AMOR INGLÊS DE BOXER POR PORTUGAL

Devo parte de meu precioso acervo sobre o futebol português ao queridíssimo amigo Duda Guennes (1937 – 2011), o mais lisboeta dos pernambucanos. Ainda em vida, mas já bastante doente, residindo num pequeno apartamento, à rés do chão, de um predinho de três andares numa ladeira próxima à Praça da Alegria, presenteou-me, como se eu fosse um de seus herdeiros, valiosas coleções de revistas e galhardetes do amado Benfica.

Era um jornalista tão talentoso quanto irreverente. Trabalhava, ao mesmo tempo, como correspondente do semanário satírico carioca “O Pasquim” e colunista do diário “A Bola”, que, aliás, comemora 80 anos em 2025 – o qual merecerá, em breve, uma especial coluna. Devo a Guennes, sobretudo, dois outros presentes inestimáveis. Foi ele quem me apresentou e me regalou “O Império Colonial Português”, monumental ensaio do inglês Charles Ralph Boxer (1904 – 2000), que assina C.R. Boxer (foto), publicado em 1969, entretanto, traduzido só em 1977 para o português, e o portentoso “Memorial do Convento”, obra prima do lusitano José Saramago (1922 – 2010), editado em 1982 – vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1998.

Ganhei ambos os livros recém-lançados em Portugal. Poucos sabiam, à época, da veia literária do jornalista ribatejano Saramago, ex-diretor-adjunto do “Diário de Notícias” e membro do PC Português. Conhecia-se ainda menos o historiador Boxer, meticuloso pesquisador do mundo lusófono, no período que vai de 1415 a 1825, quando, conforme observou, uma guerra civil, entre dois irmãos, os príncipes Pedro I e IV (1798 – 1834) e Miguel I (1802 – 1866), filhos do Rei Dom João VI (1767 – 1826), acabaria por precipitar a independência do Brasil.

Boxer nasceu em Sandown, localidade na ilha de Wight, ao Norte de Londres. Dedicou-se tanto à lusofonia que chegou a ser professor de português, na capital inglesa, no pós-guerra, depois de desligar-se, em 1948, do Exército Britânico com a graduação de Major. Sua dissertação a respeito das conquistas no Ultramar das dinastias de Avis e da Sereníssima Bragança mostra, principalmente, a extraordinária presença da Coroa de Lisboa em toda a Ásia no século XVI. Foi um ilustríssimo ‘lusitanista’, porém, igualmente, um expressivo conhecedor dos avanços da Holanda no Extremo Oriente. Escreveu, inclusive, em sua extensa bibliografia, “Os Holandeses no Brasil” (“The Dutch in Brazil”), em 1957, e, decorridos cinco anos, em 1962, “Idade de Ouro do Brasil” (“The Golden Age of Brazil (1695 – 1750)”.

Ele ressalta, com razão, que Portugal criou o primeiro império colonial moderno e, também, foi o último a desaparecer. Os países e cidades que os portugueses construíram ao redor do planeta, segundo Boxer, possuem características próprias, tipicamente lusitanas, como constatou o pernambucano Gilberto Freyre (1900 – 1987) em “O Mundo que o Português Criou”, de 1940 – sete anos após “Casa Grande & Senzala”.

O autor inglês destaca a tenacidade do povo português que conseguiu opor-se e sobreviver a inimigos bem mais poderosos – como sua Inglaterra, França e Espanha. Boxer traça a evolução marítima portuguesa desde o início das viagens de descoberta, em meados do século XV, numa obra que disseca as grandezas e reveses de uma aventura sem paralelo na história da humanidade. Pela visão de conjunto e profundidade da investigação, “O Império Colonial Português” constitui, indubitavelmente, uma peça fundamental no estudo do universo da expansão portuguesa.

Quero ressaltar, aqui, a relevância de Boxer – um escritor, infelizmente, quase desconhecido no Brasil. Justamente o contrário de Saramago, que, deste lado do Atlântico, tornou-se, rapidamente, um bestseller.

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *