
CHARGE DE HENRIQUE ( PORTUGAL)
Alguém escreveu que a política exige uma especial habilidade para conviver com a decepção
A notícia da noite é a derrota da esquerda e a vitória da extrema-direita. Sim, o centro-direita também sobe e assegura a sua posição de liderança do governo – mas não é ela a notícia. O que é realmente novo é que, pela primeira vez, toda a direita tem uma maioria qualificada (maioria exigida para rever a Constituição).
O que é novo é que a extrema-direita tem mais de vinte por cento. O que é novo é que o Partido Socialista tem menos de 25 por cento e pode deixar de ser o segundo partido parlamentar (falta apurar os deputados da emigração, círculo eleitoral que não costuma ser favorável aos socialistas). Em síntese: perde a esquerda, toda a esquerda; ganha a extrema-direita, não a direita (que não tem uma vitória exuberante).
O aspecto mais desanimador é o que representa a vitória da extrema-direita: a vitória do sentimento anti-imigração; a vitória do discurso da autoridade estatal em detrimento da liberdade individual; a vitória de um populismo nacionalista que evoca, sempre que pode, uma certa nostalgia imperial.
Enfim, toda uma nova cultura política que não deixará de influenciar a agenda dos outros partidos e a ação das instituições estatais. Em dezembro do ano passado a polícia fechou a Rua do Benformoso e encostou à parede os imigrantes, para que todo o país os visse assim, encostados à parede, na televisão. Essa nova cultura securitária estava em experimentação – a partir de agora virará rotina. E por decisão popular.
A seguir, na escala da tristeza, vem o declínio do partido socialista. É certo, dirão alguns, que esse é um movimento que acompanha um certo enfraquecimento da social-democracia e que se verifica um pouco por toda a Europa. Talvez. No entanto, o mais preocupante, a meu ver, é que a expressiva derrota do Partido Socialista possa afetar a sua condição de grande partido popular.
O Partido Socialista nunca foi um partido pequeno. Nunca foi um partido de seita. Nunca foi um partido comandado por aparelhos, nem dado a “centralismos democráticos”. Foi sempre um grande partido pluralista, com várias correntes de opinião de centro-esquerda e com grande liberdade interna. Nunca foi um partido de classe, mas um partido interclassista. Um partido para todos. Um partido irradiante. Essa condição sempre foi biunívoca – grande e por essa razão popular; popular e por essa razão com elevadas votações. Esse é o aspeto identitário que, neste momento, mais me preocupa.
Alguém escreveu que a política exige uma especial habilidade para conviver com a decepção. Esse será ao desafio dos socialistas – lidar com coragem com a decepção desta noite eleitoral tendo em mente que as eleições não são um critério de razão e que a estupidez das maiorias consiste, amiúde, em querer ter, além da maioria, a razão.
Finalmente. O dilema político da noite eleitoral é a política de alianças – com quem o centro-direita escolherá aliar-se? Com a extrema-direita ou com os socialistas? A demissão do líder socialista e a campanha interna que se seguirá permitirá ao atual primeiro-ministro adiar a escolha. Mas não por muito tempo. Essa escolha será feita e ela será entre democracia e populismo; entre decência e fanatismo. Essa escolha será feita. E esse será o próximo capítulo.
JOSÉ SOCRETES ” BLOG ICL NOTÍCIAS” ( PORTUGAL / BRASIL)
EX-PRIMEIRO- MINISTRO SOCIALISTA DE PORTUGAL DE 2005 ATÉ 2011