
CHARGE DE ADAMS
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Não sei se você, caro leitor, pensa como eu, mas essas pesquisas eleitorais para a presidência da República, a 16 meses do primeiro turno de 2026, são peças de ficção. Muita água ainda vai passar debaixo da ponte até outubro de 2026. Como dizia Magalhães Pinto, velho político da UDN de Minas Gerais: “Política é como nuvem, cada hora está de um jeito”. Na minha visão, enquanto não se resolve o inquérito do golpe de 8 de janeiro de 2023, não há previsão de tempo confiável.
A rigor, o contorcionismo dos institutos de pesquisa para avaliar nomes, em muitos casos a pedido dos partidos políticos que ensaiam candidaturas no ano que vem, serve para avaliar a transferência de votos entre o clã Bolsonaro, e para governadores que já não podem mais se candidatar à reeleição verem se conseguem projeção fora de seus próprios estados. Quem não romper os limites estaduais pode desistir da presidência ou de um papel de vice. Resta contentar-se com uma eleição mais garantida, para o Senado.
Na verdade, como indicou a pesquisa Quaest, o brasileiro está cansado da polarização e clama por alternativas a Lula e a Bolsonaro. O deputado e ex-capitão foi eleito em 2018 porque o eleitorado estava saturado do PT no poder e influenciado pelos escândalos da Lava-Jato. Com um detalhe fundamental, o ex-presidente Lula estava preso em Curitiba, pelas artimanhas do então juiz Sérgio Moro, e não pôde concorrer. Coube ao atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assumir a candidatura, em agosto de 2018.
Na eleição de 2022, depois que o Supremo Tribunal Federal considerou que Moro não tinha competência para processar Lula, que foi solto após 580 dias e teve os processos anulados, a população pôde escolher e preferiu a volta de Lula à continuação do desastre que foi o governo Bolsonaro no desmonte dos programas sociais e ambientais. Bolsonaro, o primeiro presidente a perder uma reeleição, não se conformou com a derrota (antes, durante e após o processo eleitoral) e arquitetou um golpe. Agora, está inelegível por oito anos e pode ter suas penas agravadas no julgamento que será retomado esta semana.
Mas o fato de que 65% dos eleitores pesquisados tenham demonstrado rejeição à hipotética volta de Bolsonaro (condenado a oito anos de inegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral) e 66% sejam contra nova candidatura Lula (que faz 80 anos em outubro), dá o que pensar. A população sonha com alternativas. Mas, até agora, os postulantes não empolgam. Sem alternativa a Lula, ainda competitivo, o PT e partidos à esquerda insistem na sua liderança contra qualquer candidato do espectro da direita e ultradireita.
Um abacaxi nas mãos do Congresso
Como rejeitou o paliativo do aumento do IOF proposto pelo Ministério da Fazenda para dar um freio em algumas operações de financiamento ao consumo e evitar mais cortes em programas sociais, o Congresso abraçou a ideia de cortes profundos nos subsídios e renúncias fiscais, e agora está com um abacaxi nas mãos. Levantamento do governo e do TCU apontou um montante de R$ 420 bilhões em subsídios e renúncias fiscais
É uma miríade de incentivos e subsídios, no fundo aprovados pelo próprio Congresso. Envolvem renúncias do Simples Nacional, de R$ 72,12 bilhões para as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus e uma concentração das benesses (29%) em apenas 54 das maiores empresas do país. Sempre foi fácil para o Congresso e o mercado financeiro propor cortes nos gastos do governo e programas sociais. Como agir diante da necessidade de cortar benefícios e privilégios do andar de cima?
Conflito entre o empreendedor e o Estado
O rompimento das relações do magnata Elon Musk com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mostra como política e negócios têm limites que não deveriam ser cruzados. Musk, nascido na África do Sul, e que também tem cidadania canadense, é um grande empreendedor que se tornou o homem mais rico do mundo com arrojados projetos de desenvolvimento tecnológico. Entretanto, eles ganharam grande impulso graças ao apoio do Estado americano. Os gigantescos subsídios à Space X e à Starlink (a primeira, que produz foguetes da série Dragon, que conseguem retornar à Terra, é amparada por mais de US$ 2 bilhões de encomendas da Nasa e do Pentágono) sofreram cortes (foram arrastados pelas tesouras do DOGE, a secretaria que cortaria os custos internos do Estado), o que gerou o rompimento de Musk com Trump e sua saída do governo. Oficialmente, para cuidar da Tesla, a fábrica de veículos elétricos que virou a maior dor de cabeça de Musk, e cuja trajetória de sucessos ou fracassos está atrelada a apoios governamentais.
A Tesla surgiu na Califórnia com a missão de fazer veículos elétricos não poluentes. A Califórnia, estado tradicionalmente democrata, lidera iniciativas ecológicas nos EUA. Assim, a Tesla ganhou grande impulso nos dois governos do democrata Obama, elogiado por Musk. Mas os custos de produção eram altos. Para competir em vantagem com os veículos à explosão, Musk transferiu a produção para a China, onde os custos da mão de obra, dos impostos e da energia seriam menores. Mas os chineses repetiram a reengenharia que fizeram nos carros a gasolina (desmontaram os carros Tesla e os reestudaram, com soluções melhores e a produção dos carros elétricos em linhas robotizadas). Resultado: a Tesla perdeu competitividade para os veículos da BYD e demais fábricas chinesas. O MAGA (Make America Great Again), com os tarifaços de Trump barrando a concorrência estrangeira, foi captado por Musk como oportunidade para relançar a Tesla com fábrica no Texas republicano. Com mais subsídios do governo à Tesla, incluindo propaganda grátis de Trump na largada do governo. Suas ações agora despencam.
Colhido pelas lâminas do DOGE, o império Musk sofre na carne, e quem resumiu o mega barraco foi a edição de sexta-feira do “Wall Street Journal”: “As tensões de longa data entre o presidente Trump e o trilionário Elon Musk vieram à tona na quinta-feira, quando os dois homens trocaram farpas e insultos, sinalizando o rompimento de um relacionamento que havia sido um dos mais importantes na política americana moderna. Trump, abordando publicamente os últimos ataques de Musk ao seu projeto de lei tributária, pela primeira vez, disse estar decepcionado com seu ex-assessor da Casa Branca e sugeriu que o presidente-executivo da Tesla estava sofrendo da “síndrome de perturbação de Trump”. Musk, que gastou US$ 300 milhões para ajudar a reeleger Trump, respondeu em tempo real nas redes sociais que o presidente era ingrato e não estaria sentado no Salão Oval sem seu apoio”.
No Brasil, a mais sangrenta briga por dinheiro envolvendo um presidente desmoronou o governo Collor, primeiro com acusações de seu irmão, Pedro Collor, que envolviam a atuação do tesoureiro da campanha presidencial, o também alagoano Paulo Cesar Farias. O barraco levou à instauração de processo de “impeachment” de Fernando Collor, que renunciou em pleno julgamento e ficou inelegível por oito anos. Voltou à vida política como senador, e à corrupção. Condenado, hoje está preso em Maceió.
Efeitos colaterais de se viver mais
Compartilho com você, caro leitor, interessante artigo do Goldman Sachs Research sobre os efeitos do envelhecimento da população mundial, com o aumento da expectativa de vida. Há problemas. Mas, dos males, é o menor. É bom poder viver mais. Se possível, com boa qualidade de vida. A alternativa é a morte. Ou viver com sofrimento. No Brasil, faltam políticas para garantir melhor qualidade de vida aos idosos e, sobretudo, precauções sobre os efeitos da mudança da pirâmide demográfica. Deixamos de ser o país do futuro e estamos envelhecendo antes de desfrutarmos um Estado de bem-estar social.
“A população global está envelhecendo, impulsionada por uma combinação de aumento da longevidade e declínio da fecundidade. Esse fenômeno é mais pronunciado nas economias desenvolvidas (MDs), onde a “razão da idade ativa” (15 a 64 anos) já caiu de 67% em 2000 para 63%, e a projeção é de que caia para 57% até 2075. Nas economias emergentes, a proporção da população de 15 a 64 anos está próxima de um pico (66%) e deve cair para 61% nos próximos 50 anos”. [Em termos de idade, a questão é simples: nos últimos 50 anos, a idade média aumentou de 30 para 43 anos nas economias dos países de desenvolvimento e de 19 para 30 anos nas economias dos mercados dos países emergentes.]
Segundo a GSR, “as pessoas estão vivendo vidas mais longas e saudáveis. Nos últimos 50 anos, a expectativa de vida média global aumentou de 62 para 75 anos, com as economias desenvolvidas vendo um aumento de 72 para 82 anos e as economias emergentes de 58 para 73 anos. Essa tendência não é universal – a expectativa de vida nos EUA diminuiu ligeiramente na última década – mas, em nível global, não mostra sinais de desaceleração. Em 1925, a Austrália tinha a maior expectativa de vida em 63 anos; em 1975, a Islândia liderou com 75 anos; e hoje, Hong Kong detém o recorde com 86 anos”.
“Esse processo de envelhecimento é frequentemente descrito como uma “bomba-relógio demográfica”, implicando em taxas de dependência crescentes (ou seja, uma queda nas taxas totais de emprego) e em declínio do PIB per capita”. [O efeito principal, já sentido nas economias maduras (Europa e Japão), é o estouro nas contas da previdência social. Mesmo nos países onde se adota o regime de capitalização na previdência, é necessário o constante reajuste – para cima – da idade que habilita os aposentados, pois estes vão viver mais. No Brasil, que adota o regime da repartição (o dinheiro arrecadado é que banca as aposentadorias), se hoje já sobram déficits crescentes, cobertos pelo Tesouro, imagina-se no futuro. Mas o problema do déficit previdenciário é menor no INSS. O X do problema está nas aposentadorias, com altos salários, dos servidores públicos e dos militares.]
“Embora seja correto focar nas implicações econômicas de uma transição dessa importância, os economistas não devem perder de vista o fato de que o aumento da expectativa de vida é um desenvolvimento fundamentalmente positivo. Além de viver mais, as pessoas também estão desfrutando de vidas mais saudáveis, no sentido de que a capacidade funcional dos idosos está melhorando ao longo do tempo. De acordo com estudo abrangente recente, uma pessoa que tinha 70 anos em 2022 tinha a mesma capacidade cognitiva que uma pessoa de 53 anos em 2000. Em um sentido muito tangível, 70 são os novos 53”, diz o estudo citado pelo Goldman Sachs.
“Também está longe de ser claro que as desvantagens econômicas do envelhecimento populacional sejam tão intratáveis quanto são comumente retratadas. Embora o aumento dos custos das pensões do setor público continue sendo uma preocupação para algumas economias, o meio mais eficaz de neutralizar o impacto do envelhecimento nas taxas de dependência é estender a vida útil. Felizmente, essa tendência já está em movimento: enquanto a expectativa de vida média esperada nas economias desenvolvidas aumentou 5% desde 2000 (de 78 para 82 anos), a vida útil média efetiva aumentou 12% (de 34 para 38 anos) e a parcela da população total empregada aumentou de 46,0% para 48,3%”.
“Em outras palavras, apesar do grande declínio nas taxas de idade ativa de DM que já ocorreu, as taxas de dependência de DM na verdade caíram. Essa tendência de estender a vida útil mostra poucos sinais de redução e está ocorrendo em países com mudanças mínimas nas leis previdenciárias, sugerindo uma resposta adaptativa ao aumento da longevidade. Em um mundo com um número crescente de problemas aparentemente intratáveis – das mudanças climáticas ao populismo econômico – o envelhecimento populacional é uma preocupação a menos. Viver mais é realmente algo bom”.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)