TRUMP QUER TAXAR OS RICOS; NÃO ADIANTA APELAR PARA O PAPA

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Os bolsonaristas, particularmente a classe média alta e os milionários, o que inclui os banqueiros e gestores de fortuna da Faria Lima, vivem apelando ao presidente Donald Trump contra ações do Supremo Tribunal Federal sobre os golpistas ou contra as medidas de redistribuição da carga fiscal do governo Lula. Pois agora Trump, que já tinha elogiado as urnas eletrônicas brasileiras, desnorteou todo mundo ao voltar a considerar apoiar a criação de um “imposto milionário” que retornaria a alíquota máxima do imposto de renda individual de 37% para 39,6% para pessoas que ganham mais de US$ 2,5 milhões (R$ 14,17 milhões), segundo pessoas familiarizadas com as discussões na Casa Branca. A ideia de taxação global das grandes fortunas para o combate á fome foi defendida pelo presidente Lula na reunião do G-20, presidida pelo Brasil, no fim do ano passado, quando Joe Biden representava os Estados Unidos.

Metamorfose ambulante, Trump, que agora admite rever de 145% para 80% o teto das tarifas contra os produtos chineses, para facilitar as negociações tarifárias bilaterais com a China que terão lugar na Suíça neste fim de semana, havia rejeitado o aumento do imposto em 23 de abril. O mais curioso é que essa nova alíquota seria criada para compensar a perda de arrecadação causada pelas isenções que deu à alta classe média no seu primeiro mandato, em 2018. Mas, assim como no Brasil, aumentar a alíquota máxima do imposto de renda enfrenta resistência de muitos republicanos do Congresso americano. Mas, se os republicanos pensarem em apelar para o Papa Leão XIV, que é americano de Chicago, podem perder as esperanças

O cardeal Presvot, um religioso agostiniano, escolhido para comandar 1,4 bilhão de católicos em todo o mundo, adotou o título de Leão XIV por seguir a doutrina social da Igreja Católica, inaugurada pelo Papa Leão XIII (1878 a 1903), definida em maio de 1891 na encíclica “Rerum Novarum”. Leão XIII procurou incentivar o entendimento entre a Igreja e o mundo moderno. Além de estreitar o relacionamento da Igreja Católica Apostólica Romana com outras religiões, Leão XIII abordou pela primeira vez questões de desigualdade social e justiça social, com a autoridade papal concentrando-se nos direitos e deveres do capital e do trabalho. Até então, a Igreja era acusada de ignorar a penúria da classe trabalhadora. A partir de Leão XIII, os ensinamentos papais expandiram os direitos e obrigações dos trabalhadores e as limitações da propriedade privada. O Papa Leão XIII recolocou a Igreja “pari-passu” com as transformações sociais em curso, mas disse que o capitalismo e o comunismo eram “falhos”, antecipando-se quase três décadas à Revolução Russa de 1917. Já Leão XIV está perfeitamente antenado com os tempos atuais e viu de perto, durante as duas décadas em que serviu como prelado no Peru (a ponto de adotar a cidadania do país andino), os abismos da má distribuição de renda.

O trâmite na Câmara

Pano rápido, voltemos ao Brasil. O Projeto de Lei que concede isenção de Imposto de Renda na fonte para cerca de 10 milhões de pessoas que ganhem até R$ 5 mil mensais, a partir de 2026, já está em tramitação na Câmara dos Deputados e prevê, como contrapartida à perda de R$ 27 bilhões em arrecadação, a cobrança de um adicional de até 10%, de forma escalonada, para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais. De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a reforma do IR completa a justiça fiscal promovida pela Reforma Tributária dos impostos sobre o consumo, já aprovada no Congresso e que começa a valer em 2027. De forma a mais explícita, presidente Lula repisa que a elevação da alíquota do imposto mínimo afetará cerca de 140 mil brasileiros, enquanto 10 milhões serão beneficiados com o aumento da faixa de isenção do IR e poderão consumir um pouco mais.

O projeto está sendo analisado por comissões da Câmara antes de ir ao Plenário e depois ser examinado no Senado. O relator do texto da ampliação da isenção do Imposto de Renda na Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara dos Deputados, já disse “não acreditar que 10% do país vão sustentar 90% de forma educativa. Também não é justo que 80% paguem os privilégios dos mais ricos”. Mas embora sua manifestação pareça favorável à proposta do governo, ele sinalizou a possibilidade de discutir sobre uma correção geral da tabela progressiva do IR. Isso pode complicar os cálculos do governo, que precisa ter o PL aprovado e sancionado este ano para ser aplicável em 2026.

No documento enviado ao Congresso pela Secretaria da Receita Federal, essa tributação irá valer somente para quem tenha renda anual acima de R$ 1,2 milhão. O Fisco explica que, entre R$ 600 mil e 1,2 milhão, o percentual será crescente (de zero a 10%). Para facilitar a compreensão, o governo trouxe alguns exemplos sobre como vai funcionar a tributação: Um executivo com renda anual de R$ 650 mil terá uma tributação mínima: 0,83%. Já uma investidora com renda anual de R$ 780 mil teria tributação mínima de 3%. No caso de um empresário com renda anual de R$ 850 mil, a tributação mínima subiria a 4,16%. Para um sócio de empresa, com renda anual de R$ 985 mil, a tributação mínima chegaria a 6,42%. Já para uma proprietária de empresa ou bens imóveis com renda anual de R$ 1,25 milhão, a tributação mínima alcançaria 10%. Bem menos que os 39%, em dólar, proposto por Trump a quem ganha acima de US$ 2,5 milhões (R$ 14,17 milhões). Mas Arthur Lira, além de querer misturar no exame da questão de justiça fiscal a ideia de uma correção progressiva na tabela do IR – o que é um complicador -, já admitiu rever as alíquotas de impostos para quem ganha mais de R$ 600 mil por ano.

O mundo das fraudes em serviços

O caso das fraudes continuadas contra aposentados e pensionistas do INSS, resultado de conluios de funcionários da Previdência Social com sindicatos e entidades financeiras que seriam contempladas com operações do crédito consignado, aponta, num primeiro levantamento, para desvios de R$ 6,3 bilhões, atingindo um universo de nove milhões de segurados e pensionistas. É grave. Gravíssimo porque teria atingido um terço dos 27 milhões de cadastrados no INSS. Segundo, porque são fraudes continuadas desde 2017. Começaram no governo Temer. Atravessaram os quatro anos do governo Bolsonaro e foram objeto de denúncia interna no Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) em julho de 2023, no governo Lula. Mas as primeiras investigações pela Advocacia Geral da União (AGU) e a Polícia Federal só começaram em abril do ano passado. No último ano, houve uma enxurrada de mais de 700 mil reclamações contra os descontos silenciosos e de pequena monta que teriam acumulado uma montanha de desvios.

O INSS está tentando se comunicar diretamente com os segurados e pensionistas para indagar se notaram descontos indevidos. Não é tarefa fácil. É preciso separar o joio do trigo para as primeiras devoluções de R$ 292,7 milhões a partir de 26 de maio. Para isso, a AGU já mapeou 14 entidades que foram beneficiadas com desvios e já se prepara para bloquear R$ 2,5 bilhões em bens do grupo fraudador. Houve gente que, de fato, na boa-fé, assinou autorização para descontos. Muitos, na verdade, foram ilaqueados com falsas solicitações de empréstimo consignado, às quais davam autorizações, mas o dinheiro jamais entrou na conta, embora continuassem os pequenos descontos mensais para sindicatos e entidades não governamentais criadas por espertalhões. Há uma massa imensa de segurados que não dispõem de aplicativos em celulares ou computadores para serem contatados. E ainda correm o risco de serem vítimas novamente de golpistas.

Os sistemas do INSS e do Dataprev nunca estiveram a salvo de fraudes. Sobretudo porque os fraudadores e os facilitadores de fraudes estavam no próprio corpo de funcionários da Previdência Social. A morosidade com a qual os funcionários atendem as demandas por concessão de aposentadoria, ou por licenças por acidente de trabalho, não ocorre quando sai uma nova aposentadoria: o infeliz aposentado ou pensionista (morte de cônjuge) é logo bombardeado por telefonemas, whatsapps e e-mails com ofertas de crédito consignado (na maioria dos casos, é golpe), porque os funcionários recebem por fora para vazar as listas para instituições financeiras ou de pagamentos.

Pandemia concentrou bancos no celular

O mundo das transações financeiras, que se tornou mais ágil com a bancarização de contas do Auxílio Emergencial na pandemia, concentradas na Caixa Econômica Federal, durante a pandemia da Covid-19 em 2020 e 2021, ganhou velocidade com a criação do Pix pelo Banco Central no final de 2020. E ainda teve a turbinada eleitoral de milhões de novos beneficiados no ano de 2022. Por isso, a cada dia revelam-se milhares de tentativas de invasão e fraudes nas contas. As contas bancárias, que ficaram ao alcance do celular na pandemia, além dos sistemas de vigilância das instituições financeiras, estão sujeitas a várias conferências diárias por parte dos usuários. Já as contas dos aposentados e pensionistas são verificadas uma ou duas vezes por mês, para o titular saber quanto vai receber na sua conta bancária. Na verdade, nenhum segurado acessa a sua conta no INSS, mas tão somente o resultado líquido a ser creditado na sua conta. Por isso, os ardis dos pequenos descontos. Mas, R$ 50 mensais somam, ao fim de um ano, R$ 650, considerando o 13º salário (antecipado em maio e junho).

Não se pense que os bancos, cartões de crédito e instituições de pagamento estão a salvo de “hackers” e de golpes. As facilidades de movimentação de dinheiro por celular no Pix não apenas amplificaram os roubos de celulares para tentar usar as chaves Pix dos titulares, como turbinaram os golpes por telefones direto das cadeias (onde os celulares são valiosas moedas de troca e criminosos simulam sequestro de parentes para extorquir dinheiro de “resgate”).

Acompanho o site do Banco Central quase diariamente e cheguei à conclusão de que as autoridades monetárias escondem as estatísticas sobre fraudes ou vazamento de dados contra grandes bancos. Vejo mais ocorrências de instituições financeiras ou instituições de pagamento (que processam maquininhas, usando o nome fantasia de “banco” – em inglês – mas não são bancos ainda). Ser banco reconhecido pelo BC dá acesso à garantia do Fundo Garantidor de Crédito às aplicações financeiras do investidor até R$ 250 mil. O FGC é valioso, já perceberam os clientes que compraram CDBs e letras de câmbio do Banco Master. O BC deu, sexta-feira, 9 de maio, informações sobre vazamento de dados de clientes da Cashway Tecnologia da Informação S.A. Mas o Banco Central nada informou sobre vazamento de dados da corretora XP, ocorrido, em 22 de março e só revelado pela própria XP em 25 de abril, junto com ações de marketing para reforçar a imagem da instituição.

Os dados levantados pela Serasa Experian são assustadores. O Brasil tem cerca de 1 bilhão de contas bancárias (somos 215 milhões de habitantes). Excluindo-se os menores de idade, são mais de cinco contas per capita. Eu tenho duas, uma das quais recebe a aposentadoria. O número de cartões de crédito emitidos passa de 480 milhões, dos quais 210 milhões estariam ativos. É de se supor uma montanha de fraudes e tentativas de fraudes muito superiores aos ataques aos dependentes do INSS, pois os valores são bem maiores. O Banco Central não divulga nem o número de ataques, vazamentos e valores de fraudes. Mas a Serasa revela que o número de ”golpes” evitados contra bancos e cartões de crédito cresceu 10,4% em 2024 ante 2023, representando 53,4% das “fraudes” registradas no período. Caso fossem concretizadas, o prejuízo estimado chegaria a R$ 51,6 bilhões, segundo dados do Indicador de Tentativas de Fraude da Serasa Experian. Ou seja, nove vezes o rombo do INSS. Eles não crescem mais porque a vigilância é constante. O que falta ao INSS/Dataprev.

Outro levantamento da Serasa feito com consumidores, aponta que 50,7% dos brasileiros foram vítimas de fraudes no último ano, um salto de 9% comparado a 2023. Desse total, 54,2% das vítimas afirmaram ter perdido dinheiro (ou seja, mais de 26% dos consumidores). Entre os tipos de fraudes mais recorrentes, o uso indevido de cartões de crédito liderou o ranking (47,9%), seguido por golpes financeiros como boletos falsos e fraudes via Pix (32,8%),”phishing” (21,6%) e invasão de contas bancárias ou redes sociais (19,1%).O “phishing” é um engodo pela internet no qual uma quadrilha tenta roubar seu dinheiro ou a sua identidade fazendo com que você revele informações pessoais, tais como números de cartão de crédito, informações bancárias ou senhas em sites que fingem ser legítimos. Obtidos os dados, a quadrilha parte para invadir e sacar recursos da conta do lesado.

Três bancos ganham R$ 25 bilhões em tarifas

Mas, com perdão do novo Papa, fazendo o papel do advogado do diabo, você, caro leitor, já parou para pensar em quanto estaria sendo lesado pelos bancos na cobrança exagerada de tarifas bancárias? Com o celular, nós viramos o “bancário” na pandemia, fazendo todas as operações, com enorme economia para os bancos. Mas eles nos cobram tarifas, com reajustes. Há descontos indevidos de mensalidade do cartão de crédito. Tenho desconto de R$ 56,50 mensal porque financiara uma compra no cartão, cuja última prestação venceu em abril. Ao fim de 12 meses, seriam R$ 678,00. Vou cancelar o cartão, depois de entregar R$ 169,50 à administradora dele. Você já fez um inventário nos cartões, contas correntes, contas de luz, condomínio, luz, gás, telefones e combos de internet e TV para ver se não está pagando sem usar o serviço? É um “imposto” extra.

Os três maiores bancos privados divulgaram balanços do primeiro trimestre nas duas primeiras semanas de maio. O Itaú Unibanco anunciou quinta-feira, 8 de maio, ter lucrado R$ 11,128 bilhões de janeiro a maio. As receitas com serviços bancários somaram R$ 11,232 bilhões, superando o lucro líquido recorrente. O Bradesco revelou esta semana ter lucrado R$ 5,466 bilhões no trimestre. No mesmo período, as receitas com serviços somaram R$ 9,769 bilhões (sem contar a seguradora, 100% controlada pelo banco). E o espanhol Santander Brasil informou semana passada lucro líquido gerencial de R$ 3,861 bilhões, mas apurou renda de R$ 4,109 bilhões com receitas de clientes, excluídos seguros. O Banco Central deveria fiscalizar se os valores cobrados acompanham os custos reais, antes de autorizar reajustes das tarifas.

Alta da Selic concentra mais a renda

Por fim, um pequeno grande detalhe: cada aumento de um ponto na taxa Selic se transforma num gasto extra de R$ 54 bilhões para o Tesouro Nacional ao fim de 12 meses. Com o meio por cento desta semana, o Tesouro vai ter de pagar mais R$ 27 bilhões aos banqueiros e rentistas. Que já acumulam 2,5 pontos de aumento em 2025. Ou seja, uma transferência de renda extra de R$ 135 bilhões aos mais ricos. Ou mais de 21 vezes o rombo do INSS.

Mas a Faria Lima, que não quer o aumento do IR dos mais ricos também proposto por Trump, insiste em cortes nos programas sociais que consomem menos de R$ 200 bilhões/ano. Uma ninharia diante dos gastos de R$ 1 trilhão previstos para os juros da dívida pública desfrutados pelos banqueiros e rentistas brasileiros.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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