INTERNET, DO PARAÍSO AO INFERNO

CHARGE DE ZÈ DASSILVA

É preciso lembrar que a internet, assim como a iniciativa de Napoleão, nasceu para fins militares e transbordou para a vida civil.

Como citado na matéria anterior, a ideia de montar uma rede de comunicação é tão velha quanto a humanidade. O ser humano faz com a tecnologia o que os animais fazem com seus recursos físicos, são os elefantes com seus apelos infrassonoros ou as baleias com seu canto reverberado pela água, ambos a distâncias inimagináveis. Por certo que elefantes e baleias têm seus protocolos de comunicação, assim como as abelhas com seus gestos, ou os pássaros com seu canto ou suas danças de acasalamento. Com a Internet não é diferente. Antes, porém, é preciso lembrar que ela, assim como a iniciativa de Napoleão, nasceu para fins militares e transbordou para a vida civil.

Durante a Guerra Fria, as Forças Armadas dos Estados Unidos chegaram a tornar oca uma montanha entre as Rochosas, para armazenar os computadores, imunizando-os contra a radiação em caso de uma guerra nuclear. Como o volume de dados crescia mais rapidamente do que a densidade de armazenagem, em pouco tempo, todas as Montanhas Rochosas estariam ocas. Ademais, todos os terminais teriam que transmitir e receber dados de um só lugar, o que tornava o sistema frágil, por mais sofisticado que fosse o protocolo de comunicação. Era infinitamente mais lógico descentralizar armazenagem e processamento, reduzindo sobrecargas e pulverizando investimentos. Esse movimento ficou a cargo da ARPA ((Advanced Research Projects Agency), que criou uma rede experimental com quatro universidades para desenvolver sistemas de defesa. Foi assim que nasceu a Arpa Net.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, o número de universidades interligadas só fez crescer, até atingir 572. Como cada universidade tinha sua própria rede e a ARPA interligava redes, nada mais natural que passasse a chamar de Internet. Enquanto isso, empresas como a Novel desenvolviam redes locais independentes e com protocolos próprios. A Microsoft também criou o seu, chamado de NetBEUI (NetBIOS Extended User Interface), muito rápido e confiável, mas que não permitia interligar os terminais a redes externas, em termos técnicos, não era roteável. O protocolo criado pela ARPA, que passou a se chamar de IP (Internet Protocol), permitia diferenciar redes internas de externas, mantendo as mesmas características técnicas.

Pra entender o que é rotear, é preciso voltar às torres de Napoleão. Quando uma mensagem saía de Paris para Lion, por exemplo, o telegrafista sabia com que torres intermediárias teriam de ser acionadas. Para evitar confusão, na medida em que uma torre era acionada, recebia somente a lista de torres por se comunicarem, de tal sorte que, o número fosse diminuindo até chegar a zero no destino. O mesmo acontecia no caminho de volta. O IP executa exatamente esse papel, atribuindo um número para cada ponto de presença, que equivale às torres numeradas de Napoleão.

Numa rede local, quem faz isso é o roteador. Assim que a informação vai para a rede pública, esse papel é exercido pelas empresas de telecomunicações, que são coordenadas entre si pela IANA (Internet Adresse Number Authority), que pertence ao governo dos Estados Unidos. É a IANA que estabelece quais números IP estarão disponíveis para cada país. Dentro deles, define-se o bloco IP destinado a cada uma das empresas provedoras de acesso, o que, no Brasil, é exercido conjuntamente pela Anatel e pela Registro.br, oriunda da Fapesp, que foi por onde a Internet chegou ao Brasil. As provedoras ocupam-se por fornecer endereços IP púbicos a partir dos blocos que lhes foram concedidos pela Anatel que, por sua vez, fica limitada ao bloco concedido ao Brasil pela IANA. Em alguns casos, a provedora pode separar blocos IP para usuários maiores como hospitais, hotéis e empresas de grande porte. Um hotel, por exemplo, pode ter uma rede por andar e todos os andares comunicarem-se entre si por um ou mais roteadores interligados, permitindo a todos ter acesso à rede pública, assim como a um usuário externo consegue acessar um terminal interno. É isso o que faz com que, por exemplo, duas pessoas pertencentes a duas redes internas diferentes, em locais diferentes do planeta conversem entre si pelo WhatsApp.

Assim como descrito no capítulo anterior para uma conversa telefônica, há mais de um protocolo em ação ao mesmo tempo. Um deles, que equivale ao ato de obter linha, discar, ouvir o tom de chamada e atender, é o chamado roaming, que permite que um terminal móvel continue a se comunicar, hora com um ponto de acesso, hora com outro, mais ou menos como se um cavaleiro precisasse passar um telegrama nos tempos de Napoleão. Ele teria que ter contato visual com uma torre próxima, conectar-se a ela e deixar que alguém assumisse a tarefa de rotear a mensagem. Os protocolos de nível inferior variam conforme seu uso, como são o FTP (File Transference Protocol), TCP (Transmission Controle Protocol) e o P2P (Pear to Pear). Todos visam fazer o papel das lentes verdes ou vermelhas das torres de Napoleão, tal que a informação chegue íntegra ao seu destino. O Skype e o WhatsApp usam o P2P por ser mais rápido, mesmo com alguma perda de segurança na transmissão.

Tudo, entretanto, depende de os endereços públicos, fornecidos pela IANA sejam tidos como válidos, mais ou menos como se tudo dependesse de o nome de cada torre napoleônica ser ou não conhecido. Ora, se um bloco de torres ficar anônimo, a informação não chegará até ele e, para ir de um ponto a outro, terá de dar a volta nesse bloco fantasma. E os usuários, que dependerem desse bloco para se comunicarem com o exterior ficarão totalmente isolados. Experimente não pagar a conta e a Tele que o atende não lhe entregará um endereço IP.

No próximo capítulo o tema será como a Internet se transformou em uma terra de ninguém, derrubando fronteiras e fragilizando soberanias.

LUIZ ALBERTO MELCHERT DE CARVALHO E SILVA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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