
Relator da Comissão de Anistia, Rodrigo Lentz fala sobre as perseguições contra Dilma e o longo caminho até o reconhecimento do Estado
A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania reconheceu oficialmente, na última quinta-feira (22), a ex-presidenta Dilma Rousseff como anistiada política. A decisão corrige um erro histórico e reverte o indeferimento feito durante o governo Bolsonaro. Trata-se do reconhecimento pelo Estado brasileiro das violências que Dilma sofreu sob a ditadura — prisão, tortura, perseguição — e do direito à memória, verdade e justiça que lhe foi negado por décadas.
O relator do processo, conselheiro Rodrigo Lentz, definiu o caso como “um dos mais paradigmáticos de perseguição política durante a ditadura. Foi uma oportunidade de demarcar como isso faz parte de um padrão autoritário das instituições do Estado brasileiro, herdado do colonialismo e do escravismo”, disse, em entrevista ao jornalista Luis Nassif, no programa TV GGN 20 Horas [confira o link abaixo].
“É um momento em que ressignificamos a noção de anistia. O Estado não está concedendo nenhum tipo de graça a ninguém. Ao contrário: o Estado democrático está pedindo desculpas a uma cidadã brasileira que foi vítima de graves violações, de atos de exceção motivados exclusivamente por razões políticas. É um pedido de perdão por todo o sofrimento, por todas as injustiças, por todas as atrocidades cometidas pelo Estado e por seus agentes contra essa pessoa. E é um momento muito marcante. É como uma catarse coletiva, algo profundamente emocionante. São fatos ocorridos há décadas, que ainda assim causam um impacto imenso”.
O processo de anistia
Dilma Rousseff foi presa em 1970, aos 22 anos, e passou quase três anos atrás das grades, submetida à brutal tortura nos principais centros de repressão do regime militar, como o DOI-Codi e a Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo. Em 2008, durante depoimento ao Senado, ela não escondeu a verdade: mentiu sob tortura para proteger seus companheiros de militância. “Mentir sob tortura não é fácil. E eu me orgulho muito de ter mentido, porque salvei companheiros da morte”, afirmou, deixando claro o preço da resistência contra a barbárie.
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O requerimento de anistia foi protocolado há 23 anos, em 2002 — ano em que a Comissão foi criada —, mas passou por um longo hiato. Dilma pediu a suspensão do processo enquanto ocupava cargos nos governos Lula e, depois, na Presidência da República. A tramitação só foi retomada em 2016, após o golpe do impeachment, mas acabou indeferida durante o governo Bolsonaro.
A anistia, como explicou Lentz, reconhece os anos de perseguição sofridos por Dilma, incluindo sua prisão em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, além da exoneração forçada do cargo técnico que ocupava na Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Foi retirada da função por estar incluída em uma lista de “subversivos infiltrados”, montada pelo então ministro do Exército, general Silvio Frota.
Após a prisão, Dilma retomou a vida pública como técnica da Fundação de Economia e Estatística, mas foi forçada a sair. Na década de 1990, recebeu uma anistia parcial, com readmissão no cargo, mas sem os efeitos retroativos. O novo pedido, analisado agora, exigia o cumprimento integral da Lei da Anistia: reintegração como se jamais tivesse sido afastada por razões políticas.
O reconhecimento veio acompanhado do pagamento de uma indenização de R$ 100 mil. Dilma já havia recebido valores parciais em decisões anteriores, mas os doou a iniciativas voltadas à preservação da memória e ao combate à tortura.
Durante a sessão, a procuradora federal aposentada, Ana Maria de Oliveira, presidente da Comissão, leu o pedido de desculpas oficial do Estado brasileiro. “Esta comissão, pelos poderes que lhe são conferidos, lhe declara [Dilma Vana Rousseff] anistiada política brasileira e, em nome do Estado brasileiro, lhe pede desculpas por todas as atrocidades que lhe causou o estado ditatorial; causou à senhora, a sua família, aos seus companheiros de luta e, ao fim e ao cabo, a toda a sociedade brasileira”.
Para Rodrigo Lentz, “Esse é um dos momentos mais marcantes da anistia. Não se trata de concessão. É o reconhecimento de que o Estado cometeu crimes, e precisa reparar. Dilma, então estudante de Ciências Econômicas da UFMG, entrou no radar do aparato repressivo em 1969. Presa no ano seguinte, sofreu choques elétricos, espancamentos, suspensão em pau de arara e ameaças constantes. Ela foi vítima de um padrão institucionalizado de brutalidade”, relembrou o relator.
CARLA CASTANHO ” JORNAL GGN” ( BRASIL)