
CHARGE DE FRAGA ” ZERO HORA / RS”
Foi isso que os cardeais responderam à LA NACION antes de entrarem no conclave.
o entrar nas congregações gerais, as reuniões pré-conclave, os cardeais juravam manter confidencial tudo o que acontecesse ali. Embora alguns tenham interpretado esse juramento como uma forma de não falarem com a imprensa, muitos outros concederam entrevistas, com a condição de que discutissem outros tópicos não relevantes para essas discussões a portas fechadas. Assim, eles responderam a perguntas sobre o legado do Papa Francisco, identificando as principais características de seu papado. Eles também discutiram se, como alguns conservadores acusam, o papado de Francisco levou a uma maior polarização dentro da Igreja ou criou confusão com suas propostas. Por outro lado, para tentar fazer as pessoas entenderem o que é um pré-conclave, eles falaram sobre as qualidades que, na visão deles, seu sucessor deveria ter, os desafios que a Igreja enfrenta e a atmosfera que prevalece na Sala do Sínodo. Um clima sério, concordaram, de oração, onde todos, independentemente de suas diferenças, concordavam em sentir uma imensa responsabilidade em participar da eleição do 267º pontífice da história da Igreja. LA NACION conseguiu falar com sete cardeais eleitores. Abaixo estão as principais respostas.
SETE VISÕES SOBRE O CONCLAVE
- Angel Sixto RossiARGENTINA”O próximo papa precisa ter senso de misericórdia. Acho essencial. Se eu tivesse que escolher apenas um elemento-chave do pontificado de Francisco, a misericórdia vence todos.”LEIA MAIS
- Gerhard MüllerALEMANHAO Papa deve representar a unidade, a verdade da fé. A autoridade do Papa na Igreja Católica é formal, não material. Francisco criou confusão, e a ordem precisa ser restaurada.LEIA MAIS
- Baldassare ReinaITÁLIA”O perfil [do próximo papa] é o de um homem que, com muita humildade, saiba assumir esse legado do Papa Francisco e continuar esse diálogo com o mundo.”LEIA MAIS
- Michael CzernyCANADÁ/REP. VERIFICARNão devemos falar do sucessor de Francisco, mas sim do de Pedro. Devemos buscar o Papa de 2025, não o sucessor do Papa de 2013. Não estamos preocupados com o novo Papa em relação às conquistas, posições ou políticas de Francisco.LEIA MAIS
- Cristóbal López RomeroESPANHAPrecisamos de um papa capaz de construir a unidade entre todos; isto é, um papa inclusivo, que não exclua nada nem ninguém. Um papa que abrace toda a humanidade.LEIA MAIS
- Stephen ChouCHINA”Gostaria de não ter que votar, porque queria que Francisco ainda estivesse vivo. As pessoas estão nos pedindo para, por favor, elegermos um papa que seja bom para nós, para a Igreja e para o mundo.”LEIA MAIS
- Frank LeoCANADÁNum mundo fragmentado e polarizado, o próximo papa deve ser um homem de unidade, um homem de paz, um homem de comunhão, de reconciliação. E um comunicador claro da fé. Devemos dar às pessoas uma palavra de esperança, de um futuro mais brilhante.LEIA MAIS

Angel Sixto RossiARCEBISPO DE CÓRDOBA
–Você acha que há uma chance de retorno ao legado de Francisco? –Pode haver uma possibilidade, suponho, e espero e desejo que isso não aconteça e que o bom senso e a prudência sejam mais fortes. E, sobretudo, perceber que há todo um caminho aberto, vários caminhos abertos, que Francisco abriu e que, bem, é quase senso comum acompanhá-lo… Esse balanço pendular seria muito triste e acho que não vai acontecer (o retorno) porque a gente começa a somar e acho que hoje o espírito em geral é que a gente tem que pegar o bastão sem perder a individualidade, porque quem vem não precisa ser um Francisco, né? Mas sim, assuma o controle. Digamos que devemos aproveitar o caminho que ele abriu para continuar crescendo no diálogo, na escuta, em uma Igreja que não é cortesã, mas servidora. –Que qualidades você acha que o sucessor deve ter? –Eu diria um sentimento de misericórdia. Eu acho que é essencial. Se eu tivesse que escolher apenas um substantivo do pontificado de Francisco, acho que misericórdia é o que supera todos eles. E depois uma caridade requintada, naquele lema inaciano que o próprio Papa Francisco teria usado muito: não tenha medo do grande sonho. Bom, eu acho que seria legal se quem viesse também fosse encorajado a fazer isso e a viver o Evangelho. Além disso, acredito que o aspecto revolucionário de Francisco é simplesmente retornar ao Evangelho, que, digamos, alivia os bons, os simples desfrutam e os medíocres sofrem. E aqueles que não gostam, eles lutam. –Depois de 47 anos, os italianos parecem estar pressionando para retornar a um papa italiano… –Que venha da China, da Itália, da Finlândia: a questão não é um problema geográfico do mapa, mas do coração. Então não me importa de onde vem, mas como é o coração, não como é o mapa.

Gerhard MüllerCARDEAL ALEMÃO
–Que qualidades o novo papa deve ter? –O Papa deve representar a unidade, a verdade da fé. A autoridade do Papa na Igreja Católica é uma autoridade formal, não material. A autoridade material são as sagradas escrituras, a tradição, as decisões de concílios anteriores ou os pronunciamentos ex cathedra do papa (quando o papa estabelece a doutrina, já que é considerado infalível). Mas Francisco não tomou nenhuma decisão ex cathedra. –Nas reuniões que antecederam o conclave, não houve figuras que já tenham se destacado com força, como foi o caso nos conclaves de 2005 e 2013? –Não, não há. E isso é um pouco problemático porque o Papa, nestes tempos de mídia de massa, é percebido como o único representante global da Igreja; os outros bispos estão nas sombras. Algumas pessoas falam sobre a Igreja de Francisco, a Igreja de Bento, e um teólogo claramente não pode aceitar isso. A Igreja pertence a Cristo, cujo vigário é o Papa, seu representante na Terra. –Muitos acusaram Francisco de criar confusão, e essa ordem é necessária agora… –Acho que Francisco às vezes cria confusão, e essa ordem é necessária. Sim, a relação entre doutrina e cuidado pastoral deve ficar muito clara. Quando Francisco, por exemplo, falou a bordo de um avião, o que ele disse não foi uma apresentação dos ensinamentos da Igreja, mas apenas suas opiniões particulares.

Baldassare ReinaVIGÁRIO DE ROMA
–Como você explicaria brevemente o legado do Papa Francisco? –Eu explicaria isso com um dos princípios que ele afirmou na Evangelii Gaudium, que é que não devemos nos preocupar em ocupar espaços, mas sim em iniciar processos. O Papa Francisco teve a coragem de iniciar muitos processos dentro de uma Igreja que precisava de reforma, começando pela sinodalidade. Vamos começar com o último. O papel das mulheres. A formação dos seminaristas. A reforma da Cúria. Todos os processos abertos. Dialogar com situações que chamamos de “irregulares”. Ela iniciou processos com grande coragem porque se colocou a serviço da verdade e entendeu que o Evangelho precisa sempre se comprometer com a situação específica dos homens e mulheres de cada época. Agora é a nossa vez. Eu respondo à sua pergunta sobre a herança: nós devemos assumir essa herança e acompanhar os processos que ele iniciou, acompanhá-los, organizá-los. Porque algumas coisas certamente precisam ser revisitadas, mas não podemos esquecer tudo o que ele expôs com muita coragem. –Há um setor que diz que Francisco criou muita confusão e também acusa o Papa de ter polarizado a Igreja internamente. Você também se sente assim? –De jeito nenhum. O Papa Francisco sempre descreveu a cena de Pentecostes. Ele disse que o Espírito Santo veio para agitar as coisas. E contando a cena que descreve o momento em que chega o Espírito Santo, o vento, línguas como fogo. Grande confusão até mesmo entre os apóstolos. E então você tem que ouvir o Espírito para discernir. Discernimento tem sido uma palavra-chave nos ensinamentos do Papa Francisco, e não vejo nenhuma confusão. O Papa Francisco sempre esteve alinhado com a doutrina, o Magistério e a riqueza da tradição da Igreja. Repito, ele teve a coragem de confrontar-se e de se confrontar com as experiências de homens e mulheres de hoje, começando, por exemplo, pelas situações dos divorciados e recasados. E sempre de forma evangélica, ele dizia que a realidade é mais importante que a ideia e a realidade é aquilo que vemos diante dos nossos olhos todos os dias. E fingir que a realidade não existe seria realmente tolice. –Qual deve ser o perfil do seu sucessor? –O perfil é o de um homem que, com muita humildade, sabe acolher esse legado do Papa Francisco e continuar esse diálogo com o mundo. Francisco foi, na minha opinião, um grande intérprete do Concílio Vaticano II. O diálogo com o mundo identificou uma das características das emergências da Igreja: hoje a Igreja deve dialogar. Quem vier depois de Francisco deve assumir o legado do Vaticano II. O legado do Papa Francisco deve dialogar com o mundo sem medo, porque temos o Evangelho. Temos uma identidade forte. É justamente por isso que podemos falar com todos.

Michael CzernyPREFEITO DO DICASTÉRIO PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E INTEGRAL
–Que qualidades o novo papa, sucessor de Francisco, deve possuir? –Não devemos falar do sucessor de Francisco, mas do sucessor de Pedro. Devemos esperar o Papa de 2025, não o sucessor do Papa de 2013. – O que o senhor diria àqueles que, como o Cardeal Müller, reclamam que Francisco criou confusão durante seu pontificado? –Eu lhes diria que vivemos num mundo confuso e que a Igreja, para cumprir sua vocação, deve gerar confusão. Acho que Jesus criou muita confusão, muita mesmo. –Você tem a sensação de que o próximo pontífice pode ser italiano, como sugere a atual campanha da mídia? –Acho que é especulação, principalmente da imprensa italiana. Posso entender e até simpatizar com essa especulação. Mas não consigo imaginar que isso tenha algum efeito no voto dos cardeais eleitores, é impossível. O local de origem é uma categoria sem importância quando se trata de escolher o papa. Quando ouço as pessoas dizerem que chegou a hora de um papa americano, um papa italiano, um papa africano, um papa do Oriente, isso me parece uma estupidez solene. –Qual é a coisa mais importante na escolha do novo papa? –A prioridade é a evangelização em 2025, levando o evangelho à sociedade de 2025.

Cristóbal López RomeroARCEBISPO DE RABAT
–Qual deve ser o perfil do próximo papa? –Acho que precisamos de um papa que seja capaz de construir a unidade entre todos; Ou seja, um papa inclusivo, que não exclui nada nem ninguém. Um papa que nos encoraja a caminhar, porque a Igreja é o povo de Deus que caminha, que marcha, não que se acomoda e permanece fixo. Somos peregrinos e devemos caminhar, mas devemos caminhar juntos. Ele também tem que ser um papa que nos conecta a Cristo desde as raízes, desde a fonte, e que nos faz beber da fonte. E, finalmente, acho que precisamos de um papa que abrace toda a humanidade. –E como você consegue isso? –Não quero dizer que toda a humanidade tenha que entrar na Igreja, porque antes parecia que ser missionário consistia em convencer os outros a se tornarem católicos. É mais sobre ser um sinal tão atraente que os outros aceitam que andemos juntos. E às vezes não serão eles que virão caminhar conosco, seremos nós que poderemos caminhar com eles. –Alguns dizem que, depois de 47 anos e de um papa polonês, um papa alemão e um papa argentino, chegou a hora de ter um papa italiano novamente. Como você vê isso? –Na Igreja não há fronteiras e não há nacionalismos, especialmente nacionalismos excludentes e xenófobos. Cada um de nós deve amar a nossa pátria, é claro, mas somos todos cidadãos do mundo, ou melhor, cidadãos do céu. Graças a Deus, na Igreja não há fronteiras, nem barreiras geográficas. Portanto, se era um polonês, se era um alemão, se era um argentino, então o Papa poderia agora ser um indonésio, um congolês ou um italiano. Não há cotas na Igreja. Não é como a FIFA, que se realiza uma Copa do Mundo no Catar, a próxima tem que ser nos Estados Unidos, a próxima na Europa e a seguinte em um país africano.

Stephen Chow Sau-yanBISPO DE HONG KONG
–Que legado os 12 anos e 39 dias de papado de Francisco deixam? –Acredito que o impacto de Francisco foi universal, e não apenas em Hong Kong ou na China, onde agora há um acordo provisório sobre a nomeação de bispos. Francisco realmente transformou a imagem da Igreja como um todo. Antes, muitos viam a Igreja como uma instituição com pouca ligação com eles, algo distante e que ensinava uma coisa só… Mas Francisco a transformou. E hoje ela é muito mais humana, ela é muito mais conectada. –Você acha que há mais polarização na Igreja depois do papado de Francisco, como afirmam grupos de direita? –Eu não compartilho dessa opinião. Não creio que a Igreja esteja mais polarizada agora. A mesma coisa aconteceu com outros papas, e eu acho que, em todo caso, a Igreja sempre precisa de unidade. –Como você se sente em relação à responsabilidade de ter que entrar no conclave para votar no 267º pontífice da história? –Para ser sincero, eu queria não ter que votar, porque queria que Francisco ainda estivesse vivo. Mas é um fato que ele nos deixou. Então isso é algo que temos que enfrentar. E eu estou realmente rezando. Sei que cada um tem uma compreensão diferente do conclave. Espero que não demore muito. Mas é uma grande responsabilidade. As pessoas estão nos pedindo para, por favor, elegermos um papa que seja bom para nós, para a Igreja e bom para o mundo. Embora, pessoalmente, eu seja calmo: não falo italiano e sou jesuíta.

Frank LeoARCEBISPO DE TORONTO
–Como você se sente agora, estando entre os cardeais mais jovens que têm que escolher seu sucessor? –É uma grande responsabilidade. Porque raramente em nossas vidas somos forçados a tomar uma decisão que tenha um impacto tão poderoso e duradouro na vida de tantas pessoas por tanto tempo. Este é um deles. É como quando você decide entrar para o seminário, casar com alguém, ter um filho, entrar para uma ordem religiosa. Essas são decisões que mudam vidas, e considero esta uma delas por causa da importância do papado na vida da Igreja e na vida do mundo. Portanto, é uma decisão que, de uma forma ou de outra, impactará a vida de milhões de pessoas e comunidades por muito tempo. –Que qualidades o próximo papa deve ter? – Número um: uma grande capacidade de escuta, primeiro de Deus – deve ser um homem de oração, de esperança, de fé –, de escuta da Igreja, do povo de Deus, dos leigos, dos ordenados, dos consagrados; e escutar o mundo, o sofrimento humano, as aspirações, com uma atitude mariana de meditação no coração. Ouvir também significa consultar. Por outro lado, no mundo fragmentado e polarizado do qual estávamos falando, o próximo papa deve ser um homem de unidade, um homem de paz, um homem de comunhão, de reconciliação. –Nesse contexto, tem que ser alguém que saiba se comunicar para poder trabalhar, certo? –Bem, com certeza. E é imperativo que ele seja um homem de fé profunda, de vida de oração profunda e de espiritualidade profunda. Essa é a única coisa que o manterá com os pés no chão e não nos ventos da mudança ou nas tendências do que é popular hoje, enraizado nisso e neste relacionamento com Deus. Então, ele será uma testemunha credível e falará ao mundo, ao coração do mundo. E um claro comunicador de fé. Precisamos dar às pessoas uma palavra de esperança, de um futuro mais brilhante, para que elas possam sonhar com uma vida melhor. E não estou falando de pensamento positivo, mas do Evangelho de Deus, não de uma mensagem esotérica.
ELISABETTA PIQUÉ ” LA NACION” ( ROMA / BUENOS AIRES)