O real desvalorizou 1,34% diante do dólar no dia seguinte à, esperada, indicação, pelo presidente Lula, de Gabriel Galípolo para ser o presidente do Banco Central, em substituição a Roberto Campos Neto, cujo mandato expira em 31 de dezembro. Entretanto, como o dólar teve desempenho de alta diante de todas as moedas depois que dados fortes sobre o desempenho da economia americana afastaram o risco de recessão e a necessidade de baixas mais vigorosas nos juros dos Estados Unidos em 18 de setembro, pelo Fed.
Com o mercado consolidando as expectativas de baixa inicial de 0,25% nos “fed funds”, atualmente na faixa de 5,25%-5,50% ao ano, ao meio-dia, além da alta diante do real, o dólar avançava 1,06% frente ao peso mexicano, 0,15% ante a lira turca, 0,70% diante do franco suíço e 0,53% em relação ao iene. Já o euro caía 0,44% frente ao dólar e a libra esterlina desvalorizava 0,24%.
Afastado o risco de recessão nos EUA, os indicadores das bolsas americanas subiram nos EUA, bem como na Europa, mas o ritmo mais lento de baixa projetado para os juros provocou quedas no Japão e no Brasil, (-0,80% no Ibovespa por volta do meio-dia). O mercado de commodities também reagiu e o contrato do barril tipo Brent para novembro subiu 1,10% a US$ 78,46.
Ontem antecipamos a indicação de Galípolo. Hoje reproduzo duas análises que sintetizam o grande desafio de quem se senta na cadeira do Banco Central: conciliar a política monetária com a política fiscal. Quando a 2ª ajuda, tudo melhora na economia; do contrário, o maior desastre foi provocado por Paul Volcker no Federal Reserve Bank, em 1979, quando elevou os juros a 19-20% ao ano e quebrou o México e os países emergentes que se endividaram para fazer a reciclagem da economia ao 1º choque do petróleo.
LCA Consultores: “Gabriel Galípolo foi qualificado para o posto no Banco Central devido ao seu bom entrosamento com a equipe da Fazenda e os demais diretores do BC, além de seu discurso firme em prol do cumprimento da meta de inflação. Sua missão imediata é garantir a convergência do IPCA para o objetivo de 3,0%. Apesar de suas recentes declarações terem sido bem recebidas pelo mercado, ainda há dúvidas sobre se ele promoverá um efetivo aperto da política monetária”.
“Após o anúncio de sua indicação, as taxas de juros do mercado futuro de DI variaram modestamente para os vencimentos de janeiro de 2025, 2026, 2030 e 2035 (entre 2 de 6 pontos base, com maior intensidade nos prazos mais longos), e a taxa cambial também se elevou. A inclinação da curva de juros também se elevou um pouco (+ 4 pb entre 2035 e 2025).”
“A estratégia do governo parece ser aprovar a mudança de cargo de Galípolo antes de encaminhar os nomes dos três novos diretores no final do ano. Com a indicação de Galípolo, abre-se mais uma vaga na diretoria do BC, já que os diretores de Regulação, Otávio Damaso, e de Relacionamento, Carolina de Assis Barros, também chegarão ao fim de seus mandatos em 31 de dezembro. É provável que os substitutos sejam anunciados após as eleições municipais, com a sabatina de Galípolo possivelmente sendo feita na primeira quinzena de setembro, conforme sugerido pelo presidente da CAE, Senador Vanderlan Cardoso”.
Genial Investimentos: “Como Gabriel Galípolo já faz parte da diretoria da instituição a mais de um ano, sua nomeação para a presidência é positiva e não gerou grandes movimentações nos preços dos ativos financeiros. Entretanto, algumas dúvidas permanecem entre os investidores. A principal pergunta que tem preocupado os investidores é se a futura diretoria terá a mesma persistência na busca da meta para a inflação se comparado à atual diretoria, uma dúvida que foi reforçada pela divisão da votação da reunião do Copom de maio de 2024, quando o Comitê decidiu reduzir a SELIC em 0,25 pontos de porcentagem, com 4 votos a favor de uma queda maior, de 0,5 p.p., todos dados pelos diretores indicados pelo atual governo, inclusive o voto de Galípolo”.
“Porém, desde então, não apenas as decisões de interromper a redução da Selic foram tomadas por votação unânime de todos os diretores, assim como, nas últimas semanas, o diretor Gabriel Galípolo tem dado declarações no sentido de indicar que não hesitará em aumentar a taxa de juros caso seja necessário para levar a inflação para a meta de 3,0% ao ano. De qualquer forma, nossa avaliação é que será necessário algum tempo e decisões claramente técnicas para que a credibilidade seja integralmente reestabelecida”, conclui a Genial.
Considero que a maior sintonia entre o BC (que calibra a política monetária 12 a 18 meses adiante) e a Fazenda (que gere as receitas menos despesas no dia-a-dia) vai ajudar a evitar erros de visão, como em 2023, decorrentes do isolamento, voluntário, de Campos Neto nas discussões com a equipe de transição, em dezembro de 2022. O entrosamento teria permitido operar 2023 com juros mais baixos. Agora, tudo depende do diferencial entre Brasil e EUA.
Revisão de gastos 2025: medidas paliativas
Em coletiva de imprensa, com a participação de Secretários dos Ministérios do Planejamento, Fazenda e Previdência, foi confirmado o valor estimado de R$ 25,9 bilhões de revisão de gastos para 2025, concentrados no INSS (R$ 7,3 bilhões) + R$ 3,2 bilhões nas revisões de aposentadorias por incapacidade e no BPC (R$ 6,4 bilhões). O valor será incluído no projeto de lei orçamentária anual (PLOA) de 2025, enviado amanhã pelo Executivo ao Congresso.
Outros itens de cortes foram: Proagro: R$ 3,7 bilhões; R$ 1,9 bi por revisão de gastos e R$ 1,8 bi por reprogramação; Bolsa Família: R$ 2,3 bilhões por reprogramação; e R$ 2 bilhões em pessoal; Seguro Defeso: R$ 1,1 bilhão, por revisão de gastos, segundo resumo jeito pela LCA Consultores.
A LCA aponta que o esforço está concentrado no “pente-fino” de benefícios, checagem de enquadramento e formas de concessão. Os números estão dispersos por várias despesas e parecem realistas, tendo como base trabalhos do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP).
Mas o “pente-fino” de benefícios só produz impactos ao longo de vários meses. O governo realizou limpeza no Bolsa Família, em 2023, com remoção de famílias desenquadradas, mas, a economia potencial foi imediatamente consumida por outras despesas, como a criação de benefícios complementares a crianças até 6 anos e adolescentes até 18 anos, além da incorporação de famílias que estavam na fila de acesso ao programa.
Para a LCA, as medidas não enfrentam os principais desafios e inconsistências do arcabouço fiscal. Quase todas as medidas são pontuais, de recorrência limitada, que facilitam a manutenção o limite de gastos por mais um ano. Não ajudam a mudar a trajetória esperada da despesa total, pois o espaço a ser aberto com essas medidas acaba absorvido por outros gastos, vide BF.
Isto é, a despesa total de 2025 deve ser apresentada exatamente no limite de gastos máximo e as medidas não contribuirão para um melhor resultado primário no ano que vem. Talvez não por acaso, a apresentação teve como nome “revisar para repriorizar”. Não há qualquer sinal de reformas estruturais das despesas no curto prazo, sublinha a consultoria.
Itaú prevê alta de 1% no PIB
O PIB do 2º trimestre deste ano será divulgado na próxima terça-feira, 3 de setembro, pelo IBGE e o Itaí estima que indicador tenha crescido 1,0% na margem, com ajuste sazonal. Em termos anuais a expectativa é de avanço de 2,8%. O banco destaca o setor de serviços, que deve mostrar alta anual semelhante à observada no trimestre anterior (2,8%, ante 3,0% no 1º trimestre). A indústria deve ter registrado crescimento de 3,2% na mesma comparação (2,8% no 1º) e o setor agropecuário deve seguir negativo, com queda de 0,8% (ante -3,0% no 1º)
Para o 2º semestre, com os juros estacionados em 10,50% ao ano desde maio, o Itaú espera “uma desaceleração do PIB para um crescimento em média de 0,2% na margem, dado o menor impulso fiscal e monetário”. Se confirmadas as estimativas, o crescimento no ano será de 2,5%, segundo o Itaú.
GILBERTO DE MENEZES CÕRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)