Publicado em 1 de setembro de 2024, 7:00|Atualizado em 2024-08-31T21:58:37-03:00, 21:58
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Tive meu primeiro contato com o tema nuclear já trabalhando no Jornal da Tarde, no início dos anos 80. A revista Nova, da Editora Abril, me encomendou um trabalho sobre o acordo nuclear. Pesquisei no ótimo Departamento de Documentação do Estadão e levantei quase cem artigos sobre o tema. Estudei durante uma semana para o artigo.
Pouco depois, o então repórter Paulo Andreoli, do Estadão, publicou artigo sobre a venda de plutônio brasileiro para um país da Ásia – não me lembro se Iraque ou Arábia Saudita. Dava detalhes, inclusive, do vôo que transportou a mercadoria, saindo de São José dos Campos.
Por aqueles tempos, o Estadão atravessava sua pior fase. Com a construção da sede, o jornal entrou em crise financeira. A direção foi assumida por Miguel Jorge, antigo jornalista da casa, e Júlio Cesar Mesquita, filho de Júlio Mesquita Neto, e o menos preparado da sua geração.
A reportagem provocou uma série de matérias ironizando o Estadão. Lembro-me especialmente da revista Veja que, pouco antes, fizera nota sobre o necrológio de um cavalo, que saiu na seção de mortes do Estadão, cujo titular era o insigne editor Toninho Boa Morte – como era tratado.. Na Folha, a pancadaria veio de José Nêumane, repórter talentoso, que havia começado quase na mesma época que eu no jornalismo.
No Estadão, o clima ficou horroroso. Era toda a imprensa caçoando de um jornal centenário, sem estrutura sequer para se defender. Eu tinha bom contato com a fonte original da notícia, Bernardo Kucinski, correspondente do The Guardian, e repórter de alta credibilidade, que me confirmou a operação.
De manhã, tínhamos reunião de pauta com Ruizito Mesquita, herdeiro de Rui que representava a família na redação do JT. Terminada a reunião disse-lhe para conversar com seu tio, Júlio Neto. Se quisesse, poderia calar as críticas com um artigo apenas.
Fui autorizado, escrevi o artigo, devolvendo todas as ironias que os demais veículos tinham despejado sobre o Estadão, ao apontar as inconsistências técnicas das suas críticas. O Estadão chamou o físico José Goldenberg para analisar. Ele perguntou se o artigo tinha sido escrito por algum físico, o que me deixou realizado.
O trabalho que fiz, me ajudou a identificar as melhores fontes do setor. Na época, o acordo nuclear com a Alemanha fizera água, quando o governo Geisel constatou que o Brasil teria que financiar totalmente um novo método de enriquecimento de urânio, o chamado jett nozzle.
Seguiu-se uma enorme discussão sobre os caminhos que o país deveria trilhar. Goldenberg, através da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) defendia o sistema de água pesada, adotado pela Argentina.
A Marinha já tinha começado a estudar o sistema de ultracentrífugas, desenvolvido pelo gênio do Almirante Othon. Havia entrevistas a granel com Goldenberg, com Luiz Pingueli Rosa, do COPPE. Mas a mais completa era de Rex Nazareth, dada para a Folha. Formado na Sorbonne, atuou na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), como presidente e diretor-executivo. Era apenas uma entrevista, mas com mais conteúdo que a soma das demais.
Nos anos seguintes, constatou-se cabalmente o acerto da escolha da Marinha.
Nos anos 90, decidi conhecer Rex Nazareth. Ele estava dirigindo o Instituto Militar de Engenharia, na Praia Vermelha. Foi uma viagem duplamente reconfortante. Primeiro, por conhecer o campus onde meu pai tinha registrado seu diploma de farmacêutico, nos anos 30. Depois, conhecer pessoalmente o grande Rex Nazareth.
Lá, fui apresentado a um mundo fantástico de inovações tecnológicas. O IME já trabalhava no desenvolvimento de drones, em equipamentos que permitiam captar movimentos em rios e escavações de terras – ótimo para presídios ou rios do Amazonas.
Mas, para minha absoluta surpresa, Nazareth veio me indagar como poderia sensibilizar alguém do governo para os produtos que estavam sendo desenvolvidos. Era inacreditável a incapacidade do Estado brasileiro de fazer circular as informações internamente.
Nos anos seguintes, tornei-me um apaixonado pela tecnologia militar. Montei seminários sobre o tema. Com o Almirante Allan Arhur chegamos a planejar uma maneira de convencer o governo FHC a unificar os institutos militares, de maneira a permitir uma interação e aproveitamento maior das pesquisas.
Guardo com carinho condecorações que recebi da Marinha, da engenharia do Exército. E a decepção com o pouco espaço que os técnicos militares tinham nas respectivas forças. E quando leio que as Forças Armadas brasileiras transitam suas informações pelos satélites de Elon Musk, dá um desânimo danado.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)