
Na revolução à primeira vista, a militância uniu o casal de ex-guerrilheiros e políticos por 40 anos
Depois de chegar do outro lado do túnel de 40 metros que o livraria da prisão de Punta Carreta, em 1971, o então guerrilheiro Pepe Mujica, 36, congela o olhar, por alguns segundos — como quem paralisa a história em uma fotografia em preto e branco — diante de Lucía Topolansky, uma jovem de 26 anos que também militava no grupo dos Tupamaros, e esperava os companheiros fugitivos em uma casa do outro lado da travessia.
Naquele momento tenso e confuso, na companhia de 104 companheiros, escapar da polícia era tudo que Mujica deveria fazer. Houve tempo, porém, para aquela mirada que definiria o grande amor da sua vida.
Aquele olhar paralisado, igual ao registro de uma foto esquecida na gaveta, voltou a se mover no ano seguinte, em um novo e nervoso encontro ao acaso. Pepe havia escapado (mais uma vez) de curta temporada na cadeia; Lucía tentava evitar a prisão.
O risco os uniu para sempre, mesmo que fossem separados por longas prisões de ambas as partes. “O ser humano, embora não saiba, quando vive uma atmosfera de perigo onde está em jogo cada passo da liberdade e da vida, se apega ao amor porque a natureza biológica nos impõe isso”, dizia Mujica.
Mesmo com a sua explicação “científica”, o líder político não descartava o poder do olhar de Lucía do outro lado do túnel de Punta Carreta. A ex-guerrilheira e ex-senadora tampouco.
O amor paralisado duas vezes pela história saltaria daquela fotografia apenas em 1985, com o fim da Ditadura no Uruguai. Lucía e Pepe iniciam suas carreiras políticas no MPP, o Movimento de Participação Popular, e um romance que só terminaria 40 anos depois, com a morte do ex-presidente, na terça-feira (15/5).
Em diversas ocasiões, e não somente quando confessou o câncer no esôfago que o levaria ao fim, Mujica dizia estar vivo por causa de Lucía. Ao tema, emendava frases, à moda dos estoicos, sobre o tempo. Coisa de quem sabe o ritmo que caminha a humanidade a cada ciclo. Sabedoria de quem entende que até mesmo as imagens paralisadas nas velhas fotografias um dia retornam ao movimento político da história
XICO SÁ ” BLOG ICL NOTÍCIAS” ( BRASIL)