
CHARGE DE QADDURA
A Autoridade Nacional Palestina foi criada em 1994 como parte dos Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina
O respeitado jornalista Roger Cohen, do New York Times, ressuscita a finada Autoridade Palestina, como esperança de paz para a guerra de Gaza. Relata que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, enviou uma carta aos líderes da França e Arábia Saudita exigindo que o Hamas entregue suas armas, liberte todos os reféns e cesse o governo de Gaza. Esta declaração ocorre antes de uma conferência da ONU que discutirá a criação de um Estado palestino.
Abbas ressaltou que as forças de segurança palestinas supervisionariam a saída do Hamas com apoio internacional. Ele também condenou veementemente o ataque de 7 de outubro liderado pelo Hamas contra Israel.
A carta de Abbas também incluía o compromisso de reformar a Autoridade Palestina e realizar eleições dentro de um ano, embora ele já tenha feito promessas semelhantes no passado.
Israel se opõe ao reconhecimento de um Estado palestino e demonstrou indiferença à conferência da ONU. A França, por sua vez, saudou os “compromissos concretos” de Abbas. A discussão sobre a solução de dois Estados ganhou novo fôlego após a devastação em Gaza.
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Com auxílio da IA, vamos ao Xadrez da Autoridade Palestina.
O que é a ANP?
A Autoridade Nacional Palestina foi criada em 1994 como resultado dos Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Ela foi concebida como um governo interino para administrar partes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza por um período de transição de cinco anos, até a criação de um Estado palestino definitivo — algo que nunca ocorreu.
1. Fase inicial (1994–2000): Criação e dependência
- Israel permitiu a formação da ANP, que passou a exercer controle limitado sobre áreas da Cisjordânia e parte da Faixa de Gaza.
- Contudo, Israel nunca abriu mão do controle total sobre:
- o espaço aéreo, marítimo e fronteiriço;
- movimentação entre áreas palestinas;
- registros civis (como identidade e residência).
- A ANP tornou-se altamente dependente de Israel economicamente e logisticamente.
- Houve cooperação de segurança entre Israel e a ANP, mas com forte assimetria: Israel mantinha a autoridade suprema.
2. Colapso dos Acordos e repressão (2000–2005): Segunda Intifada
- Com o colapso do processo de paz, especialmente após a visita de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas em 2000, eclodiu a Segunda Intifada.
- Israel reagiu com força: reocupou áreas da Cisjordânia, destruiu infraestruturas da ANP e cercou Yasser Arafat em Ramallah até sua morte, em 2004.
- A ANP foi politicamente esvaziada, militarmente humilhada e economicamente paralisada.
- A estratégia israelense passou a ser de contenção, deslegitimação e fragmentação.
3. Fragmentação política e isolamento de Gaza (2006–presente)
- Em 2006, o Hamas venceu as eleições parlamentares palestinas, o que levou à divisão entre:
- Cisjordânia (sob controle da ANP/Fatah);
- Gaza (sob controle do Hamas, após confronto com a ANP em 2007).
- Israel passou a tratar a ANP como uma “autoridade moderada” útil para conter o Hamas, mas sem reconhecer sua soberania real.
- A Faixa de Gaza foi submetida a um bloqueio severo por Israel (e pelo Egito), e a ANP perdeu toda influência sobre o território.
- Israel aprofundou a cooperação de segurança com a ANP na Cisjordânia, mas continuou expandindo assentamentos ilegais e mantendo ocupação militar.
4. Função de subcontratado de segurança
- A ANP tem sido descrita por analistas como um “subcontratado da ocupação”. Seu aparato de segurança colabora com Israel para evitar ataques e protestos palestinos, especialmente contra colonos e soldados israelenses.
- Isso mina sua legitimidade junto à população palestina, que a vê como cúmplice do sistema de opressão.
- Israel tem interesse em manter a ANP fraca, mas funcional: forte o bastante para reprimir protestos, mas fraca demais para exigir soberania ou unidade com Gaza.
5. Controle financeiro e chantagem política
- Israel recolhe e repassa os impostos devidos à ANP, mas frequentemente congela ou retém os fundos por motivos políticos.
- A ANP também depende de ajuda internacional, especialmente da União Europeia e dos EUA, que usam esse financiamento como instrumento de pressão política.
- Em 2023–2024, por exemplo, Israel reteve fundos da ANP sob a justificativa de que parte do dinheiro era usado para pagar pensões a famílias de prisioneiros palestinos, classificados por Israel como “terroristas”.
6. Situação atual (2025): colapso iminente e deslegitimação
- Após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e a guerra em Gaza, a ANP foi ainda mais marginalizada.
- Os EUA e aliados europeus falaram em “revitalizar” a ANP para que governe Gaza após o conflito, mas:
- A ANP não tem legitimidade nem força para isso.
- Israel não demonstra interesse real em fortalecê-la ou permitir um Estado palestino.
- Internamente, a ANP enfrenta crise de legitimidade, envelhecimento de sua liderança (como Mahmoud Abbas) e risco de colapso institucional.
7. Negociações sob hegemonia americana (1990s–2000s)
- Durante as décadas de 1990 e 2000, os EUA se colocaram como “mediadores”, mas eram claramente pró-Israel.
- A ANP participou de várias rodadas de negociações patrocinadas pelos EUA, como:
- Camp David II (2000): colapso das conversas entre Yasser Arafat e Ehud Barak;
- Annapolis (2007): tentativa fracassada de reativar negociações com Mahmoud Abbas e Ehud Olmert.
- Em ambas, os EUA pressionaram a ANP a fazer concessões, sem exigir compromissos equivalentes de Israel, como congelamento de assentamentos ou cronograma claro para a criação do Estado palestino.
A ANP era tratada como parceira nas negociações, mas sem real poder de barganha. Os EUA nunca se mostraram dispostos a confrontar Israel em questões centrais como Jerusalém, direito de retorno ou fim da ocupação.
8. Pressão econômica e chantagem diplomática
- Os EUA são um dos principais financiadores da ANP, o que gera forte dependência financeira.
- Sempre que a ANP toma decisões contrárias aos interesses de Israel ou dos EUA (como buscar reconhecimento da Palestina na ONU), Washington responde com cortes de ajuda.
- Sob Donald Trump (2017–2021):
- Os EUA cortaram quase toda a ajuda à ANP;
- Fecharam o escritório da OLP em Washington;
- Reconheceram Jerusalém como capital de Israel e transferiram a embaixada para lá, rompendo décadas de política diplomática.
- A ANP rompeu relações com Washington, recusando-se a aceitar os EUA como mediadores.
Durante o governo Trump, a ANP foi completamente excluída das decisões e o “Acordo do Século” foi apresentado sem participação palestina.
9. Tentativas de reaproximação com Biden (2021–presente)
- Com a eleição de Joe Biden, a ANP esperava uma mudança de postura.
- De fato, os EUA restauraram parte da ajuda humanitária e diplomática, mas:
- Não reabriram o consulado dos EUA para os palestinos em Jerusalém;
- Não revogaram a mudança da embaixada;
- Continuaram vetando resoluções críticas a Israel na ONU;
- Não fizeram pressão real para congelar a expansão dos assentamentos.
- A ANP voltou a cooperar com Washington, mas com baixa expectativa de avanço.
A relação Biden-ANP tem sido mais simbólica do que substancial: um retorno ao status quo pré-Trump, mas sem ações concretas para impulsionar negociações sérias.
10. O pós-7 de outubro de 2023 e o colapso do papel da ANP
- Após o ataque do Hamas a Israel e a guerra em Gaza, os EUA passaram a sugerir que a ANP poderia “governar Gaza” após a guerra.
- A ANP rejeitou a ideia, dizendo que só assumiria Gaza num contexto de unidade nacional e fim da ocupação.
- Para muitos analistas, os EUA usam a ANP como uma “solução técnica”, sem compromisso com uma paz justa.
- Enquanto isso, a ANP permanece sem legitimidade popular, sem renovação política interna, e sem instrumentos para negociar com firmeza.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)