O ATAQUE ILEGAL AO IRÃ

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Israel aproveitou a fraqueza momentânea do Irã para atacar. E esse ataque pode se escalar ainda mais

Os ataques consistentes de Israel ao Irã desde 2023 têm sido ilegais, violando a Carta das Nações Unidas (1945). O Irã é um Estado-membro da ONU e, portanto, um país soberano na ordem internacional. Se Israel tivesse um problema com o Irã, existem mecanismos previstos pelo direito internacional que permitem a Israel apresentar queixas contra o país.Play Video

Até agora, Israel evitou esses fóruns internacionais porque é evidente que não tem um caso contra o Irã. As acusações de que o Irã estaria desenvolvendo uma arma nuclear, frequentemente levantadas pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por Israel, foram totalmente investigadas pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e consideradas infundadas. É verdade que o Irã possui um programa de energia nuclear dentro das regras estabelecidas pela AIEA, e também é verdade que o establishment clerical iraniano emitiu uma fatwa (decreto religioso) contra a produção de armas nucleares. Apesar das conclusões da AIEA e da existência dessa fatwa, o Ocidente – incentivado por Israel – aceitou a ideia irracional de que o Irã está construindo uma arma nuclear e, portanto, representa uma ameaça à ordem internacional. Na realidade, com seus ataques pontuais e ilegais ao Irã, é Israel que ameaça a ordem internacional.

Nas últimas décadas, o Irã defendeu a criação de uma Zona Livre de Armas Nucleares no Oriente Médio, uma proposta estranha vinda de um país acusado de querer desenvolver uma arma nuclear. Mas essa ideia foi rejeitada pelo Ocidente, em grande parte para proteger Israel, que possui um programa ilegal de armas nucleares. Israel é o único país do Oriente Médio com uma arma nuclear, embora nunca a tenha testado abertamente nem reconhecido a sua existência. Se Israel estivesse realmente interessado em eliminar qualquer ameaça nuclear, deveria ter apoiado entusiasticamente a proposta de uma zona livre de armas nucleares.

Nem os europeus – que frequentemente se posicionam como defensores do direito internacional – nem a liderança da ONU pressionaram publicamente Israel a adotar essa ideia, pois ambos reconhecem que isso exigiria que Israel, e não o Irã, abandonasse as suas armas nucleares. Como essa é uma situação improvável, não houve avanço por parte do Ocidente ou das instituições internacionais para promover essa proposta e construir um consenso global em prol de um Oriente Médio livre de armas nucleares.

Israel não quer uma zona livre de armas nucleares na região. O que Israel deseja é ser a única potência nuclear do Oriente Médio e, portanto, continuar sendo exatamente o que é: a maior base militar dos Estados Unidos no mundo, que por acaso também abriga uma grande população civil. O Irã não tem ambição de se tornar uma potência nuclear, mas tem o objetivo de ser um Estado soberano comprometido com a justiça para os palestinos. Israel não tem problemas com a soberania em si, mas se opõe a qualquer país da região que apoie a emancipação palestina. Se o Irã normalizasse as suas relações com Israel e cessasse a sua oposição ao domínio dos EUA na região, é provável que Israel encerraria a sua hostilidade contra o Irã.

Israel e os EUA Prepararam o Terreno

Em janeiro de 2020, os Estados Unidos realizaram um assassinato ilegal no Aeroporto de Bagdá, no Iraque, matando o general Qassim Soleimani, líder da Força Quds do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC). Soleimani, por meio da Força Quds, havia criado para o Irã uma política de seguro contra novos ataques israelenses ao país. A Força Quds é responsável por operações militares iranianas fora das fronteiras do país, incluindo a construção do chamado “Eixo da Resistência”, que engloba governos pró-Irã e grupos armados não-estatais. Entre eles estavam:

O Hezbollah no Líbano,

Vários grupos do IRGC na Síria que trabalhavam com milícias locais,

O governo de Bashar al-Assad na Síria,

Diversas facções palestinas na Palestina Ocupada,

O governo Ansar Allah no Iêmen.

Sem um dissuasor nuclear próprio, o Irã precisava de uma forma de equilibrar a superioridade militar de Israel e dos EUA. Essa dissuasão foi criada pelo Eixo da Resistência, uma “apólice de seguro” que permitia ao Irã avisar Israel que, se o país atacasse, esses grupos retaliariam com mísseis em Tel Aviv.

O assassinato de Soleimani marcou o início de uma nova campanha política e militar determinada pelos EUA, Israel e seus aliados europeus para enfraquecer o Irã. Israel e os EUA passaram a atacar sistematicamente bases logísticas iranianas na Síria e no Iraque, buscando minar a presença estratégica do Irã e a desmoralizar as milícias sírias e iraquianas que atuavam contra os interesses israelenses. Israel também começou a assassinar oficiais do IRGC na Síria, no Irã e no Iraque, uma campanha de extermínio que começou a afetar a estrutura da Força Quds.

Aproveitando-se da sua guerra genocida contra os palestinos em Gaza, Israel – com total apoio dos EUA e da Europa – começou a destruir o Eixo da Resistência, a apólice de seguro do Irã. Israel levou a guerra ao Líbano, com bombardeios implacáveis que incluíram o assassinato do líder do Hezbollah, Sayyid Hassan Nasrallah, em 27 de setembro de 2024. Essa campanha, embora não tenha destruído totalmente o Hezbollah, certamente o enfraqueceu. Enquanto isso, Israel iniciou bombardeios regulares contra posições militares sírias em Damasco e ao longo da estrada para Idlib, no norte.

Esses ataques, coordenados com o exército e os serviços de inteligência dos EUA, visavam abrir caminho para a entrada de ex-combatentes da Al-Qaeda em Damasco e derrubar o governo de al-Assad em 8 de dezembro de 2024. A queda do governo sírio abalou a influência iraniana em todo o Levante (da fronteira turca à Palestina Ocupada) e nas planícies do sul da Síria até a fronteira iraniana. Além disso, os constantes bombardeios dos EUA contra posições iemenitas resultaram na perda de equipamentos pesados do Ansar Allah (incluindo mísseis de longo alcance), que representavam uma ameaça direta a Israel.

Isso significou que, no início de 2025, a política de seguro do Irã contra Israel havia colapsado. Israel começou a se preparar para a guerra, sugerindo que um ataque ao Irã era iminente. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu sabe que um ataque assim lhe daria vantagem em sua disputa política interna com os partidos ultraortodoxos sobre a isenção militar para as suas comunidades – evitando a queda do seu governo. O cinismo de Netanyahu o leva a usar o genocídio e a possibilidade de uma guerra horrível com o Irã para fins políticos mesquinhos. Mas não é isso que motiva o ataque. O que realmente o impulsiona é que Israel vê uma oportunidade de derrubar o governo iraniano pela força.

O Irã retomou as negociações mediadas pela AIEA para evitar um ataque. A sua liderança sabia muito bem que nada impediria um país como Israel, que desrespeita as leis internacionais, de bombardear o Irã. E nada o impediu. Nem mesmo o fato de o Irã ainda estar à mesa de negociações. Israel aproveitou a fraqueza momentânea do Irã para atacar. E esse ataque pode se escalar ainda mais.

VIJAY PRASAHAD ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

Historiador, editor e jornalista indiano. Escritor e correspondente-chefe da Globetrotter. Editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research.

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