AS MIL E UMA UTILIDADES DO CENTRÃO

Nos tempos das vacas gordas, com a grana do imposto sindical e patrocínios de grandes empresas como a Odebrecht e a Caixa Econômica Federal, havia opções de grandes festas em São Paulo na comemoração do Dia do Trabalho. Durante mais de 20 anos, a Força Sindical, por exemplo, reunia sozinha cerca de uma milhão de pessoas atraídas, além de shows musicais, por sorteios de carros e até de casas. A CUT, em escala menor, também juntava multidões. Eram concorridos palanques para políticos de vários naipes e para a defesa de bandeiras do movimento sindical.

Nessa quarta-feira, a comemoração foi bem diferente em São Paulo. Sem grana em caixa pelo fim do imposto sindical, patrocinadores arredios, as centrais sindicais se juntaram para um evento conjunto, muito mais modesto do que antes cada uma delas promovia. Na sempre inflada conta atribuída a organizadores, ao longo do dia 200 mil pessoas teriam passado pelo Vale do Anhangabaú. As entidades alegaram que, embora menor, o sucesso foi a inédita unidade, motivada pela rejeição comum à proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional.

Seus dirigentes aproveitaram a ocasião para vender o próprio peixe. A CUT alardeou em seu site que, no evento histórico que reuniu todas as centrais sindicais, “mais de 200 mil trabalhadores aprovaram, por unanimidade, a greve geral no dia 14 de junho contra a reforma da Previdência de Bolsonaro”. A condução dessa “unânime aprovação” foi atribuída a Wagner Freitas, presidente da CUT.

Bem mais pragmático, o deputado Paulinho da Força, cacique da Força Sindical e do Solidariedade, não se empolgou com discursos de que a unidade das centrais sindicais e das esquerdas vai barrar a Previdência. Ele disse que essa turma não tem voto na Câmara para tal empreitada. Deu de barato que haverá reforma da Previdência e sugeriu um caminho para desidratá-la, uma parceria com o Centrão — o grupo de partidos conservadores que sempre se aliou a quem melhor atendeu seu insaciável apetite fisiológico.

A proposta de Paulinho da Força para os parceiros promotores do Primeiro de Maio é convencer o Centrão, no qual se integrou desde sua reorganização por Eduardo Cunha, a reduzir a economia prevista com a reforma da Previdência em dez anos de R$ 1 trilhão para R$ 500 bilhões, “no máximo R$ 600 bilhões”. Assim, diz ele, se “evitaria a reeleição de Bolsonaro em 2022”. Por esse raciocínio, se o governo, por conta da reforma da Previdência, pôr suas contas em ordem e, assim, recuperar sua capacidade de investir, gastar, vira barbada eleitoral.

A questão aí não é nem o aparente paradoxo com o discurso dos que combatem a reforma da Previdência e tentam convencer deputados e senadores de que votar a favor de mudanças nas regras para a aposentadoria é desagradar o eleitorado e perder votos.

O problema é atribuir uma visão estratégica ao Centrão cujo horizonte é o que pode faturar aqui e agora. Essa turma não está preocupada com a sucessão de Bolsonaro, mas, sim, como tirar algum proveito nesse início de governo. Querem, por exemplo, benefícios para suas bases eleitorais que os ajudem nas eleições municipais no ano que vem, decisivas para suas próprias reeleições em 2018.

Mesmo quem parece com mais foco em 2022, como Rodrigo Maia e João Doria, sabe que a estrada é longa, se descuidar agora, pode nem chegar lá. Eles avaliam que mudar a Previdência agora é desobstruir o caminho. O que nos próximos 60 dias vai definir a dimensão da reforma  será a capacidade do governo, e de outros defensores das mudanças, de convencer a sociedade sobre a sua necessidade e acertar demandas de prefeitos, governadores e, sobretudo, de parlamentares. Quase todas de curto prazo.

ANDREI MEIRELES ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)

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