
CHARGE DE GERVASIO
Com a mudança, fica quase impossível saber se ele irá trabalhar para o Nubank apenas a partir de julho deste ano ou se já vinha trabalhando no passado
A nomeação do ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como vice-chairman e chefe global de políticas públicas do Nubank, é um caso emblemático da prática conhecida como “porta giratória”, em que agentes públicos, ao deixarem cargos estratégicos, assumem posições de destaque em empresas diretamente beneficiadas por suas decisões anteriores – o que também pode ser classificado como corrupção com pagamento a prazo.
O anúncio da contratação partiu diretamente de Grand Cayman, nas Ilhas Cayman, jurisdição amplamente reconhecida como paraíso fiscal, onde está sediada a Nu Holdings. A formalização da contratação em território offshore acentua as preocupações éticas e políticas. Afinal, o que está em jogo não é apenas uma mudança de carreira, mas o risco real de que a atuação anterior de Campos Neto no comando do Banco Central já estivesse, de forma velada, alinhada com os interesses do grupo privado que agora o acolhe.
Durante sua gestão no Banco Central, Campos Neto foi responsável pela introdução de políticas que impulsionaram fortemente o crescimento das fintechs no Brasil. Medidas como o lançamento do pix, o avanço do open finance (sistema financeiro aberto com compartilhamento de dados entre instituições financeiras) e o desenvolvimento do drex (real digital) tiveram aspectos positivos. No entanto, favoreceram excessivamente as fintechs e não vieram acompanhadas de mecanismos de supervisão e regulação equivalentes aos exigidos dos bancos tradicionais.
A abertura deste espaço permitiu a rápida ascensão de empresas digitais, muitas das quais atuaram sem transparência ou controle adequados. Não foram poucos os escândalos financeiros em que fintechs estiveram envolvidas, desde fraudes contra consumidores até operações de crédito predatórias. O Nubank, novo empregador de Campos Neto, pode ter sido um dos grupos favorecidos.
Além do estímulo desregulado ao setor das fintechs, Campos Neto foi um dos principais defensores da Proposta de Emenda à Constituição n.º 65, que visa enfraquecer os instrumentos de controle institucional sobre o sistema financeiro e pode atingir frontalmente o papel dos cartórios no país como instrumentos de fé pública. A iniciativa vem sendo amplamente criticada por especialistas e setores da sociedade civil justamente por reduzir a capacidade do Estado de supervisionar operações financeiras e resguardar a segurança jurídica.
Tais movimentos, aliados à transição imediata para uma posição executiva de influência no Nubank, levantam dúvidas legítimas sobre a linha que separa a política pública da atuação privada. O comunicado da Nu Holdings à SEC, órgão regulador do mercado norte-americano, confirma a articulação antecipada da transição, mesmo com o discurso de respeito ao período de quarentena legal.
Fora isso, Campos Neto protagonizou outro fato inédito e preocupante: foi o primeiro presidente do Banco Central a permanecer no cargo mesmo após admitir que mantinha investimentos pessoais em empresas localizadas em paraísos fiscais. A aceitação desse tipo de conflito de interesse pela estrutura institucional brasileira abriu um precedente grave. O vínculo direto com a Nu Holdings, também estruturada nas Ilhas Cayman, aprofunda essa contradição e indica um padrão de atuação que favorece interesses transnacionais em detrimento da soberania regulatória brasileira. Não se trata apenas da imagem institucional do Banco Central que está em jogo, mas da credibilidade do Estado como um todo diante de um sistema financeiro que tem se mostrado cada vez mais influente na sociedade brasileira.
Outro elemento relevante é o histórico do Nubank como patrocinador de conteúdos ligados à extrema direita brasileira. A atuação da empresa no ecossistema digital do país não se limitou ao campo financeiro, mas também se estendeu à promoção de agendas políticas que atacam as instituições democráticas e fazem revisionismo histórico, como no caso da plataforma Brasil Paralelo. A associação entre um ex-presidente do Banco Central e uma empresa com esse histórico reforça a percepção de captura do Estado por interesses privados e também ideológicos.
Se Campos Neto antes vinha sendo criticado pelas taxas de juros escorchantes que impôs ao Brasil, agora soma-se a isso também a questão ética, que deve servir de alerta para que seu sucessor não enverede pelo mesmo caminho. A nomeação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central foi recebida com grande expectativa por setores que defendem um modelo de desenvolvimento mais justo e soberano. No entanto, até o momento, a política de juros abusivos imposta ao país não foi revertida. A manutenção da taxa básica em patamar elevado, e que pode subir para 14,75% ao ano, continua prejudicando a atividade econômica, inibindo investimentos e ampliando a desigualdade.
Resta saber se Galípolo representará uma inflexão real em relação ao legado de Campos Neto ou se seguirá o mesmo caminho de subordinação aos interesses do capital financeiro, que sempre abrem espaço para vantagens pessoais como o caso Nubank demonstra.
A “porta giratória” entre Estado e mercado, quando operada sem escrutínio e sem limites éticos, mina a confiança nas instituições e reduz a capacidade do país de construir um projeto de nação orientado ao bem comum. A relação entre Campos Neto apenas escancara um problema que já vem de muitos anos mas que, agora, chegou ao seu ponto mais escandaloso
LEONARDO ATTUCH ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)