NETANYAHU É MAIS PERIGOSO QUE PUTIN

Benjamin Netanyahu está a causar danos bem mais graves à Democracia, ao Estado de Direito, e, em geral, às construções ideológicas que caracterizam a chamada Civilização ou Cultura Ocidental, do que aqueles que estão a ser provocados por Vladimir Putin.

É sempre difícil graduar o nível de monstruosidade dos criminosos de guerra.

Mas, quando o líder parlamentar do partido do governo (o CDS é um apêndice útil), na sua ânsia de tirar votos ao Chega, despudoradamente afirma publicamente que, se tivesse de votar para as eleições presidenciais nos EUA, teria muita dificuldade em escolher entre Harris e Trump, é mesmo necessário proceder a essa graduação.

Apesar de essa escolha de vilões (que são realmente vilões) constituir uma arma de arremesso na guerra ideológica entre as Direita e as Esquerdas do Ocidente (e de o resto do Mundo se estar completamente “nas tintas” para essas lutas que para os habitantes dessa parte do planeta são, no mínimo, irrelevantes), vamos começar com um clássico: Hitler versus Stalin.

Efectivamente, no século XX foram muitos os dirigentes políticos responsáveis por grandes matanças de seres humanos que não estavam em condições de se defender – e essa actividade criminosa continua a ser amplamente praticada ainda hoje e não apenas na Faixa de Gaza ou nos territórios da Ucrânia e da Federação Russa – que os “promotores” deste debate nunca referem, apesar de serem igualmente merecedores de, com aqueles dois, disputar um lugar nesse miserável pódio.

Não quero com isto significar que Hitler e Stalin não são monstros. Claro que são.

O que quero significar é que não são os únicos e que o combate pela Democracia e pelo Estado de Direito exige que esses outros vis criminosos também não sejam ignorados.

Voltemos, então, àquela parelha de notórios assassinos e analisemos de forma objectiva os factos históricos com eles relacionados.

Um foi o iniciador de uma Guerra Mundial e o outro acreditou até ao fim que o Pacto de Não Agressão Germano-Sovietico iria ser cumprido. Um foi um genocida – porque quis exterminar um Povo inteiro, os judeus -, o outro um assassino em massa de seres humanos indiferenciados cuja única característica comum era ele, Stalin, achar que eram seus opositores e opositores das suas ideias e das suas políticas.

Um criou campos de prisioneiros cujo objectivo essencial era proceder ao extermínio das pessoas que aí eram conduzidas, o outro edificou campos de concentração (os gulag) com muito escassas condição de habitabilidade que se destinavam a manter os dissidentes e outros indesejáveis afastados dos restantes membros da Comunidade, campos esses em que muita gente morreu.

Claro que estas duas criaturas manifestavam um idêntico desprezo pelos outros seres humanos, nomeadamente os seus concidadãos (os judeus alemães eram alemães), mas perante estes factos, que são irrefutáveis, não me custa concluir que Hitler foi pior que Stalin.

E, usando o mesmo tipo de observação dos factos concretos – e nunca esquecendo que o Diabo está nos detalhes -, também não me custa concluir e afirmar que Benjamin Netanyahu está a causar danos bem mais graves à Democracia, ao Estado de Direito, e, em geral, às construções ideológicas que caracterizam a chamada Civilização ou Cultura Ocidental, do que aqueles que estão a ser provocados por Vladimir Putin.

Vejamos.

Tanto um como o outro, são criminosos sanguinários para os quais vale tudo para atingir os objectivos que se propõem alcançar, desconsiderando totalmente a destruição e a perda de vidas que desses seus actos possam resultar.

Tanto um como o outro, independente dos argumentos/pretextos que invocam para justificar as suas acções, querem aumentar os territórios dos seus países e tanto um como o outro violaram diversas normas de Direito Internacional, em especial as previstas na Carta das Nações Unidas, a começar por aquela que estabelece a inviolabilidade das fronteiras internacionalmente reconhecidas dos Estados.

E então o ataque do Hamas, que foi, sem qualquer dúvida, um acto terrorista sanguinário, não conta?

Claro que sim, mas o Direito e a regulação do funcionamento das Sociedades minimamente civilizadas assentam no respeito de um princípio fundamental e estruturante, a saber: o princípio da proporcionalidade.

E a resposta das forças armadas israelitas está a ser claramente desproporcionada e a chacina de palestinianos que por elas está ser cometida roça o genocídio.

E a disparidade entre os meios de combate e o  tipo de armamento usados pelos judeus e a virtual inexistência dos mesmos por parte dos palestinianos, é verdadeiramente obscena.

Na verdade, ao contrário do que acontece na guerra entre a Ucrânia e a Federação Russa, em que, mercê do apoio da NATO à primeira, existe uma quase equivalência entre as forças em combate, na Faixa de Gaza há só um exército a combater.

Ou mais exactamente, há apenas um exército, que, ainda por cima, é um dos melhores treinados e equipados do Mundo, a fazer tudo o que quer e lhe apetece, porque “os outros” não dispõem de quaisquer meios para se lhes opor.

Muito sinceramente, face a essa desproporção de meios, a agressão aos indefesos palestinianos é, para mim, um inegável acto de cobardia que devia causar vergonha àqueles que a cometem.

Mas cobardias destas já aconteceram em outras ocasiões e momentos históricos.

Portanto, é lícito perguntar como é que este crime contra a Humanidade causa mais danos à Democracia, ao Estado de Direito e à Civilização/Cultura Ocidental do que os praticados a mando da camarilha de Putin?

Em boa verdade, esses danos não resultam dos actos desses criminosos, mas sim da duplicidade das respostas que os países ocidentais estão a dar ao comportamento desses dois bandidos e dos seus múltiplos seguidores.

E o facto de os dirigentes dos países ocidentais não serem capazes de ver a insana e miserável hipocrisia da sua conduta, totalmente contrária aos valores éticos e morais que constituem o núcleo central da Civilização e da Cultura do chamado Ocidente, é já um fortíssimo sinal de quão débil e doente está a nossa Democracia. E, de igual modo, o nosso Estado de Direito.

E quando perdemos a liderança moral que resulta do reconhecimento pelos outros – ou tão só da sua percepção – de que os cidadãos e cidadãs dos países ocidentais, porque dispõem, na sua concreta vida quotidiana, de condições de liberdade de pensamento, liberdade de escolha e liberdade de acção, pautam os seus comportamentos por esses valores éticos e morais que apregoamos ser os nossos, é a própria ideia de Democracia e a de Estado de Direito que perdem força por todo o Mundo.

E isso é algo muito perigoso quando, como acontece actualmente, o Mundo se encontra mesmo à beira de uma Terceira Guerra Mundial, que Benjamin Netanyahu deseja mais do que Putin (que se colocou numa posição de quase total dependência do governo da República Popular da China, que não está interessado na eclosão de um conflito dessa magnitude).

Repare-se que é exatamente quando a oportunidade de um acordo de cessar-fogo se está a mostrar viável que Israel procede a um ataque que inviabiliza essa possibilidade.

E ataques esses que são realmente cirúrgicos e precisos, o que demonstra à saciedade que a resposta ao criminoso ataque do Hamas não tinha, de todo, de passar pelo massacre que está a ser perpetrado na Faixa de Gaza.

Claramente, esse atentado do Hamas foi um pretexto para tudo o que se seguiu e que já se virou contra os próprios judeus, não apenas os que vivem em Israel, mas em geral por todo o Mundo.

Benjamim Netanyahu é a ajuda que os anti-semitas precisavam para ajudar a difundir o seu ódio aos judeus.

E, como acontece com todas as formas de racismo, xenofobia ou qualquer outro tipo de preconceitos baseados no ódio aos que são “diferentes”, o fortalecimento dessas ideias ética e socialmente nocivas e perigosas e moralmente repugnantes constituem igualmente um atentado à Democracia e ao Estado de Direito.

É por isso que é imperioso, aliás, vital e totalmente indispensável inverter este caminho eivado de hipocrisia que estamos a percorrer.

Confesso que não estou optimista.

EURICO REIS ” REVISTA SÁBADO” ( PORTUGAL)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *