
CHARGE DO BLOG CAFÉZINHO
Parte da imprensa política deixou de lado o verdadeiro jornalismo para se dedicar a uma espécie de cruzada ideológica travestida de apuração
Há algo de poético e heroico nos filmes ambientados nas redações do New York Times. Homens de gravata torta e mulheres de olhar cansado buscam a verdade como quem persegue um assassino serial. Lá, o jornalismo ainda é retratado como sacerdócio. No Brasil, nossas redações, em muitos casos, parecem cortiços disfarçados de templo — com seus profetas vendidos e suas santas sonsas.
Assistir a esses filmes, confesso, me comove. Mas é a comoção do enlutado diante do caixão do que poderia ter sido. Porque o jornalismo, por aqui, ainda escreve com sangue — só que raramente é o do algoz.
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Parte significativa da imprensa política brasileira deixou de lado o verdadeiro jornalismo para se dedicar a uma espécie de cruzada ideológica travestida de apuração. Não se trata mais de informar, mas de alinhar-se com os humores e interesses dos controladores do capital midiático. A cobertura política, em especial desde a era Lava-Jato, passou a operar descaradamente como um braço editorialmente armado para silenciar qualquer dissonância ao projeto ideológico em curso.
Durante a Lava-Jato, a imprensa corporativa encontrou sua catarse. Transformou o jornalismo em espetáculo, a manchete em sentença, a dúvida em veredicto. Não se limitou a reportar: caçou. E caçou com gosto. O alvo? Um partido progressista com falhas inegáveis, mas que ainda simbolizava uma alternativa à sanha ultraliberal agora rebatizada de “libertarismo”, essa caricatura que cultua o mercado como divindade e o Estado como inimigo.
Não foi erro. Foi escolha. E como toda escolha ideológica, teve consequências: ao mirar obsessivamente na esquerda, a grande imprensa normalizou e pavimentou o caminho do bolsonarismo. Alimentou o monstro com editoriais e silêncios coniventes. Quando a criatura mostrou os dentes para seus criadores, veio o recuo tático: reabilitaram Lula — não por convicção democrática, mas por necessidade de sobrevivência institucional. Um gesto utilitário, jamais ético.
Hoje, assistimos ao renascimento da “terceira via”, essa abstração centrista que, no Brasil, sempre se traduz em retrocesso para os de baixo. Sob esse guarda-chuva, ressurgem as ladainhas sobre meritocracia, empreendedorismo de ocasião, desprezo pelos pobres, misoginia direcionada e etarismo de conveniência. E contra Lula — e especialmente contra Janja — voltam os arroubos moralistas de sempre, agora despidos até da necessidade de coerência. Afinal, no jornalismo que se pratica, não é preciso argumentar: basta destruir reputações.
A ética jornalística, quando existe, é corporativa. A autocorreção inexiste. O erro não é revisto, é promovido. A mentira, reiterada. Os profissionais, protegidos por uma bolha de cumplicidade mútua, fingem-se objetivos enquanto olham para as câmeras com aquele semblante frio, burocrático, de quem diz, sem dizer: “estamos apenas salvando nossos empregos”.
Esse não é o jornalismo do futuro. É a reprise requentada de um passado tosco, agora com mais cinismo e menos vergonha.
ALEXANDRE COSLEI ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Alexandre Coslei, jornalista e professor