Em discurso na reunião anual do Banco da Reserva Federal de Kansas City, hoje, em Jackson Hole (Wyoming), o presidente do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos, Jerome Powell sentenciou: “a inflação caiu significativamente. O mercado de trabalho não está mais superaquecido, e as condições agora são menos apertadas do que aquelas que prevaleciam antes da pandemia. As restrições de oferta se normalizaram. E o equilíbrio dos riscos para nossos dois mandatos [controle da inflação e assegurar pleno emprego] mudou”.
Assim, disse: “Chegou a hora de a política se ajustar. A direção da viagem é clara, e o momento e o ritmo dos cortes de taxas [a partir da reunião de 18 de setembro do Federal Open Market Committee (FOMC)] dependerão dos dados recebidos, da perspectiva em evolução e do equilíbrio de riscos”.
E prosseguiu: “Faremos tudo o que pudermos para dar suporte a um mercado de trabalho forte à medida que avançamos em direção à estabilidade de preços. Com uma redução apropriada da contenção política, há boas razões para pensar que a economia retornará a uma inflação de 2%, mantendo um mercado de trabalho forte”.
“O nível atual da nossa taxa básica de juros nos dá amplo espaço para responder a quaisquer riscos que possamos enfrentar, incluindo o risco de enfraquecimento indesejado nas condições do mercado de trabalho, concluiu Powell.
Qual o nível da largada
Lembrou o jornal “Washington Post” que “as taxas estão atualmente entre 5,25 e 5,5%, onde permaneceram desde julho de 2023. A questão em aberto agora é se as autoridades optarão por um corte mais agressivo no mês que vem — meio ponto em vez do mais típico quarto de ponto (0,50% ou 0,25%)”.
Após anos lutando contra uma inflação perigosamente alta, Powell, em seu discurso no Simpósio Econômico de Jackson Hole, mudou notavelmente em direção ao mercado de trabalho, que ele disse “ter esfriado consideravelmente”. As autoridades conseguiram justificar a manutenção das taxas no nível mais alto em mais de 20 anos, em parte porque não estavam vendo consequências para os trabalhadores.
Agora, o equilíbrio de riscos mudou do aumento dos preços para o enfraquecimento do mercado de trabalho — consolidando o caso para cortes nas taxas. “Não buscamos nem acolhemos mais resfriamento nas condições do mercado de trabalho”, disse o presidente do Banco Central (dos EUA), para uma plateia da qual fazia parte o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Dólar volta a cair no Brasil
Nos mercados de câmbio a fala de Powell foi um tiro certeiro. O dólar enfraqueceu ante todas as moedas. O euro avançava 0,60% às 11:30, enquanto a libra esterlina valorizava 0,90%. O dólar perdia 0,21% contra o franco suíço e 0,62% frente ao iene.
No caso do real, após a alta súbita de ontem, quando a moeda fechou em R$ 5,5890, após alcançar a máxima de R$ 5,5964, o dólar abriu a sexta-feira cotado a R$ 5,5890 e subiu a R$ 5,6061, mas as cotações não se sustentaram com a fala de Powell. A moeda americana chegou a cair a R$ 5,4940, mas às 11:45 estava cotada a R$ 5,41,17, numa queda de 1,22%. E o Ibovespa sobe 0,81%
Jacson Hole e o ouro de tolo
O site do “Financial Times” tem extensa reportagem na edição de hoje (na qual a manchete é a fala de Powell), sobre a crescente preferência pelo ouro, como reserva de valor – diante da turbulência no câmbio. Mas a questão das apostas contra o real, na arbitragem de taxas de juros entre Brasil e Estados Unidos, chega a lembrar a canção de Raul Seixas “Ouro de tolo”.
Houve quem apostasse, simultaneamente, que o FED baixaria os juros em 0,50% em 18 de setembro e, na mesma data, três horas e meia depois o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) elevaria a taxa Selic dos atuais 10,50% para 11,00%. Com base nisso haveria ganho extra, de 1% na arbitragem dos juros, um ganho equivalente à descoberta de um filão de ouro. Há, porém, que confunda resíduos de mica com resíduos de ouro
Toda a confusão foi feita porque o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, que é o mais cotado para suceder a Campos Neto em 31 de dezembro, e cuja indicação pode sair ainda este mês para dar tempo de exame no Senado, junto com seu eventual substituto, falou que “se necessário, o Copom não hesitaria em elevar os juros”.
Elevar juros é sempre uma hipótese na mesa do Copom. Assim como manter ou reduzir. E as autoridades monetárias precisam sempre ter o porrete na mesa para intimidar manobras especulativas tanto no mercado financeiro como na formação de estoques (ante ameaça de alta de juros, comerciantes e industriais procuram desovar os estoques, o que baixa preços). A persuasão é uma das armas da política monetária.
Mas, daí a imaginar que Galípolo estava antecipando uma alta de juros seria primário, por várias razões. 1º, porque a autoridade monetária não pode antecipar movimentos de alta ou baixa, salvo quando inevitável (como fez Campos Neto em abril, quando Powell anunciou, em Washington, que não baixaria os juros em maio e o Copom cortou pela metade o anúncio de baixa de 0,50%, antecipado no comunicado da reunião de março); 2º se Galípolo pretende levar para o Banco Central a política do Ministério da Fazenda, de fazer a economia crescer mais (com menor rigor monetário) para a arrecadação crescer e todos os indicadores de endividamento melhorarem, inclusive com estímulo aos investimentos que melhoram a produtividade e reduzes custos da economia, seria um contrassenso defender (para valer) alta de juros; 3º porque poderia gerar reações do presidente Lula, que tanto critica Campos Neto por manter os juros altos, pregar na mesma tecla, queimando sua indicação.
Mas a razão principal é técnica: se o Fed vai iniciar o ciclo de baixa de juros o mais conveniente seria o Copom “pedir mesa” em setembro para ver como os mercados se ajustam. Elevar os juros na contramão travaria a economia no último trimestre (Black-Friday e Natal) e aumentaria as despesas de juros do Tesouro Nacional e das famílias e empresas. Sem necessidade alguma.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
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