
CHARGE DE AROEIRA ” BLOG BRASIL 247″
Enquanto o país não encontra o rumo, Haddad cumpre sua missão, tentando, dentro dos limites estreitos definidos pelo governo
A falta de rumo político muitas vezes provoca o fenômeno da autofagia partidária. É o que está acontecendo nesse momento, com os ataques de parte do PT ao Ministro da Fazenda Fernando Haddad, talvez o melhor quadro do PT. Há uma enorme incompreensão sobre os desafios e os riscos enfrentados.
Tem-se o seguinte quadro:
- Um Congresso majoritariamente de oposição.
- Uma mídia corporativa empenhado na desmoralização diuturna do governo, escondendo qualquer feito e escandalizando qualquer bobagem,
- Um mercado que (assim como a mídia) já escolheu seu campeão branco, Tarcísio de Freitas e fará de tudo para levá-lo à presidência.
Toda essa construção, sem alicerces, equilibra-se na superfície frágil da política monetária por conta de uma de suas pernas: os efeitos sobre o dólar.
Nem se vá discutir a irracionalidade de um modelo que joga o controle da política monetária nas mãos do mercado e depois exige mais juros altos para compensar o peso da dívida sobre o PIB, fruto justamente dos juros altos. Fiquemos no fato concreto: as limitações existem. E tudo gira em torno do livre fluxo de capitais.
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Mais que isso. A ordem econômica ocidental está em ruptura. Toda a ordem econômica, em torno do dólar, está ruindo, o centro dinâmico da economia mudando-se para a Ásia. É um terremoto que torna impossível avaliar os desdobramentos. Só depois que a terra se assentar cada país poderá aquilatar os efeitos e encontrar seu rumo.
Por isso mesmo, em algum ponto qualquer do futuro, o país terá que partir para as grandes escolhas: a nova ordem do BRICS ou continuar no raio de influência de uma potência cada vez mais autoritária, desprezando todas as instituições multilaterais? Continuará um barco levado pelas ondas do livre fluxo de capitais ou imporá freios a esse jogo louco?
Nao se trata se escolha fácil. Olhando de fora, até é possível prever que, em algum ponto do futuro, o eixo do Brasil se deslocará para a Ásia. Mas em qual momento, sob quais condições? Ainda mais sabendo do extraordinário poder de desestabilização exercido pelo Departamento de Estado, ainda mais aliado ao monstro do bolsonarismo, que, em 2018, nasceu sob a complacência do Supremo Tribunal Federal.
É nesse terreno movediço que Haddad tenta levar o barco do governo, na parte que lhe toca: alcançar o equilíbrio primário nas contas. E o faz com o desprendimento e a responsabilidade dos grandes homens públicos, que ousam correr riscos, dentro dos limites que lhe são permitidos.
Não se esqueça que Haddad liderou discussões no G20 sobre a criação de uma taxação global sobre os super-ricos. A proposta brasileira visa estabelecer uma alíquota mínima global de 2% sobre a renda dos bilionários, com o objetivo de financiar ações contra a pobreza e as mudanças climáticas. Essa iniciativa ganhou apoio de diversos países, incluindo França, Espanha e Colômbia, e foi considerada uma “conquista moral e ética”.
No episódio do IOF sobre transações externas, acabou recuando depois do terrorismo de que a medida poderia provocar uma fuga de capitais do país, similar ao movimento especulativo de dezembro passado.
Agora, acena-se com o custo do IOF sobre o crédito interno. Ora, se se admite que afeta o custo do crédito, deveria ser num argumento para a redução proporcional da Selic. Mas usam-se os pequenos para justificar a isenção aos ricos e manter intocado o controle do mercado sobre a Selic.
Enquanto o país não encontra o rumo, Haddad cumpre sua missão, errando, acertando, mas tentando, dentro dos limites estreitos definidos pelo governo, mas sempre pensando no interesse nacional. Alguém menos responsável quedaria no cargo sem ousar respirar forte.
O melhor a fazer seria o próprio partido abrir uma discussão técnica, trazendo a academia, especialistas em mercado, em geopolítica, em política interna, para começar a desbravar o novo normal que virá pela frente.
E pare de queimar seu quadro mais competente.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)