
“Meu mundo é preto e branco, eu vejo em preto e branco, eu transformo todas essas gamas maravilhosas de cores – e eu acho a cor muito bonita – em gamas maravilhosas de cinza. O preto e branco é uma abstração, é uma forma que eu tenho de sair de um mundo e entrar em outro para poder trabalhar o meu sujeito fotográfico, poder dedicar tempo à dignidade das pessoas. Isso eu consigo em preto e branco, acho que em cores eu não conseguiria.”
Morreu em Paris nesta quinta-feira (23) o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, um dos maiores nomes da fotografia documental mundial. Ele tinha 81 anos.
A informação foi confirmada pela família, por meio do Instituto Terra, ONG fundada por ele e pela esposa, Lélia Wanick Salgado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte de Sebastião Salgado e destacou seu papel como retratista das desigualdades. “Sua obra continuará sendo um clamor pela solidariedade e o lembrete de que somos todos iguais em nossa diversidade”, afirmou, ao pedir um minuto de silêncio durante cerimônia no Palácio do Planalto.
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A cor desvia da emoção mais crua
Economista de formação, Salgado se voltou para a fotografia nos anos 1970, após viver o exílio político durante a ditadura militar brasileira.
Ao longo de sua carreira, percorreu mais de 120 países, sempre mirando temas como trabalho, migração, desigualdade, guerras e, mais recentemente, meio ambiente. Livros como Êxodos, Trabalhadores, Gênesis e Gold formam um acervo potente da condição humana retratada pelo autor.
Com uma trajetória marcada pela sensibilidade social e pelo olhar humanista, Salgado registrou algumas das imagens mais emblemáticas das últimas décadas — sempre em preto e branco, sua assinatura estética e ética.
Entre suas fotografias mais conhecidas estão:
- Os garimpeiros de Serra Pelada, no Pará, retratados em cenas épicas e quase bíblicas;
- Trabalhadores em condições extremas, como mineiros, cortadores de cana, operários de aço e pescadores artesanais;
- Povos indígenas da Amazônia, como os ianomâmis e zo’é, registrados com respeito e admiração em seu projeto Amazônia;
- Paisagens intocadas do planeta, incluindo o deserto do Saara, as geleiras da Antártida e as savanas africanas, reunidas na série Gênesis.
- Êxodos, sobre grandes movimentos migratórios, refletindo deslocamentos causados por guerras, fome e pobreza.
Para Salgado, o monocromático potencializava o conteúdo das imagens, eliminando distrações cromáticas e concentrando a atenção no essencial: a dignidade dos retratados.


Além do impacto artístico, seu trabalho teve profundo alcance político. Fotografias de trabalhadores em condições análogas à escravidão, refugiados, indígenas ameaçados e a destruição ambiental ajudaram a dar visibilidade internacional a pautas frequentemente ignoradas pelas grandes potências.
Nos últimos anos, Salgado se dedicava ao Instituto Terra, ONG criada em 1998 e que reflorestou mais de 600 hectares de Mata Atlântica em uma antiga fazenda de gado da família.
A entidade se tornou referência mundial em restauração ambiental e educação socioambiental. Para ele, a floresta que ajudou a reviver era a prova de que a humanidade ainda podia reverter parte dos danos que causou ao planeta.
Sebastião Salgado foi reconhecido com dezenas de prêmios, como o Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades, o World Press Photo e o Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães. Em 2019, foi eleito membro da Academia de Belas Artes da França.
Veja abaixo outras imagens de Sebastião Salgado, compiladas pelo jornal britânico The Guardian.


Fotografia: Sebastião Salgado/NB Pictures


CAMILA BEZERRA “JORNAL GGN” ( BRASIL)