O IMPÉRIO INVISÍVEL DE SILAS MALAFAIA

Silas Malafaia subiu ao púlpito do templo sede de sua igreja, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo (Advec), com um sorriso de canto de boca para iniciar o ato principal daquela manhã de domingo, 8 de dezembro de 2024.

Ele recebeu uma plateia em êxtase após a apresentação da banda da igreja. A formação usa arranjos típicos do pop rock e conta com sete vocalistas. Quando começaram a cantar, as luzes da igreja se apagaram e o público se levantou.

A banda executou a música “Galileu, Jesus”, do astro gospel Fernandinho. A letra combina bem com a mensagem de submissão que Silas Malafaia repete em seus cultos. Logo antes do refrão, os vocalistas repetiram diversas vezes o verso: “Eu me rendo ao teu amor”.

A igreja de Malafaia mais parece uma casa de shows: comporta cerca de 6 mil fiéis confortavelmente sentados em cadeiras estofadas, distribuídas pouco abaixo do amplo palco onde ocorrem as pregações e em um mezanino. A estrutura conta ainda com um sistema de som e iluminação de última geração, além de três enormes telões de alta definição.

Há também um sistema de filmagem para a transmissão ao vivo dos cultos e o registro dos trechos que vão para o “Programa Vitória em Cristo”, atração apresentada por Malafaia na televisão desde 1982, com diferentes nomes. Uma reportagem da revista Época estimou que toda essa estrutura, construída após Malafaia assumir o comando da igreja, em 2010, tenha custado, na ocasião, R$15 milhões.

O pastor vestia um blazer moderno, preto quadriculado, com um lenço branco adornando o bolso da frente. A peça compunha o look com uma camiseta branca e uma calça jeans escura. Um visual mais próximo a conhecidos empresários, coaches e influenciadores.

Quando participa dos cultos no templo na Rua Montevidéu, na Penha, bairro suburbano na Zona Norte do Rio, Malafaia é adepto de pregações que duram horas. Aquele domingo marcava um culto da Santa Ceia, um dos principais na tradição da Assembleia de Deus. Malafaia passou 1 hora e 52 minutos de microfone em punho. Mas menos da metade desse tempo foi dedicado à pregação religiosa. No culto daquela manhã, acompanhado pelo ICL Notícias, a atração principal era a política.

Malafaia começou dando uma bronca nos fiéis que usam celulares e tablets para lerem a Bíblia. De cima do púlpito, ao apontar para um tablet que trazia consigo, disparou: “Você não pode tratar a palavra de Deus como um igual porque aqui também tem pornografia, mas a gente não acessa”.

A crítica aos dispositivos eletrônicos pode parecer estranha, mas o ICL Notícias verificou que ela está alinhada com os interesses comerciais do pastor, que, junto com sua esposa Elizete, é dono da Editora Central Gospel, especializada na venda de bíblias impressas. A empresa vem mal das pernas e estava encerrando um processo de recuperação judicial que se arrastava desde 2019, com dívidas que chegaram a cerca de R$ 30 milhões.

Na mesma época, porém, documentos encontrados pelo ICL Notícias apontam que as contas pessoais do pastor não demonstravam o impacto do problema da empresa. Malafaia, inclusive, se recusa sistematicamente a contar seu salário. Em entrevista exclusiva, chegou a dizer que nem padres ou a esquerda revelavam os valores.

Mas documentos inéditos obtidos pelo ICL Notícias ajudam a responder o que Malafaia quer esconder. Ele declarou à Receita Federal ter recebido, só em 2018, mais de R$ 962 mil de sua igreja. Mais de 70% de toda a renda que declarou naquele ano – ao todo R$ 1,35 milhão.

Com os dados exclusivos, foi possível constatar que, desde 2013, a renda anual do pastor ultrapassou R$ 1 milhão em, ao menos, três anos. Isso também aconteceu em 2013, quando ele declarou renda de quase R$ 1,2 milhão em seu IR. Uma situação semelhante ocorreu, em 2016, quando Malafaia informou à Polícia Federal que obtinha uma renda mensal de R$ 100 mil, o que, ao longo de um ano, alcançaria os mesmos R$ 1,2 milhão.

Esse são alguns dos dados exclusivos que o ICL Notícias apresenta no projeto “Império Malafaia” a partir desta quinta-feira (8), no site do ICL Notícias e, em um podcast de quatro episódios, disponível semanalmente a partir de 9 de maio no canal do ICL no Youtube e nas plataformas de áudio, e, ainda, em um documentário que estreará no dia 29 de maio, também no canal do ICL.

Malafaia anexou declaração de imposto de renda em processo de recuperação judicial
(Crédito: Reprodução/ TJRJ)

A análise da documentação financeira demonstra uma contradição sistemática na vida financeira de Malafaia. Embora o pastor e sua esposa, Elizete, declarem em seu Imposto de Renda faturar milhões de reais por ano com seus negócios e com a igreja, esse dinheiro não condiz com o crescimento pessoal dos Malafaia, seja em bens, seja em investimentos. Desde 1999, Malafaia e outros cinco integrantes de sua família abriram ao menos 13 empresas relacionadas ao trabalho da igreja. Apesar da renda milionária, o patrimônio da família registra apenas R$ 7 milhões em imóveis – valor que não condiz com o estilo de vida marcado por luxo, ostentando grifes, carros importados e viagens internacionais.

Até mesmo o jato de US$ 1 milhão — mais de R$ 5,6 milhões na cotação do fim de abril de 2025 —, assim como boa parte dos carros de alto padrão que Malafaia utiliza, não estão em seu nome. 

Em 2013, a revista Forbes chegou a informar que o patrimônio de Malafaia seria de U$ 150 milhões. Ele processou a revista e a publicação teve que se retratar. A quem perguntou respondeu meramente que o valor era de 2% do citado pela Forbes,  mas seguiu se recusando a dar detalhes precisos tanto sobre sua renda como seu patrimônio. 

E essa prosperidade financeira ocorreu simultaneamente à ascensão do poderio político de Malafaia. Para manter e ampliar essa força, o pastor deu mostras de que quer se consolidar como um dos principais ideólogos da extrema direita brasileira. O pastor está formulando um projeto para desenvolvimento de lideranças jovens da extrema direita na sua igreja, por meio das redes sociais.  

Malafaia está de olho na construção de um futuro e é hoje um dos principais conselheiros e defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) . Tanto que tirou dinheiro do próprio bolso para financiar manifestações públicas em defesa do ex-mandatário acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado em 2022. Esse investimento na defesa de Bolsonaro virou polêmica desde o ato que ele organizou na Avenida Paulista, em 25 de fevereiro de 2024. A manifestação bolsonarista chegou a reunir 185 mil pessoas no auge, segundo pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo).

Em entrevista concedida dez dias antes do protesto, Malafaia garantiu que o dinheiro sairia do bolso de seus fiéis: “Os recursos são exclusivos da Associação Vitória em Cristo.” A  Avec é o braço beneficente de sua igreja e você vai ouvir falar muito dela ao longo da reportagem. É no nome dela, por exemplo, que está o jato que Malafaia utiliza. O fato de uma instituição religiosa — que vive de doações de fiéis e goza de imunidade tributária— bancar uma manifestação de caráter golpista fez com que parlamentares governistas cobrassem das autoridades uma investigação sobre a origem do dinheiro.

Essa pressão fez Malafaia recuar: um dia após a declaração, ele anunciou que pagaria o ato com recursos próprios.

Após polêmica, Malafaia recuou e publicou comunicado sobre financiamento da manifestação
(Crédito: Reprodução/ Facebook)

No dia seguinte à manifestação, Malafaia, empoderado pelo grande público reunido na Avenida Paulista, publicou um vídeo em suas redes sociais desafiando as autoridades. “Eu tenho recurso para isso (…) Vem, pode vir PF, Receita Federal. Vocês sabem a renda que eu tenho. Eu não preciso tirar dinheiro de igreja para pagar nada” (sic), corrigiu-se o pastor.

Será?

Os milhões em doações

Nove meses depois, em novembro de 2024, Malafaia admitiu, em uma entrevista ao ICL Notícias, por que decidiu abrir mão de usar o dinheiro de sua igreja para bancar as despesas da manifestação pró-Bolsonaro. Sentado no escritório da sede de suas empresas, no bairro da Taquara, Zona Oeste do Rio de Janeiro, ele revelou que foi seu advogado quem o alertou sobre o risco de uma devassa nas contas da Avec, que movimenta dezenas de milhões por ano.

“Meu advogado disse assim: ‘Silas, todas as entidades podem ser investigadas por Ministério Público. Esses caras vão vir em cima de você de maldade’. Aí eu pensei: ‘Não, quem vai bancar sou eu!’”.

Mas explicar as contradições e o valor de sua renda é algo que ele se recusa a fazer. Procurado, ele negou que seja investigado pelas autoridades e insistiu que não tem obrigação de revelar os valores recebidos como salário de sua igreja. Confira a íntegra do que Malafaia disse ao ICL Notícias aqui.

Silas Malafaia, em entrevista ao ICL Notícias, em novembro de 2024
(Crédito: Caio Salles/ ICL Notícias)

Na sala ampla em que recebeu o ICL Notícias, repleta de quadros com reportagens em que é mencionado, Malafaia ostentava, em cima da mesa, um caderno de anotações com o brasão da Presidência da República, que, segundo ele, foi um presente de Bolsonaro, seu aliado desde o início da década de 2010.

Mas nem sempre foi assim. Em mais de 40 anos de vida pública, Malafaia colecionou apoios a candidatos de todas as vertentes políticas – de Lula e Brizola, na esquerda, a José Serra e Aécio Neves, na direita. Sua guinada rumo à extrema direita ficou evidente após a discussão do projeto conhecido como Lei anti-homofobia, no Congresso, no início da década passada.

O movimento de rompimento com o PT também se deu em um período próximo a uma investigação da Receita Federal nas contas da Avec. Em 2015, a Receita aplicou uma autuação na Avec no valor de R$ 25.492.095,21 – incluindo impostos devidos, juros e multa de 75% em cima do saldo. A punição é referente a irregularidades nas contas da entidade em 2010.

É justamente na entidade beneficente que a confusão patrimonial envolvendo a família Malafaia, a igreja e as empresas se torna mais evidente.

Carf manteve punição contra a Avec, com autuação em mais de R$ 25 milhões
(Crédito: Reprodução/ CARF)

Ao longo dos anos, Malafaia passou a se vender como uma espécie de self made man da fé. E costuma dizer que todo seu patrimônio está registrado em seu nome e foi construído com os recursos que obteve na iniciativa privada. Segundo o pastor, sua riqueza foi construída antes da fundação de sua igreja, a Advec.

“Eu passei a ser pastor de igreja a partir de março de 2010. Todo o meu patrimônio é anterior a isso. Eu era conferencista, vendi mais de 15 milhões de livros, vendi mais de 2 milhões de palestras em DVD e recebia ofertas para dar palestras. Desde que sou pastor meu patrimônio não aumentou uma vírgula”, disse em maio de 2019. Mas não é bem assim. Mas para entender essa história é preciso voltar ao passado.

Malafaia

do “velho testamento”

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1948

Gilberto Malafaia se casa com Albertina – Crédito: Reprodução/Facebook

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1972

Silas Malafaia e Elizete Santos, filha do pastor José Santos, começam a namorar – Crédito: Reprodução/Facebook

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5/5/1982

Silas Malafaia se casa com Elizete, em cerimônia na Assembleia de Deus da Penha – Crédito: Reprodução/Facebook

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1999

Silas Malafaia e Elizete fundam a Editora Central Gospel, que logo se tornou uma das maiores empresas cristãs do Brasil – Crédito: Divulgação/Advec

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03/2010

Malafaia deixa a Assembleia de Deus da Penha. Ele transforma a igreja na Assembleia de Deus Vitória em Cristo – Crédito: Programa Vitória Em Cristo

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16/12/2016

Malafaia é alvo de condução coercitiva da PF na Operação Timóteo. Ele foi indiciado após receber doação de R$ 100 mil – Crédito: Reprodução/SBT

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14/9/1958

Nasce Silas Lima Malafaia, quarto filho de Gilberto e Albertina Malafaia – Crédito: Reprodução/Facebook

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Anos 1970

Silas e Elizete evangelizam pelas ruas e integram um grupo gospel, o Coral e Orquestra Renascer – Crédito: Reprodução/Facebook

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05/1982

Silas Malafaia estreia na TV, na apresentação do Programa Renascer – Crédito: Programa Vitória Em Cristo

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10/2002

Malafaia embarca na campanha presidencial de Lula no segundo turno de 2002. Depois, se torna apoiador do governo petista – Crédito: Reprodução/Youtube

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22/3/2013

Malafaia celebra o casamento de Jair Bolsonaro com Michelle e sacramenta aliança com o futuro presidente – Crédito: Reprodução/Facebook

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24/1/2024

Malafaia financia manifestação extremista na Avenida Paulista em São Paulo – Crédito: Reprodução/Youtube

O mês de maio de 1982 foi decisivo para que Silas Malafaia se tornasse o pastor de influência nacional que é hoje. Em um intervalo de 31 dias, ele se tornou pai, foi ordenado pastor e estreou na TV. 

Silas Malafaia posa nos bastidores do programa Renascer, no início de sua trajetória na TV
(Crédito: Reprodução/ Avec)

Com apenas 23 anos, lançou o Programa Renascer na antiga TV Record do Rio de Janeiro – hoje parte da CNT. Ele afirma ter vendido um carro e contado com o apoio de amigos para bancar o programa no ar. O mais célebre deles era o pastor e empresário Sotero Cunha, que viria a se eleger deputado constituinte em 1986 com o voto evangélico.

O político foi um dos pivôs da fraude generalizada que levou à anulação da eleição do Rio de Janeiro em 1994 e chegou a ser preso por envolvimento no esquema. O sistema de votação em papel foi adulterado para beneficiar candidatos que contrataram quadrilhas ligadas ao jogo do bicho. Ironicamente, Malafaia hoje é um dos grandes responsáveis pelos ataques à urna eletrônica, criada justamente para evitar fraudes como a que Sotero Cunha se envolveu.

Na notícia de O Globo, a prisão de Sotero Cunha em 1994.  (Crédito: Reprodução / O Globo)

Na imagem abaixo, Malafaia posa ao lado do pastor José Santos, então presidente da Assembleia de Deus da Penha (Crédito: Reprodução Facebook)

Dois anos antes, em fevereiro de 1980, Malafaia casou-se, aos 21 anos, com Elizete, sua esposa até hoje. Ela é filha do pastor José Santos, então presidente da Assembleia de Deus da Penha.

Santos era um dos principais líderes da Assembleia de Deus no Rio e foi o grande entusiasta da carreira de Malafaia no mundo evangélico. Foi dele a iniciativa de ordenar Silas como pastor e de eventualmente nomeá-lo como vice-presidente e seu sucessor no comando da congregação. 

E também veio dele o aval para que o genro se lançasse no mundo do televangelismo. Como o nome já diz, essa é a prática de evangelização à distância, pelos meios de comunicação. Os primeiros exemplos surgiram ainda no século XIX. Mas a prática se consolidou nos Estados Unidos a partir de 1920, com a popularização do rádio. Posteriormente, pregadores americanos chegaram à TV. E passaram a exportar seus programas para outros países, entre eles o Brasil. 

Se hoje os pastores são figuras onipresentes na TV, no início da década de 1980 o fenômeno era novidade no Brasil. A Igreja Universal do Reino de Deus havia inaugurado a prática, inspirada naqueles pregadores dos Estados Unidos, com o programa “O Despertar da Fé”, na TV Tupi, em 1978. E Malafaia queria ir além do sogro. Já havia mostrado interesse em uma carreira no mundo religioso desde a adolescência e viu na TV o caminho para se tornar um evangelizador de repercussão nacional.

Programa de Silas Malafaia teve diferentes nomes e se modernizou ao longo das décadas, assim como o visual do pastor (Crédito: Reprodução/ Avec)

O próprio pastor relatou essa aspiração ao ICL Notícias: “Eu acreditava que a televisão era um instrumento muito poderoso de comunicação e sentia que tinha uma vocação pra chegar e fazer programa”. Malafaia contou ao sogro sobre a intenção. “A gente assistia naquela época, que era o programa mais famoso, o Jimmy Swaggart. Um monstro esse cara na televisão! E a gente assistindo, uma vez eu falei pro meu sogro: ‘Eu vou entrar nesse negócio aí’. Eu não era pastor, tinha 18 pra 19 anos. Aí ele falou: ‘Sonha, garoto. Sonhar faz bem pra saúde.’”

O apoio de Santos à aventura do genro no televangelismo foi especialmente importante porque naquela época a TV ainda era mal vista por boa parte dos pastores da Assembleia de Deus. Muitos aconselhavam que os fiéis nem mesmo tivessem o aparelho em casa.

Até hoje, Malafaia costuma destacar as dificuldades financeiras no início de sua trajetória na TV. “Eu sei o que passei pra manter o programa no ar. Vendi carro, só não vendi mulher e filho porque não podia”, bradou ele, durante um culto, em 2013.

O casamento com Elizete não foi o único motivo que fez Silas Malafaia cair nas graças do sogro, o pastor José Santos. Nascido em 1958, Malafaia é o quarto filho do casal Gilberto e Albertina Malafaia, e foi criado no Largo do Tanque, bairro de periferia em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Gilberto Malafaia, o pai dele, era militar da Marinha e pastor da Assembleia de Deus. Albertina, a mãe dele, era educadora e uma típica fiel assembleiana.

Silas Malafaia (em pé ao centro) posa ao lado dos quatro irmãos, enquanto seus pais sorriem no sofá 

Gilberto Malafaia era católico, mas se converteu à Assembleia de Deus no fim dos anos 30, levando boa parte da família, como a mãe e irmãos, para a igreja.

Logo, se tornaram nomes importantes no meio evangélico. Gilberto Malafaia fundou a Assembleia de Deus de Jacarepaguá, em 1972. Já seu irmão Carlos foi o responsável por levar a igreja para Campo Grande, também na Zona Oeste, hoje, o maior bairro do Brasil, segundo o IBGE.

A família segue até hoje no comando de ambas as congregações. A de Jacarepaguá foi incorporada por Silas Malafaia na Advec e hoje é comandada por Silas Filho, o primogênito do pastor. “A minha família é uma família muito tradicional de pastores. Meu pai e seus irmãos. Depois os filhos: eu e meus primos. E agora meu filho e os filhos dos meus primos. Estamos na terceira geração de pastores”, contou ele.

Gilberto Malafaia (ao centro) passa o comando da Assembleia de Deus de Jacarepaguá para o neto Silas Filho (à direita), enquanto Albertina Malafaia (à esquerda) ora com as mãos na Bíblia

Em meados dos anos 60, os caminhos das famílias Malafaia e Santos se uniram definitivamente. Gilberto Malafaia tornou-se o braço direito de José Santos na liderança da Assembleia de Deus da Penha, assumindo, eventualmente, a vice-presidência da congregação.

As duas famílias criaram laços de intimidade. A convivência aproximou Silas de alguns dos 11 filhos de Santos, que tinham a mesma faixa etária que ele.

Irmão mais velho de Silas, Samuel Malafaia, hoje deputado estadual no Rio pelo PL, logo começou a namorar Elizabeth, filha mais velha do pastor José Santos. Os dois são casados até hoje.

Pouco depois foi a vez de Silas e Elizete, então com 14 e 13 anos, respectivamente, também iniciarem um namoro. Juntos, os dois se envolveram com diversas atividades da igreja, nas quais Silas Malafaia se destacava.

Participaram de grupos jovens, pregavam pelas ruas do Rio da carroceria de caminhonetes e até integraram um conjunto musical Gospel, o Coral e Orquestra Renascer. Elizete cantava e Silas Malafaia tocava instrumentos no grupo. O casal chegou a produzir alguns de seus discos na década de 1980.

O namoro de Silas e Elizete virou casamento quando ele tinha 21 anos e ela 20. A cerimônia foi no antigo templo-sede da Assembleia de Deus da Penha, diante de uma igreja lotada. Silas, ainda sem bigode, usava um terno todo branco com gravata preta. O cabelo, ligeiramente comprido, seguia a moda de astros de sua adolescência, como os cantores da Jovem Guarda. Já Elizete casou de véu e grinalda, com um vestido tradicional que lhe cobria o colo com renda.

Elizete e Silas Malafaia celebram seu casamento, em fevereiro de 1980
(Crédito: Reprodução/ Facebook)

Em 1980, embora atuasse ativamente na igreja do sogro, ele ainda não era pastor. Até ali, contou que ganhava a vida com empregos comuns: “Eu fui vendedor da Elma Chips. Antes trabalhei em uma empresa como corretor de seguros”.

A trajetória do pai na Assembleia de Deus e o prestígio do sogro se somaram para que Silas tivesse uma ascensão meteórica no mundo evangélico. Formado em teologia e psicologia, Malafaia liderou por anos a audiência entre os programas evangélicos, destacando-se ao incorporar discursos políticos e sociais, marcados por um tom indignado, às suas pregações.

Malafaia recorre à sua formação em psicologia para defender pautas ultraconservadoras, usando argumentos pseudocientíficos em cultos e livros para justificar sua oposição ao aborto e aos direitos LGBTQIAP+, entre outros temas.

Colegas de turma na Universidade Gama Filho, Silas Malafaia e Elizete se formaram em psicologia
(Reprodução/ Facebook)

A tarefa de se manter no ar acabou resultando na fundação do que hoje é a Associação Vitória em Cristo, aquela que ele queria usar para pagar a manifestação de Bolsonaro. A entidade foi criada ainda em 1982 para reunir doações de fiéis que garantissem a exibição do programa de Malafaia. Com o tempo, passou a movimentar dezenas de milhões de reais por ano a partir dessas contribuições. O problema é que, como identificou a Receita, não é possível saber a origem desses valores supostamente ofertados pelos fiéis, já que a Avec se recusa a informar os doadores. Há suspeita, inclusive, de que parte dessas contribuições sejam feitas em dinheiro vivo.

Amor

ao dinheiro

O sucesso do programa transformou o menino nascido no Tanque em um pastor conhecido nacionalmente. A vinculação entre o nome dele e o de seu programa foi tanta que quando seu sogro, o pastor José Santos, morreu, em fevereiro de 2010, Malafaia não titubeou em moldar a igreja à sua imagem e semelhança.

Um mês depois da morte do sogro, Malafaia foi aclamado, por unanimidade, o novo pastor presidente da Assembleia de Deus da Penha. No mês seguinte, mudou o nome da igreja para Assembleia de Deus Vitória em Cristo, associando a congregação ao nome de seu programa de TV.

A fama conquistada com anos de mídia impulsionou a meta de Malafaia de se tornar porta-voz dos evangélicos. Seu voo solo como líder de igreja coincidiu com mudanças no visual e no discurso. No culto de posse como presidente da Assembleia de Deus da Penha, ajoelhou-se e encostou a testa no chão em sinal de humildade.

Malafaia se ajoelha durante o culto em que tomou posse como novo presidente da Assembleia de Deus da Penha, em março de 2010. Um mês depois, transformaria a igreja na Advec

Não demorou para que Silas Malafaia passasse a exibir um padrão de vida bem diferente do homem simples do início de sua trajetória. Progressivamente, ele e sua família passaram a dar sinais de uma vida milionária.

Malafaia promoveu uma expansão da herança que recebeu do sogro – uma igreja com presença sobretudo na Zona Norte do Rio. De acordo com informações divulgadas em seu site, em 2024, a Advec hoje possui 149 templos, com presença em 11 estados e no Distrito Federal – só não chegou ainda à Região Norte.

Mesmo com o baque causado pela pandemia de covid-19, que reduziu significativamente as receitas das igrejas evangélicas, Malafaia abriu ao menos 25 novos templos no Brasil desde 2020. Os dados foram identificados pelo ICL Notícias com base em registros de abertura de pessoas jurídicas na Receita Federal. O pastor também abriu quatro unidades em Portugal – está presente na capital Lisboa, no Porto, em Mafra e em Montijo – e uma em Boston, nos Estados Unidos.

Acompanhando o crescimento da Advec, ocorre o milagre da multiplicação na vida financeira de Silas Malafaia. Ao mesmo tempo em que expandia a entidade, ele passou a atravessar o país a bordo de jatinhos executivos e a circular pelas ruas do Rio de Janeiro em carros importados. Enquanto isso, seu herdeiro, Silas Filho, mais discreto, curte frequentes viagens ao exterior com a esposa Rachel – pastora na Advec e cantora gospel. Os dois frequentam destinos de luxo, como a ilha de Santorini, na Grécia, e Dubai, nos Emirados Árabes.

Nos passeios mundo afora, o casal não poupa itens de luxo: Rachel circula com bolsas e mochilas de grifes como Louis Vuitton e Michael Kors, e óculos escuros Tory Burch. Silas Filho, por sua vez, demonstra uma predileção por itens da Tommy Hilfiger.

Rachel e Silas Filho tiram selfie durante passeio no deserto em Dubai, acompanhados por Malafaia e Elizete

Silas Filho na ilha grega de Santorini com a mulher Rachel, que usa uma bolsa Loius Vuitton

O casal se beija em frente à Fontana di Trevi, em Roma  (Crédito: Reprodução/ Facebook)

Rachel e Silas Filho tiram selfie durante passeio no deserto em Dubai, acompanhados por Malafaia e Elizete

Silas Filho na ilha grega de Santorini com a mulher Rachel, que usa uma bolsa Loius Vuitton

O casal se beija em frente à Fontana di Trevi, em Roma  (Crédito: Reprodução/ Facebook)

Rachel e Silas Filho tiram selfie durante passeio no deserto em Dubai, acompanhados por Malafaia e Elizete

Silas Filho na ilha grega de Santorini com a mulher Rachel, que usa uma bolsa Loius Vuitton

O casal se beija em frente à Fontana di Trevi, em Roma  (Crédito: Reprodução/ Facebook)

Rachel e Silas Filho tiram selfie durante passeio no deserto em Dubai, acompanhados por Malafaia e Elizete

Silas Filho na ilha grega de Santorini com a mulher Rachel, que usa uma bolsa Loius Vuitton

O casal se beija em frente à Fontana di Trevi, em Roma  (Crédito: Reprodução/ Facebook)

Rachel e Silas Filho tiram selfie durante passeio no deserto em Dubai, acompanhados por Malafaia e Elizete

Silas Filho na ilha grega de Santorini com a mulher Rachel, que usa uma bolsa Loius Vuitton

O casal se beija em frente à Fontana di Trevi, em Roma  (Crédito: Reprodução/ Facebook)

Silas Malafaia é dono, ao lado da esposa Elizete, de ao menos seis empresas. A maioria delas funciona no mesmo endereço na Taquara onde ele concedeu a entrevista ao ICL Notícias. A principal é a Central Gospel, editora e gravadora especializada no público cristão. Em 2024, a família abriu um segundo CNPJ vinculado à editora, a CGMAX Cosméticos, que fornece produtos vendidos por meio do serviço de marketing multinível criado dentro da Central Gospel, o CGMAX.

O casal também é dono da Editora Vida Vitoriosa, que vende cursos online ensinando técnicas de pregação e liderança para pastores. Eles ainda mantêm outras duas empresas cujo escopo de atuação não é conhecido.

Para além das empresas, a família Malafaia ainda controla as verbas milionárias que passam pelas contas da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e da Avec, que tem sob seu guarda-chuva uma série de eventos pagos organizados por Silas Malafaia, como a Eslavec (Escola de Líderes da Associação Vitória em Cristo) e até um serviço de streaming: o Gospel Play.

Em todas essas empresas e instituições religiosas, integrantes da família Malafaia ocupam postos-chave.

Milhões

em “doações espontâneas”

Esse é o caso da Avec, controlada hoje por Silas Filho. Ao mesmo tempo em que Malafaia se tornava dono de igreja, a entidade beneficente recebia um volume expressivo de recursos. Apenas no ano de 2010, a associação recebeu cerca de R$ 98 milhões em doações – em valores corrigidos, a quantia hoje é equivalente a R$ 223,4 milhões. Quase 100% desse valor foi declarado como “doações espontâneas”.

No entanto, a família Malafaia faz a gestão da entidade sem dar qualquer transparência sobre a origem — e, muito menos, o destino — do dinheiro que recebe de seus doadores. 

A reportagem constatou com base em documentos oficiais que é justamente na Avec que Silas Malafaia registra parte de seu patrimônio pessoal. Esse é o caso dos dois jatinhos que o pastor teve ao longo da vida. O atual avião dele é um Cessna Citation III, avaliado em US$ 1 milhão – aproximadamente R$ 5,6 milhões.

Registro do avião usado por Malafaia na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil)
(Crédito: Reprodução/ Anac)

O jatinho é um tema frequente e incômodo nas entrevistas e até mesmo nas pregações de Malafaia no púlpito de sua igreja. O pastor já se exaltou diversas vezes ao tratar do assunto, negando sempre que a aeronave seja sua.

“O avião não é meu, é do meu ministério. Tá em nome da Associação Vitória em Cristo”, queixou-se ele, aos berros, em 2013. Ainda emendou: “Não tenho dinheiro para ter avião, não”.

No discurso, Malafaia diz que a aeronave serve exclusivamente às obras de sua igreja, mas é usada constantemente pelo pastor. A reportagem conseguiu mapear uma amostragem de dez voos do jatinho do pastor entre 2015 e 2019, com base em registros feitos por fotógrafos e cinegrafistas em aeroportos. Ao cruzar as datas com as agendas públicas de Silas Malafaia, é possível constatar que em quase todos eles, era o próprio pastor quem estava nas cidades por onde a aeronave passou.

Um exemplo: em 29 de maio de 2019, um fotógrafo flagrou o avião do Malafaia se preparando para decolar no Aeroporto do Galeão, no Rio. Naquele dia, o pastor e sua esposa Elizete saíram do Rio de Janeiro com destino a Fortaleza. O casal participou de uma conferência na Igreja Batista Comunidade do Amor, hoje rebatizada como Igreja Seven.

Avião usado por Malafaia pousa em Jundiaí (SP), em 2019 (Crédito: Reprodução/ Youtube)

O convite foi feito pelo reverendo Munguba Junior, líder da congregação e aliado de Malafaia no meio evangélico. O uso do jatinho, custeado com recursos dos fiéis, para um trajeto de apenas 3 horas, realizado diariamente por voos comerciais, já poderia ser alvo de questionamentos.

Neste caso, o conflito de interesses foi ainda maior porque participações de grandes nomes do meio gospel, como as do casal Malafaia, costumam ser remuneradas com ofertas de valores expressivos. O próprio Malafaia chegou a declarar mais de R$ 60 mil, no ano de 2018, de acordo com seu Imposto de Renda.

Malafaia também usa a Avec e a igreja para registrar vários dos carros que utilizou nas últimas duas décadas. O último deles foi um Jeep Commander. O SUV importado pode custar mais de R$ 300 mil.

Não faltam itens de luxo nesse carro de Malafaia. O Jeep tem tração nas 4 rodas e motor 2.0 que rende 272 cavalos de potência. Exibe acabamento todo em couro e teto panorâmico com controle elétrico, além de rodas de liga leve aro 19 e diversos recursos eletrônicos, como um sistema de som premium.

Malafaia sorri a bordo do Jeep Commander; importado era usado como carro particular por ele, mas estava registrado em nome da igreja (Reprodução/ Instagram)

Embora utilizado por Malafaia, o veículo foi registrado em nome da igreja. Com isso, deixou de aparecer como crescimento patrimonial do pastor e, de quebra, teve isenção de IPVA, devido à imunidade tributária da igreja, a Advec. 

A Associação Vitória em Cristo entrou na mira da Receita Federal em fevereiro de 2014. Os auditores encontraram inconsistências nas contas da entidade de Malafaia referentes a 2010 – justamente o ano em que o pastor assumiu o comando da igreja do sogro. 

Mais de R$ 55 milhões

em doações SOB SIGILO

A Delegacia da Receita no Rio de Janeiro constatou uma série de irregularidades nos registros contábeis da Avec e decidiu punir a entidade. Em maio de 2015 veio o veredito: a isenção fiscal da entidade foi suspensa para o ano de 2010 e uma autuação de R$ 25,4 milhões foi aplicada, com base no valor dos impostos devidos em razão da suspensão do benefício, mais juros de mora e multa de 75%. Malafaia recorreu da decisão e o processo chegou ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a última instância para litígios entre a Receita e os contribuintes.

O acórdão do Carf – que manteve a punição – resume as principais irregularidades encontradas pela Receita nas contas da Avec. A principal delas diz respeito à origem dos recursos milionários que entraram na conta da entidade.

Silas Malafaia sempre afirmou que as atividades da Avec eram bancadas pelas contribuições de pequeno valor feitas pelos fiéis – chamados de parceiros ministeriais. Até hoje, a entidade oferece planos de doações mensais que vão de R$ 30 a R$ 1 mil. Contudo, o cenário encontrado pelos auditores foi outro. Cerca de 60% do dinheiro que entrou na Avec em 2010 veio de doações acima de R$ 100 mil, parte delas oriundas do exterior. Juntas, essas contribuições de alto valor representavam quase R$ 55,7 milhões em valores da época.

Apesar das requisições da Receita, a entidade de Malafaia se negou a revelar quem foram os responsáveis por doações tão generosas. Tudo que a Avec se dispôs a compartilhar com as autoridades foram comprovantes de pagamento de três boletos, todos no valor de R$ 30, e cópia de duas doações de maior monta: um cheque de R$ 100 mil de uma pessoa física e uma transferência bancária de R$ 200 mil recebida de uma empresa. Os nomes dos doadores não foram informados no processo.

“Os ingressos de recursos na Associação têm como pilares depósitos bancários ou liquidação de cobrança, que configuram doações espontâneas, cujos doadores são mantenedores/colaboradores da Avec, em todo país e de alguns países no exterior, que, no anonimato, depositam espontaneamente recursos financeiros”, disse a Avec, em sua defesa. A entidade sustentou ainda que não tinha obrigação de informar quem eram seus patrocinadores, cujas contribuições poderiam “ser declaradas ou não ao Fisco” pelos doadores.

Em processo no Carf, Avec se recusou a comprovar origem de doações de alto valor que recebeu em 2010
(Crédito: Reprodução/ Carf)

O jurista Paulo Corval, especializado em direito tributário e financeiro, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), que analisou a documentação a pedido do ICL Notícias, avalia que o fato de a própria Receita não ter informações sobre quem são os doadores da Avec sugere que parte relevante desse montante tenha sido movimentada em dinheiro vivo.

“O adequado e de boa governança é você ter transparência de quem te doou. E mais, movimentações dessa ordem têm regras do Banco Central, têm regras da própria Receita, para que sejam identificadas quando tramitam no âmbito bancário. O único jeito de não ser identificado é se o valor for em dinheiro vivo”, explica Corval.

O acórdão do Carf descreve outras irregularidades encontradas pela Receita:

“A contribuinte [Avec] teria remunerado dirigentes da associação; aplicado recursos em desacordo com os objetivos sociais da entidade; e deixado de recolher imposto de renda retido na fonte de diversos pagamentos de forma a contribuir para que terceiros praticassem ilícitos fiscais”.

A suspeita de a Avec ter feito remuneração indevida a dirigentes veio do fato de os auditores terem localizado o pagamento de despesas pessoais de integrantes da diretoria. O acórdão do Carf exemplifica: a Avec pagou curso e boletos de faculdade de Lívia Malafaia, sobrinha de Silas e filha de seu irmão Samuel Malafaia, deputado estadual no Rio.

Para Corval, esse ponto da decisão gera discussão. O tributarista pondera que os pagamentos feitos não representam necessariamente remuneração. Ele defende que a alegação dos auditores é frágil: “O fundamento do parecer, o fundamento jurídico da decisão não está bom. As bases jurídicas. Ele descaracteriza certas coisas e a premissa para descaracterizar foi essa: não tem mais imunidade. E para mim o que tá dito aqui não é o suficiente para você chegar a essa conclusão.”

Paulo Corval criticou a falta de sequência na investigação. Segundo ele, o procedimento padrão seria que a apuração fosse aprofundada. O ICL Notícias requisitou o processo contra a Avec à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação, mas o órgão negou-se a disponibilizar os documentos, sob a justificativa de que faziam parte do sigilo fiscal da entidade de Malafaia. A reportagem não localizou outros procedimentos sobre a Avec, tampouco processos judiciais sobre o tema.

Até hoje Lívia Malafaia é listada como diretora da entidade. Depois do imbróglio com a Receita, Silas Malafaia se afastou do comando direto da Avec. Hoje ela é presidida por Silas Filho, que, ao que tudo indica, vem sendo preparado para herdar o império religioso e comercial montado pelo pai.

Outro ponto destacado pela auditoria foram os gastos com publicidade, que servem para custear a exibição do “Programa Vitória em Cristo”, em todo o território nacional. Só em uma lista de aproximadamente 20 transações contestadas pela Receita há R$ 320,2 mil em compra de horários para a exibição da atração – mais de R$ 700 mil em valores atuais. Essas despesas, no entanto, não incluíam as principais emissoras responsáveis por exibir o programa à época.

Diante do conjunto de provas, a defesa da Avec focou em buscar uma suposta nulidade ao questionar a forma de intimação por parte da Receita Federal. A tese não prosperou e a entidade acabou condenada definitivamente em maio de 2019.

Em entrevista ao ICL Notícias, Malafaia alegou que todo o processo se tratou de “perseguição política” e acusou a então presidente Dilma Rousseff (PT) de responsabilidade pela autuação, mas não apresentou uma evidência sequer que ligue a petista ao caso. “Isso aí é a luta que eu tô. Foi Dilma! Isso é 2010! Eu tô numa guerra. Perseguição, bandidagem, safadeza!”, disse o pastor. Malafaia afirmou que segue contestando a multa aplicada pela Receita.

empresa de malafia entra em recuperação judicial, mas ele lucra

R$ 500 mil

A condenação no Carf não foi o único revés financeiro enfrentado pelos negócios da família Malafaia em 2019. No mesmo ano, a Editora Central Gospel, principal empresa de seu império, teve que pedir recuperação judicial devido à ameaça de falência por dívidas superiores a R$ 30 milhões. Fundada em 1999, a Editora Central Gospel é responsável pela comercialização dos livros e conteúdos audiovisuais com mensagens religiosas de Malafaia.

ICL Notícias teve acesso à íntegra da ação judicial, que tramitou de forma pública em uma vara empresarial do Rio de Janeiro. E cruzou com documentos de outros processos a que teve acesso.

Informações prestadas ao Fisco demonstram que, em anos anteriores, a Central Gospel foi a principal fonte de renda do casal. Em 2013, quando a empresa já enfrentava dificuldades, Malafaia declarou uma renda total de R$ 1,2 milhão dos quais R$ 927,3 mil (77,3%) vieram da editora.

Já em 2019, para que o pedido de recuperação judicial fosse aceito, Malafaia anexou ao processo, suas declarações de Imposto de Renda do ano base de 2018. Mesmo com sua principal empresa em crise, os rendimentos dele não diminuíram. Naquele ano, a renda bruta de Malafaia foi superior a R$ 1,35 milhão. O que mudou foi a principal fonte pagadora. Desta vez, 70% de seus rendimentos — R$ 962,4 mil — vieram da igreja, enquanto da editora ele recebeu apenas R$ 36 mil, ou seja, menos de 3% do total.

Embora a maior parte de seus rendimentos em 2018 tenham vindo da igreja, a ocupação principal declarada por Malafaia ao Fisco foi “proprietário de empresa ou de firma individual, comercial ou prestadora de serviços”, com o cargo de “dirigente, presidente e diretor de empresa industrial, comercial ou prestadora de serviço.”

A mesma informação já havia constado na declaração de 2013, anexada pelo pastor em outro processo judicial, desta vez relacionado à Operação Timóteo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Durante a recuperação judicial, a Central Gospel pôde renegociar suas dívidas com funcionários, fornecedores e instituições financeiras em condições muito mais favoráveis que as de mercado. Essa barganha envolveu o parcelamento do passivo em até 10 anos e a proposta para que os credores aceitassem um deságio – espécie de desconto – nos valores que tinham para receber. Em alguns casos, esse abatimento chegou a 40%.

O processo foi encerrado em 2024, depois de a Justiça do Rio de Janeiro aceitar um plano de reestruturação da empresa, supervisionado por um administrador judicial. Ainda assim, a dívida da empresa da família Malafaia na praça chega a quase R$ 30 milhões, contando também o passivo tributário. A informação consta no último relatório feito pelo administrador judicial designado pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

Em processo de recuperação judicial, Central Gospel admitiu perdas de mais de R$ 100 milhões

No alvo da PF

As doações recebidas por Malafaia já vinham sendo investigadas. Em 16 de dezembro de 2016, ele foi alvo de condução coercitiva e indiciado por lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Timóteo. A investigação da PF apurava um esquema de desvio de recursos da CFEM  (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) — os royalties da mineração — por meio de contratos fictícios com prefeituras em troca de propina.

O nome de Malafaia surgiu após a quebra de sigilo de um dos envolvidos, o advogado Jader Pazinato, um dos pivôs do escândalo, que lhe entregou um cheque de R$ 100 mil em 2013. O pastor alegou que foi uma oferta religiosa, mas a PF suspeitou de lavagem de dinheiro.

O elo entre Pazinato e Malafaia foi a Igreja Embaixada do Reino de Deus (Ierd), localizada em Santa Catarina, e liderada pelo pastor Michael Aboud, então muito próximo de Malafaia. 

Nas redes sociais de ambos e de suas igrejas é possível ver que eles se visitavam com frequência e realizavam atividades em conjunto – Silas Malafaia foi diversas vezes a Balneário Camboriú pregar no principal templo da Ierd. Em contrapartida, convidava Aboud para congressos e eventos que organizava. 

Evangélicos, Jader Pazinato e sua esposa – também investigada pela PF – eram membros da Ierd. O casal repassou R$ 1,7 milhão à igreja catarinense, segundo os investigadores constataram com base em seus dados bancários. 

Na mesma época, Malafaia recebeu um cheque de R$ 100 mil de Pazinato, e alegou em culto — e depois à PF — que a quantia era uma oferta por uma oração feita em 2011, quando Pazinato estava em meio a uma causa importante.

Silas Malafaia exibe o cheque recebido de Pazinato durante culto em arena no Rio de Janeiro, em 2013
(Crédito: Reprodução/ Youtube)

Pazinato poderia ter feito uma transferência bancária, mas preferiu entregar o cheque a Malafaia em mãos. Pegou um avião com o pastor Michael Aboud e foi até o Rio de Janeiro fazer a doação ao líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Por conta desse pagamento, Malafaia acabou indiciado por lavagem de dinheiro. A igreja catarinense também foi alvo de buscas da PF e sofreu inclusive bloqueio de recursos financeiros. Após entrarem na mira dos investigadores, Malafaia e Aboud demonstraram sintonia. Os dois defenderam-se mutuamente, acusaram a polícia de criminalizar dízimos e ofertas, e negaram envolvimento no esquema.

A defesa de Malafaia se baseou no fato de ele supostamente só ter recebido uma contribuição pontual de Pazinato. No seu programa de TV, no dia seguinte à operação da PF, chegou a afirmar: “Não recebi vários cheques. Recebi um cheque, tô dando a data aqui pra vocês”, disse ele, antes de completar. “Como tentam jogar minha reputação na lama, dizendo na imprensa e insinuando como se eu recebesse vários cheques nas minhas entidades?”

Contudo, ao analisar a documentação, a reportagem identificou um laudo da PF de 2016 que revelava um pagamento anterior de Pazinato a Malafaia, contrariando sua versão. A empresa repassou R$ 20 mil para a Avec em 2010 – justamente o ano do pente-fino da Receita Federal, quando a entidade se recusou a informar quem eram os seus doadores. Essa nova doação não foi investigada ou sequer mencionada pela PF nos relatórios da Operação Timóteo.

Laudo da Polícia Federal identificou novo pagamento de Jader Pazinato para a Avec, entidade beneficente de Silas Malafaia (Crédito: Reprodução/ PF)

Acossado pelas investigações, Malafaia apelou para a ajuda do advogado Willer Tomaz, um dos homens mais influentes de Brasília, como ele mesmo confessou em vídeo publicado em 2017. “Ele é um advogado grande, forte aqui em Brasília. Como é o meu advogado aqui no Rio, o Vacite. Eu falei: ‘Willer, me ajude. Isso é uma safadeza’. Isso que eu pedi a ele, porque é um cara de influência. Mas ninguém despachou nada a meu favor, tá tudo aí parado”, contou Malafaia. 

Willer Tomaz atuou como advogado da Igreja Embaixada no Reino de Deus na ação sobre a Operação Timóteo. Coincidência ou não, embora continuem no processo, tanto Malafaia quanto a Ierd viram a investigação sobre eles parar nos anos seguintes.

Em defesa do

Poder

Em paralelo ao seu crescimento financeiro, Silas Malafaia experimentou também a ascensão do seu capital político, a ponto de hoje ter um assento na mesa das grandes discussões da República.

O principal passaporte de Malafaia para o primeiro time da política brasileira foi a amizade com Jair Bolsonaro. Os dois desenvolveram uma relação política no fim da década de 2000, ao se envolverem no combate ao PL 122, que ficou conhecido na época como a lei anti-homofobia. “Foi ali que tivemos afinidade”, confessou Malafaia.

Silas Malafaia espalhou outdoors pelo Rio de Janeiro em campanha contra PL que criminalizaria a homofobia
(Crédito: Reprodução)

O apoio da bancada do PT no Congresso ao projeto, que previa a criminalização da LGBTfobia, foi a justificativa adotada pelo pastor para romper com o governo Dilma Rousseff e se juntar à oposição antipetista.

Mas o ato que sacramentou mesmo a união entre o pastor e o capitão foi outro episódio. Michelle frequentava cultos da igreja de Malafaia e só tinha feito o registro civil do casamento com Bolsonaro. “Quando acabou um culto, eu falei: ‘Rapaz, a mulher sonha em casar na igreja… Rapaz, tem que casar!’”, relatou o pastor na entrevista ao ICL Notícias. Malafaia então realizou a cerimônia em março de 2013, em uma casa de festas concorrida no Alto da Boa Vista, bairro carioca incrustado na Floresta da Tijuca.

Silas Malafaia celebra casamento de Jair Bolsonaro com Michelle, em 2013
(Crédito: Reprodução/ Facebook)

O tempo passou e o pastor tornou-se um dos primeiros e mais importantes apoiadores da candidatura presidencial de Bolsonaro em 2018. Durante o governo, ele figurou entre os principais conselheiros do então presidente. Revoltado com o fechamento de igrejas por conta das medidas de isolamento social, teve papel importante em aconselhar o então presidente a seguir uma linha negacionista na condução da pandemia da covid-19.

Mas a grande vitória de Malafaia durante o governo Bolsonaro foi ter conseguido emplacar um ministro “terrivelmente evangélico” no STF. O pastor foi, ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro, o grande avalista do nome de André Mendonça, então ministro da Justiça, para uma vaga na corte.

Malafaia é cumprimentado por André Mendonça, recém-nomeado ministro do STF, durante culto na sede da Advec em dezembro de 2021

Após a derrota de Bolsonaro, Malafaia foi um dos principais porta-vozes da tese falsa de que a eleição havia sido fraudada para beneficiar Lula. E também foi um dos principais difusores dos ataques contra o STF.

Ao mesmo tempo que Malafaia reproduzia a interpretação golpista da Constituição para justificar uma tomada de poder pelo Exército, militares articulavam o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que tinha por objetivo final o assassinato de Lula, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes. 

As investigações, porém, não apontaram nenhum envolvimento direto dele no plano. Enquanto seus aliados, entre eles Jair Bolsonaro, se tornaram réus em março de 2025, o pastor segue destilando ataques contra as instituições e patrocinando manifestações – agora com a pauta de anistia aos golpistas do 8 de janeiro. 

E, para manter o poder financeiro e político, Silas Malafaia deu mostras de que sua visão de futuro vai além da religião e dos negócios. Além de financiar as manifestações em defesa de Jair Bolsonaro, Malafaia decidiu formar o seu próprio exército de influenciadores de extrema direita. E seu alvo principal é o público jovem. 

No culto de Santa Ceia, em 8 de dezembro de 2024, acompanhado pela reportagem, Malafaia dedicou o grande momento de sua pregação ao anúncio do resultado de um concurso de vídeos curtos feitos por adolescentes da Advec. 

Malafaia havia proposto o “desafio” um mês antes, no principal encontro de jovens de sua igreja: o Stronger. Malafaia propôs que os adolescentes fizessem Reels –formato de vídeos curtos do Instagram. A promessa era que Malafaia premiaria o melhor trabalho com um notebook.

O pastor deu algumas sugestões de tema: “É um treinamento pra você. Faça um vídeo. Essas demandas todas: ideologia de gênero, ativismo gay, tudo aí que você entender. Política, tá? Direita e esquerda: o que uma defende, o que a outra não defende.”

O conselho se refletiu nos três vencedores. O pastor anunciou os nomes dos escolhidos nos telões e na transmissão online do culto. Entre os jovens “premiados”, estava uma adolescente, de 16 anos, que produziu um vídeo afirmando que o feminismo foi criado para “destruir os verdadeiros papéis da família e desvalorizar os papéis de mãe, esposa e dona do lar”.

O concurso é um dos sinais de que, para manter seu poder e riqueza, Silas Malafaia irá se renovar para manter seu papel de porta-voz dos evangélicos, independente do destino de Jair Bolsonaro. Em 2022, na celebração de seu aniversário na igreja, com um extravagante paletó verde abacate e um relógio Rolex dourado, ele disparou: “Nós vamos influenciar [a política], sim!”, bradou. “Se sindicalista influencia, se socialista influencia, se comunista influencia… Nós vamos influenciar, sim!”

REPORTAGEM ESPECIAL DO ” BLOG ICL NOTÍCIAS” ( BRASIL)

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