A BIOGRAFIA DE HENRIQUE MEIRELLES, UM GRANDE VENDEDOR

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Sua saída do banco não foi por motivo de aposentadoria – como a reportagem fazia crer -, mas por suas cabeçadas quando a Argentina entrou em crise e o banco precisou de um executivo com perfil de controller para administrar o prejuízo. 

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Leio nos jornais que o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, está lançando sua biografia. E, nela, se apresenta como primeiro brasileiro presidente de um banco internacional, o Bank of Boston. 

Imediatamente me lembrei de uma matéria enorme da revista Veja, assinada por Eurípides Alcântara, quando Meirelles estava preparando suas malas para voltar ao Brasil. 

Era uma matéria rocambolesca. Entre outras coisas, dizia que Meirelles foi o executivo brasileiro que atingiu o maior nível entre empresas americanas, ao se tornar presidente do Bank Boston. Que, para assumir o cargo, teve que jurar pela Constituição americana e ter a aprovação do G7 – o grupo das 7 maiores economias do mundo.  Era de um deslumbramento absolutamente ignorante. 

Alguns meses antes, eu participei de dois eventos com Meirelles. Um, em um seminário do Sebrae em Goiânia. Outro, em um seminário da Abrapp, a Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar. 

No primeiro, Meirelles narrou como conquistou os acionistas do Bank of Boston. Na época, o Brasil fazia a festa do capital externo. Com Fernando Henrique Cardoso na presidência, Pedro Malan no Ministério da Fazenda, e Gustavo Loyolla, no Banco Central, o país oferecia a mais alta taxa de juros do planeta e a garantia de um câmbio controlado. Até um verdureiro conseguiria lucrar à frente de um banco.  

Os lucros foram tantos que os acionistas do banco – famílias tradicionais e conservadoras de Boston – quiseram conhecer o Brasil. Na primeira viagem, desembarcaram no Rio de Janeiro. Lá, Meirelles tinha preparado uma recepção com sambistas cariocas, mulatas belíssimas com vestimentas escassas. A tradicional família de Boston se escandalizou. 

Ele preparou, então, uma outra recepção em São Paulo. Aqui, foram recebidas por moças vestidas de forma comportada, educadíssimas. As bagagens foram transportadas para os hotéis, tudo muitíssimo bem organizado – segundo as palavras de Meirelles. 

Foi o que teria conquistado os acionistas, que o levaram para ser Global President do banco. 

No encontro da Abrapp, sua palestra era anterior à minha. Mas me pediram para que participasse da palestra dele, como comentarista. Na fala, ele mostrou como resolveria em dois tempos a dívida externa brasileira. 

“Simplesmente” juntaria todos os credores, asseguraria que todas as dívidas entrassem no mesmo pacote. Ao perceber que havia uma saída coletiva para a dívida, imediatamente eles reduziriam os juros e o país estaria salvo. 

Perguntaram minha opinião. Eu disse que havia uma rodovia na América Latina que era atravessada pela cordilheira dos Andes. Como fazer para juntaras duas pontas da rodovia? Imitando a resposta anterior de Meirelles: “simplesmente removo a cordilheira e as duas pontas da rodovia poderão ser integradas”. 

Ele não apreciou muito minha resposta. 

Mas eu conhecia o papo de Meirelles desde meus tempos de Dinheiro Vivo, a coluna que mantinha na Folha e, depois, o programa que mantive na TV Gazeta. 

Meu primeiro contato com Meirelles foi para levantar a matemática financeira do leasing – para a coluna sobre matemática financeira que mantinha no Dinheiro Vivo. Aliás, sua tese, no Coppead – onde se formou – foi sobre leasing. 

Depois, na TV Gazeta, levei-o algumas vezes para entrevistas. Ele chegava acompanhado de meia dúzia de seguranças, uma extravagância que não era seguida nem por presidentes de bancos maiores. Fazia o mesmo quando ia consultar com seu psiquiatra em um prédio da alameda Lorena. 

Mais tarde, quando montei a Agência Dinheiro Vivo, tínhamos um programa na rádio Scala. O Boston decidiu patrocinar. Depois, uma antiga amiga dele me disse que Meirelles escolheu o programa porque frequentava aulas de dança e a Scala tinha um repertório de músicas dançantes. 

O grande vendedor 

E aí chegamos à reportagem de Veja. 

No dia 19 de dezembro de 2002 publiquei um artigo na Folha retificando sua biografia. 

Sobre seu sucesso no banco: “De executivos brasileiros que conheceram bem o trabalho de Meirelles em Boston, fica-se sabendo que era considerado excelente vendedor, conquistando muitos clientes para um banco que nunca teve atuação dinâmica na região. A capacidade de conquistar clientes e vender produtos é a chave do seu sucesso, não a administração, as finanças ou o planejamento”. 

Contava, também, que Global President não significava presidente global – como fazia crer a reportagem de Eurípides -, mas presidente da área internacional do banco, composta apenas pelo Brasil e pela Argentina. 

Sua saída do banco não foi por motivo de aposentadoria – como a reportagem fazia crer -, mas por suas cabeçadas quando a Argentina entrou em crise e o banco precisou de um executivo com perfil de controller para administrar o prejuízo. 

Além disso, Meirelles gerou um clima de insatisfação no banco quando adquiriu um apartamento de US$ 5 milhões em Nova York e pretendeu mudar-se para lá, alegando que Boston era quieta demais para seu gosto.  

Na Veja, dizia-se que  cursou o programa de administração da Harvard Business School, “acessível apenas a um seleto grupo de executivos internacionais”. Mostrei que era um curso de dois meses de duração, acessível a qualquer executivo que pudesse pagá-lo. Tinha entre 60% e 65% de estrangeiros, em geral executivos em atividade. 

Também não deu para confirmar sua afirmação de que participava do conselho de oito universidades, dentre as quais sete estrangeiras. Das universidades consultadas, ele participava do Deans Consulting Adviser do Boston College e da Kennedy School of Governement. Já a Harvard Businnes School e a Sloan School of Management (MIT) não tinham nenhum registro dele. Mesmo o Coppead, onde Meirelles fez mestrado, garantia que ele só aparecia para os eventos e nunca foi do conselho. Já o Bryant College confirmava que ele ganhou o título de doutor honoris causa em 1997. 

Dizia a Veja:  “Considerado o executivo brasileiro mais bem-sucedido no exterior, trocou sua carreira de sucesso no mundo dos negócios para se inserir ativamente na discussão político-brasileira”. Álvaro de Souza, do Citicorp, Alain Belda, da Alcoa, e Carlos Ghosn, da Nissan, ocuparam cargos de muito maior relevância em empresas muito maiores. Meirelles era apenas o diretor internacional de um banco médio norte-americano. 

Quando saiu a coluna, Meirelles entrou em pânico e me convidou para um almoço no Mássimo. Segundo a coluna que saiu em 21 de dezembro de 2022, “Henrique Meirelles diz ter ficado “estupefato” com o teor de algumas reportagens veiculadas sobre ele no final de semana, inclusive quanto a aspectos de sua vida profissional, como a notícia de que havia sido necessária a aprovação do G-7 [grupo dos sete países capitalistas mais ricos do planeta” para sua indicação para presidente do BankBoston”. 

Disse ter conversado com o jornalista apenas pelo telefone e em nenhum momento foi indagado sobre o G7. E esclareceu seu papel no banco. 

Sua ascensão no Boston, em 1996, deveu-se a dois fatores. O primeiro era a pouca experiência do banco com mercados emergentes e de capitais. O BankBoston era basicamente um banco de crédito e de atacado. A segunda foi a aquisição de um banco de varejo da região. O único executivo do banco com experiência de varejo era Meirelles, por sua atuação na filial brasileira. 

Segundo ele, teve papel de destaque até 1999 – por três anos, portanto – quando houve a fusão. Aí foi rebaixado para a área internacional do banco. 

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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