NÃO DEU NO NEW YORK TIMES

A duras penas, com as torneiras fechadas porque o Congresso não tinha aprovado o Orçamento Geral da União 2025, o setor público consolidado registrou superávit primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida pública) de R$ 14,1 bilhões em abril. Maio já acabou e já na última revisão bimestral do OGU, no começo do mês passado, o governo acendeu a luz amarela. Diante da desaceleração tanto das receitas quanto das despesas neste ano, mas com os juros em escalada, que contraem o crescimento da economia (3,4% em 2024 e 2,4% na previsão oficial deste ano), tratou de amarrar o cinto com contenção de R$ 31,3 bilhões nas despesas.

Como sempre, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, procura dividir os sacrifícios do ajuste estrutural das contas públicas com cortes de despesas e tentativas de aumento de arrecadação sobre setores beneficiados com a alta dos juros. Como o setor produtivo e as famílias endividadas não aguentam mais uma alta de juros que derrubam a economia e a arrecadação, só gerando despesas para o endividado Tesouro Nacional e lucros para banqueiros e rentistas, Haddad lançou mão de mais alcance no Imposto sobre Operações Financeiras. Encarece o crédito de forma mais localizada e é privativo da União. Como atinge operações dentro do mercado, o centro financeiro da Faria Lima chiou e acionou seus tentáculos no Congresso para reverter a medida.

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, sem fazer distinção, disse que a sociedade não aguenta mais aumento de impostos (esqueceu de colocar a ressalva – “alta sociedade”) e deu ultimato de 10 dias, já corridos, para Haddad encontrar alternativas, e anunciou disposição de fazer reformas estruturantes. Muita gente acreditou que Motta falava sério, e que a Câmara (e, quem sabe, o Senado) aprovariam cortes importante em subsídios, renúncias fiscais e privilégios que alcançam sempre o andar de cima, incluindo os cortes das mordomias dos parlamentares, junto com a limitação dos altos salários.

Nada disso. Motta quis misturar na proposta de Reforma Administrativa a desvinculação do ganho real do salário-mínimo (a cota do crescimento do PIB para os brasileiros que estão na ativa da remuneração mínima das aposentadorias e programas sociais como o BPC), com desvinculação dos quinhões constitucionais da Saúde e da Educação no OGU.

Creio que a discussão é salutar. A maior causa imediata dos déficits das contas públicas é a Previdência Social. A causa remota é o Funrural. Quando houve a geada do café no Paraná e São Paulo, em julho de 1975, as lavouras foram erradicadas e os fazendeiros abandonaram o colonato. Trocaram o café pela soja mecanizada no PR e por lavouras de cana e cítricos em SP. As famílias dos colonos, que plantavam milho, feijão e mandioca nas “ruas” do café, ficaram sem trabalho. Para tirar os encargos das costas, os fazendeiros os inscreveriam no Funrural, que pagava meio salário-mínimo. O ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, resistiu, pois quebraria a Previdência. Os defensores diziam que era de 400 mil a turma desalojada do café.

Em um ano, todos os fazendeiros dos quatro cantos do país inscreveram os colonos no Funrural. E a migração do campo para a periferia das cidades mudou o país. O INSS quebrou, pois os segurados do Funrural, que somaram 4 milhões, nunca recolheram contribuição. Veio a Constituinte e decidiu dobrar o Funrural (e o BPC), argumentando (sem prever receita) que ninguém poderia ganhar menos que o salário-mínimo. O debate segue atual. Nas vinculações do OGU às pastas, defendo orçamentos plurianuais, adaptados às mudanças indicadas pelos Censos do IBGE – a radiografia do país jovem de 1988 é bem diverso da pirâmide etária que cresce a fatia dos idosos e tende a piorar.

Se o Congresso quisesse discutir para valer as reformas estruturantes para ajustar as normas orçamentárias ao perfil atual e futuro do país (que as reformas da Previdência tentam, cosmeticamente, fazer), não teria proliferado os lobbies que enfraqueceram muito a Reforma Tributária, com tantas exceções que a carga tributária, na simplificação dos impostos sobre o consumo, vai ficar entre 27,5% e 28%. E a resistência às pressões do ministro Haddad para limitar no tempo e na fatia do abate as deduções do Perse, o programa para compensar as perdas dos setores de eventos na pandemia? Os shows são hoje a grande fonte de renda dos artistas, com baixo pagamento de impostos. E, ainda, os subsídios da Zona Franca de Manaus, serão atacados?

Haddad manda a real

Na segunda-feira, 26 de maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, citou que a equipe econômica havia descoberto “uma caixa preta no Orçamento federal de R$ 800 bilhões de renúncia fiscal”. Segundo uma fonte, seguramente a renúncia de arrecadação federal devido a benefícios tributários chegará a R$ 800 bilhões neste ano, podendo até inviabilizar a máquina pública. Susto geral. No orçamento de 2025, enviado pelo governo ao Congresso em agosto de 2024, a Receita estimou que a renúncia de arrecadação será de R$ 544,47 bilhões este ano. A cada ano os fatos superam as previsões. No ano passado, as empresas do agronegócio declararam isenções de R$ 158,2 bilhões, quase R$ 100 bilhões acima dos R$ 58,9 bilhões previstos no Orçamento. O Congresso aceitaria cortes no Orçamento Secreto?

O espírito altruísta do Congresso e oportunista pode ser resumido na última manifestação do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), relator da proposta de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil mensais em 2026 (estimado em 10 milhões de pessoas, contra compensação de maior tributação para quem ganhar acima de R$ 50 mil mensais). Lira condicionou a aprovação do IOF a compensações de perdas de receita dos Estados e Municípios. È verdade que o IOF é exclusivo da União. Mas, como medir o aumento ou perda de receita comparada a medidas alternativas, como a alta dos juros?

Acho graça porque, em 2022, Arthur Lira era presidente da Câmara e aprovou, sem qualquer restrição, o drástico, temporário e eleitoreiro (valeria de 1° de julho a 31 de dezembro de 2022) corte de impostos federais e o ICMS dos estados (que é repartido aos municípios) nos combustíveis, energia elétrica residencial e das comunicações. Os estados e municípios reclamam até hoje ao governo Lula (que pagou a conta da farra eleitoral).

Não deu no ‘New York Times’

Em plenos anos de chumbo da ditadura, que durou 21 anos no Brasil, os jornais brasileiros mediam a repercussão externa de certos casos ocorridos no país – nos porões da repressão política –  pela notícia ter saído no jornal “The New York Times”, na época muito mais influente que o “The Washington Post”. O “Post” ganhou relevância com as denúncias do caso Watergate (a invasão do escritório do Comitê Democrata em Washington, por espionagem, de “arapongas” do governo Nixon, em junho de 1972, cuja cobertura sistemática dos fatos levou a processo de “impeachment” do presidente reeleito Richard Nixon, com julgamento na Suprema Corte dos Estados Unidos, e à sua renúncia em 9 de agosto de 1974. O “Pasquim”, com o saudoso Henfil, usava muito o mote “deu no New York Times”, ou “não deu”, para valorizar notícias.

Recorro a essa imagem para falar das supostas sanções atribuídas pelo Secretário de Estado, Marco Rubio, ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Ninguém ignora o fato a Eduardo Bolsonaro, que abandonou o seu mandato de deputado federal (PL-SP), com licença de 120 dias na Câmara, em março, para se radicar nos Estados Unidos, onde cavaria junto aos amigos e aliados da ultradireita dos EUA ações do governo dos Estados Unidos a imposição de sanções contra integrantes do Supremo, da Procuradoria Geral da República e da Polícia Federal, pelo que considera ser uma “perseguição política” a si mesmo e a seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está sendo julgado com mais 33 pessoas pela Primeira Turma do STF pelas tentativas de golpe que culminaram nas ações de depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, no 8 de janeiro de 2023.

Pois bem, as versões das fontes ligadas ao deputado – agora cotado pelo papai Bolsonaro a compor uma chapa para concorrer à presidência em 2026 – deram conta nas últimas semanas que eram iminentes as sanções pesadas do governo Trump contra o ministro Alexandre de Moraes, com amplificação das palavras do secretário Marco Rubio que, quando anunciou suspensão de visto para mais de 300 mil estudantes chineses nos EUA, ao ser perguntado se haveria sanção a Moraes, disse que “não seriam aceitas restrições a redes sociais nos Estados Unidos nem censura a residentes nos EUA”.

Isso é o óbvio. A jurisdição das leis brasileiras é limitada ao território nacional e aos cidadãos brasileiros. Salvo ordens de prisão, após condenação da Justiça brasileira, com pedido de captura do réu pelos terminais da Interpol, um mandado judicial do Brasil não pode se sobrepor à lei americana. E vice-versa.

Mas, segundo as versões, parecia que os Estados Unidos cassariam o passaporte de Moraes, sequestrariam eventuais depósitos em bancos americanos, bem como o uso de cartões de crédito por lá, por abusos nos julgamentos do golpe e das “fake News”. Sem visto no passaporte, qualquer cidadão se torna ilegal em território de outro país e está limitado nas transações financeiras. O respeitado jornal inglês “Financial Times” noticiou na quarta-feira, 28 de maio, que o “Brasil faz última tentativa de “lobby” para evitar sanções dos EUA a juiz de alto escalão”. E acrescentou que o “Governo Trump simpatiza com argumentos conservadores de que a liberdade de expressão está ameaçada no país sul-americano”.

Eduardo Bolsonaro já era celebrado como herói.

Só que não. A decisão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em telegrama enviado dia 27, terça-feira, ao Ministério da Justiça do Brasil, era um ofício que nada tem a ver com o inquérito do julgamento do golpe e das tramoias antecedentes. Segundo o “The New York Times”, em matéria do dia 30, sexta-feira, “o Departamento de Justiça disse que o ministro Moraes poderia aplicar as leis no Brasil, mas que não poderia ordenar que empresas tomassem medidas específicas nos Estados Unidos”.

O caso em questão é referente a uma ordem de Alexandre de Moraes – que é o relator do caso das “fake News” e, por preventa (extensão) tornou-se relator do inquérito do golpe – para que a rede social americana Rumble bloqueasse perfis de um usuário no Brasil. Assim como Moraes exigiu e conseguiu, depois de muitos esperneio às multas (devidamente pagas) que a rede X (de Elon Musk) designasse um diretor responsável no Brasil, para se submeter às leis brasileiras que, eventualmente, impõem remoção de postagens. Alexandre de Moraes está sendo alvo de um processo movido pelas empresas do presidente Trump Media & Technology Group, e pela plataforma Rumble.

O busílis da questão é o seguinte: Moraes pode impor restrições no Brasil, mas estas não se transferem ao território americano. Do mesmo modo, os Estados Unidos não têm qualquer possibilidade de interferir nas leis brasileiras, e muito menos nas decisões do Supremo Tribunal Federal atinentes ao território nacional e a cidadãos brasileiros no país. Se fosse um telegrama do Departamento de Estado dos EUA, chefiado pelo secretário Marco Rubio, estaria criado um grave caso diplomático entre o Brasil e os Estados Unidos. Mas, ao vir um telegrama do Departamento de Justiça a seu homólogo no Brasil, o Ministério da Justiça, mesmo com a citação a Alexandre de Moraes, percebe-se que os EUA recuaram um pouco.

Na quarta-feira, 28, no dia seguinte ao telegrama, o secretário de Estado anunciou que os Estados Unidos iriam restringir os vistos para “funcionários estrangeiros e pessoas cúmplices na censura de americanos”. Em uma publicação no X, Rubio disse que “americanos foram multados, assediados e acusados por autoridades estrangeiras por exercerem seus direitos de liberdade de expressão” e, portanto, essas pessoas “não deveriam ter o privilégio de viajar para o nosso país”.

Soberania territorial

Como lembrou o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, que atuou para jogar água na fervura, a alegada aplicação da Lei Magnitsky está circunscrita ao território americano. Criada para punir graves violações de direitos humanos e casos de corrupção transnacional, a lei deve ser usada nos EUA, e não em outros países. “Os EUA podem tomar medidas nos EUA. A Lei Magnitsky não pode ser extraterritorial e não pode atingir cidadãos brasileiros dentro do Brasil”, disse Vieira. Mas, isso os bolsonaristas que afrontam a Constituição também ignoram.

Olho roxo de Musk, soco ou drogas?

Em extensa reportagem no “The New York Times”, de autoria de Kirsten Grind e Megan Twohey, ilustrada com a foto do bilionário Elon Musk com o olho direito roxo, na despedida do governo Trump no salão Oval da Casa Branca, na sexta-feira, 30 de maio, o jornal insinua que a causa pode ter sido o uso cada vez mais intenso de drogas “muito mais intensamente do que se sabia anteriormente, segundo pessoas familiarizadas com suas atividades”. O NYT relata que “o consumo de drogas de Musk ia muito além do uso ocasional. Ele dizia às pessoas que estava tomando tanta cetamina, um anestésico potente, que isso estava afetando sua bexiga, um efeito conhecido do uso crônico [o uso intenso de cetamina foi uma das causas da morte do ator Matthew Perry, um dos astros da série “Friends”, no ano passado].

À medida que Elon Musk se tornou um dos aliados mais próximos de Donald Trump no ano passado, liderando comícios barulhentos e doando cerca de US$ 275 milhões para ajudá-lo a chegar à presidência, ele também estava usando drogas muito mais intensamente do que se sabia anteriormente, segundo pessoas familiarizadas com suas atividades. Musk usava Ecstasy e cogumelos psicodélicos. E viajava com uma caixa de medicamentos diários que continha cerca de 20 pílulas, incluindo algumas com as marcas do estimulante Adderall, segundo uma foto da caixa e pessoas que a viram.

O NYT pondera não estar claro se Musk, 53 anos, estava usando drogas quando se tornou uma figura constante na Casa Branca este ano e recebeu o poder de cortar a burocracia federal [ao receber uma motoserra do presidente argentino Javier Millei, de óculos escuros em plena noite, em 20 de fevereiro, no primeiro mês do governo, ele parecia um astro de rock em ambiente psicodélico]. No comando do DOGE, o departamento de corte de custos na burocracia, segundo o NYT, “ele apresentou comportamento errático, insultando membros do gabinete, fazendo gestos semelhantes a um nazista e embaralhando suas respostas em uma entrevista encenada”. O DOGE deu chabu, assim como os últimos lançamentos da SpaceX.

Ao mesmo tempo, a vida familiar de Musk tornou-se cada vez mais tumultuada enquanto ele negociava relacionamentos românticos sobrepostos e batalhas legais privadas envolvendo seu crescente número de filhos, segundo documentos e entrevistas. O empresário com dupla nacionalidade sul-africana e canadense tem uma vida privada atribulada, sendo pai de 14 filhos com três mulheres diferentes. Nesse turbilhão, não é de se admirar que seus negócios, a Tesla, a Space X, a Starlink e a rede social X, estejam com muitos problemas e perdendo valor em 2025. Na quarta-feira (28) à noite, Musk anunciou que estava encerrando sua passagem pelo governo, após lamentar quanto tempo havia gastado na política em vez de seus negócios. Cortina de fumaça: as ações do governo Trump, com encomendas do Pentágono e subsídios do governo, são vitais para a recuperação dos seus negócios.

Musk e seu advogado não responderam a pedidos de comentário do NYT esta semana sobre seu uso de drogas e vida pessoal. Ele já disse anteriormente que foi receitado cetamina para depressão, tomando-a cerca de uma vez a cada duas semanas. E disse ao seu biógrafo: “Eu realmente não gosto de usar drogas ilegais”. É preocupante. Os nazistas também usavam drogas potentes.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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