que a reunião foi realizada fora da Prefeitura, então a SMDET poderia alegar que o apoio não partiu da secretaria. “É uma declaração infeliz que pode gerar uma investigação”, pontuou o advogado.
Santana é a mesma vereadora que, no fim de agosto, fretou um ônibus com servidores para um comício de sua campanha, que contou com a participação de Nunes, mostrou uma reportagem do UOL.
O Intercept entrou em contato com a coordenação da campanha de Nunes, que disse que “a reportagem do Intercept não disponibilizou os supostos áudios e, nem mesmo, as gravações para que a campanha de Ricardo Nunes (MDB) verificasse a autenticidade e pudesse se manifestar.”
A SMDET disse que “todas as pessoas foram convidadas e não convocadas a participar de um encontro, ao qual compareceram de forma totalmente espontânea em horário e local fora do expediente” e acrescentou que o “conteúdo discutido no encontro teve caráter convidativo e explicativo aos apoiadores e em momento algum houve qualquer tipo de coação ou retaliação”.
LIGIA MARTINS ” THE INTERCEPT” ( BRASIL)