A ausência de uma política nacional para a mineração de terras raras expõe uma lacuna crítica na governança ambiental e estratégica
Peça 1 – o potencial de terras raras
Terras raras são o novo petróleo da economia mundial. Esses minerais são cruciais para diversas tecnologias avançadas, como:
- Celulares
- Automóveis elétricos
- Geradores de energia eólica
- Superímãs
- LEDs
- Refinarias de petróleo (uso de lantânio na produção de gasolina)
O Brasil possui a segunda reserva mundial de terras raras, com 23% do total descoberto, superado apenas pela China. Apesar disso, a produção brasileira representa apenas 1% da produção global.
A ausência de uma política nacional específica para a mineração de terras raras expõe uma lacuna crítica na governança ambiental e estratégica do país. O licenciamento ambiental se dá de forma descoordenada, com órgãos locais repassando a responsabilidade para instâncias superiores.
Não há, até o momento, um esforço articulado entre governo federal, estados, universidades e comunidades locais para avaliar os impactos sociais e ecológicos de longo prazo, tampouco para definir um modelo de exploração que favoreça a soberania e o desenvolvimento regional.
Tudo que você precisa saber. Todos os dias, no seu e-mail.
Assine nossa newsletter para não perder os principais fatos e análises do dia.
Vamos ver na prática os efeitos dessa descoordenação.
Peça 2 – a invasão australiana
A região do Planalto de Poços de Caldas atraiu o interesse de pelo menos quatro empresas australianas: Viridis, Meteoric Resources, Enova Mining e Axel REE.
Essas mineradoras disputam licenças para atuar em áreas ricas em terras raras, incluindo os municípios de Caldas, Andradas e Águas da Prata.
O capital das empresas é o seguinte:
Empresa | Capital | |
A$ milhões | US$ milhões | |
Viridis Mining and Minerals Ltd | 23,87 | 15,52 |
Meteoric Resources NL | 245,37 | 159,49 |
Enova Mining Limited | 6,38 | 4,15 |
Axel REE Limited | 10,47 | 6,81 |
O capital está em dólar australiano, convertido em dólar americano na proporção de 0,65 para 1.
Todas têm capital irrisório para explorar a atividade, inclusive a maior, a Meteoric. Querem apenas montar um project finance e ir atrás de financiadores, ou vendendo seus direitos. Não agregam nada ao país. Operam como startups mesmo, tendo na sua composição geólogos brasileiro, como José Marques Braga Jr., que foi geólogo principal da CBMM, a maior produtora mundial de nióbio. Ou então, donos de lavra, como Rafael Viola Mottin, da Enova.
A composição do capital das 4 empresas é a seguinte:
Ou seja, todo seu negócio consiste em conseguir direito de lavra, licença ambiental e passar para frente.
Peça 3 – a parceria com a Unifal
Aí entra uma complicação a mais: a adesão de uma universidade federal ao projeto.
Em 2024, a Universidade Federal de Alfenas (Unifal) firmou um convênio com a Viridis Critical Minerals, prevendo a instalação de uma planta-piloto de beneficiamento de terras raras em seu campus em Poços de Caldas (MG). Embora a proposta envolva um investimento de R$ 1,44 milhão e a união de pesquisa com prática industrial, a iniciativa foi alvo de críticas contundentes.
Pelo acordo, a Unifal cedeu um terreno para a implantação de um polo tecnológico no campus. Segundo a universidade, a cessão do espaço segue a Resolução nº 98/2024 do Conselho Universitário da UNIFAL-MG, que regulamenta a cessão onerosa de áreas para polos tecnológicos nos campi da universidade. O processo foi realizado por meio de um Edital de Chamamento Público nº 001/2025, homologado pelo Conselho Universitário em 15 de janeiro de 2025 e publicado no Diário Oficial da União.
Os críticos acusam o contrato de ter sido direcionado à Virid, pela ausência de qualquer outro candidato. Entre os problemas apontados estão a falta de licenciamento ambiental, a escassa divulgação da chamada pública (que teve apenas a Viridis como participante) e o fato de o contrato ter sido assinado antes da homologação pelo conselho universitário.
Ponto mais relevante: a imagem da universidade pode estar sendo usada como chancela para legitimar a atuação da empresa junto aos órgãos reguladores — em um processo que carece de transparência e participação social.
Peça 4 – os problemas ambientais
A principal técnica proposta pelos australianos, para a extração das terras raras, é a lixiviação com sulfato de amônio — um método agressivo, já banido na China devido ao alto potencial poluidor. A região em questão é geologicamente fraturada, o que eleva o risco de contaminação dos aquíferos e da bacia hidrográfica do Rio Grande, que abastece milhões de brasileiros.
A lixiviação envolve o uso de grandes volumes de soluções químicas (ácidas, alcalinas ou cianeto, dependendo do mineral). O principal risco é a contaminação de águas superficiais e subterrâneas por essas soluções e pelos metais pesados e outros elementos tóxicos que podem ser lixiviados juntamente com o mineral de interesse. Isso exige:
A avaliação ambiental de um projeto de lixiviação é complexa e deve ser feita através de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) robustos. Isso inclui:
- Análise do ciclo de vida: Avaliar os impactos desde a extração das matérias-primas para os reagentes até a disposição final dos resíduos.
- Modelagem hidrológica e hidrogeológica: Prever o movimento das soluções e potenciais contaminantes no solo e na água.
- Testes de lixiviação: Determinar o potencial de lixiviação de metais e outros elementos dos resíduos.
- Planos de contingência: Para vazamentos, derramamentos e outros acidentes.
- Monitoramento ambiental contínuo: Da qualidade da água, solo, ar e da saúde dos ecossistemas.
- Tecnologias de tratamento: Para efluentes líquidos e recuperação de reagentes.
- Encerramento da mina e reabilitação da área: Planos detalhados para garantir que o local seja restaurado após o fim da operação.
A China enfrentou problemas graves com esse método. A técnica envolvia criação de poços e bacias no solo, injeção de soluções ácidas diretamente nas camadas de argila ou construção de piscinões. A solução, então, era bombeada para tratamento.
Esse método criou problemas ambientais críticos: contaminação generalizada da água e do solo, degradação do solo e da vegetação, desmatamento, impactos na saúde humana.
Além da consolidação da indústria, impedindo a exploração predatória, China definiu uma regulamentação ambiental bem mais severa:
- Revestimentos impermeáveis: Uso obrigatório de geomembranas em lagoas e pilhas de lixiviação para evitar vazamentos.
- Gerenciamento de efluentes: Tratamento e reciclagem das soluções lixiviantes e efluentes para minimizar a descarga.
- Monitoramento ambiental: Monitoramento contínuo da qualidade da água, solo e ar.
- Reabilitação de áreas degradadas: Iniciativas para remediar os locais históricos de contaminação.
Peça 5 – uma política nacional para terras raras
O caminho para uma política nacional para terras raras é óbvio. Público os passos principais apenas para dar uma ideia da complexidade do tema, exigindo a participação de setores e ministérios diversos:
Situação atual – baixa capacidade tecnológica para extração e processamento. Dependência de importação de tecnologias que utilizam terra raras.
Desafio – falta de marco regulatório e incentivos financeiros. Dificuldade em atrair investimentos devido ao alto custoi inicial e à complexidade tecnológica.
Estratégia
P&D – investir em pesquisas e desenvolvimento para as tecnologias necessárias.
Polos industriais – próximos às reservas minerais, para reduzir custos logísticos.
Crédito e subsídios – para empresas que atuem na cadeia produtiva de terras raras,
Parcerias – PPPs e parcerias com universidades para fomentyar a inovação.
Meio ambiente – práticas e mineração sustentável; estímulos à economia circular e criação de uma agência regladora para o setor.
Gestão e monitoramento – monitorar uso estratégico de reservas para evitar a exploração predatória e garantir a segurança nacional.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)