POR FALTA DE PROVIDÊNCIAS LUPI DEIXA A PREVIDÊNCIA

CHARGE DE AROEIRA ” BLOG BRASIL 247″

Acossado pelas denúncias de que cerca de quatro dezenas de sindicatos, em conluio com altos funcionários do INSS, forjaram pequenos descontos mensais nas contas de mais de 2 milhões de aposentados, somando desvios de R$ 6,3 bilhões, segundo investigação conjunta da Advocacia Geral da União e da Polícia Federal, não restou ao ministro da Previdência, Carlos Lupi – depois que o presidente Lula demitiu o presidente do INSS e escolheu o novo – senão pedir demissão. Embora os desvios viessem ocorrendo desde 2019 (quatro anos do governo de Jair Bolsonaro), Lupi foi alertado, em junho de 2023, por conselheira do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), mas só tomou providências em abril de 2024. Era tarde. O desgaste causado pelos desvios do esquemão de fraudes já era grande e erodiu a imagem do governo Lula após o vazamento do esquema pelo site “Metrópoles”, no começo de abril passado.

A fraude ainda vai desgastar muito o governo Lula a um ano do início da campanha eleitoral de 2026 (abril-maio é o prazo limite para as desincompatibilizações de cargos públicos). É que uma das promessas de Lula em seu terceiro governo foi diminuir a fila dos requerimentos de aposentadorias do INSS. A Previdência tem uma folha de 23,6 milhões de aposentadorias, mas a fila de benefícios pendentes, que estava em 1,5 milhão quando Lula assumiu, aumentou para 2,4 milhões.

É que a burocracia do INSS é sempre ágil para distribuir folhas atualizadas dos novos aposentados para as instituições financeiras e instituições de pagamento assediarem os novos jubilados com ofertas de crédito consignado. Relato minha experiência. Antes mesmo do aviso do INSS de que minha aposentadoria tinha sido aprovada, em agosto de 2019, recebi e-mails e zapps com ofertas de consignado. Teve dias que cheguei a bloquear mais de 30 mensagens. Em compensação, enquanto necessitados trabalhadores e trabalhadoras penam nos guichês do INSS (ou junto a advogados que ficam com duas a três mensalidades para driblar a burocracia), nas entranhas do instituto a fila dos segurados que foram tungados com pequenos descontos mensais chegava a cerca de 10% do universo de aposentados. Rastrear as tungas, os sindicatos beneficiados, os responsáveis pelos desvios e devolver as pequenas quantias mensais que acumularam R$ 6,3 bilhões será o novo desafio do governo Lula. As cobranças serão impiedosas.

O Estado cobra, mas não entrega

O discurso liberal de que o Estado brasileiro é pródigo em cobrar impostos ou morder (de uma forma ou de outra) o bolso do cidadão-contribuinte (que é eleitor) deve ganhar tração com o episódio. E pode ser um argumento contra a intenção do governo Lula de completar a Reforma Tributária (que, por enquanto, está apenas no papel em relação aos impostos sobre o consumo, pois só começa a valer em 2027) com a justiça fiscal no Imposto de Renda das pessoas físicas. Como se sabe, o governo enviou ao Congresso Projeto de Lei para isentar, a partir de 2026, de descontos mensais do IR quem ganhar até R$ 5 mil. E a faixa até R$ 7 mil terá descontos escalonados.

Para compensar a renúncia de R$ 27 bilhões em impostos para a classe média, o governo propôs aumentar em 10%, e de forma escalonada, o IR de 141 mil brasileiros que ganhem acima de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil/ano), incluindo a tributação de dividendos para residentes no exterior. A tabela é crescente: renda anual de R$ 750 mil a R$ 900 mil, alíquota de 5%, com imposto mínimo a pagar de R$ 45 mil; renda anual de R$ 900 mil a R$ 1,05 milhão, alíquota de 7,5%, com IR mínimo a pagar de R$ 78,75 mil; renda anual de R$ 1,05 milhão a R$ 1,2 milhão, alíquota de 10%, com IR mínimo de R$ 120 mil. Na média, os super ricos pagam apenas 1,49% de IR atualmente. Trata-se de um projeto de justiça fiscal, mas a oposição, insuflada pela Faria Lima, há de resistir com a munição do caso INSS, que é apenas uma grossa corrupção.

São duas visões em debate: a proposta do governo Lula para avançar nos programas sociais e financiá-los com recursos recolhidos na tributação sobre os mais ricos; e a recusa do mercado financeiro, que insiste em cortes das despesas com programas sociais, para garantir recursos para pagar os juros da dívida pública. As duas visões tiveram metáforas famosas. No “milagre brasileiro” de Delfim Netto, o economista Edmar Bacha disse que o Brasil se assemelhava à Belíndia – uma minoria com renda da Bélgica e a maioria pobre como a Índia do começo dos anos 70. Décadas depois, Delfim deu o troco quando Bacha era um dos esteios do Plano Real, dizendo que o país mais se parecia a Ingana – cobrava impostos da Inglaterra (para cobrir esqueletos parafiscais deixados por Delfim&cia), mas prestava serviços públicos de Gana.

Outro argumento recorrente entre os liberais invoca as razões da revolta dos colonos americanos contra a cobrança de impostos sobre o selo e o chá pela Coroa britânica. Os recursos ajudariam a custear os gastos com a guerra contra a França (Portugal fez algo parecido com o “quinto”, ou seja, 20% sobre o ouro de Minas Gerais para custear a reconstrução de Lisboa, após terremoto). Os pais da Independência americana repetiram o mote dos barões que levaram à criação da Carta Magna no século XIII para limitar o poder dos Reis em criar impostos: “No Taxation, without representation”. Ou seja, se não temos representação no Congresso (a Câmara dos Lordes), não vamos pagar impostos.

Acontece que a estrutura da tributação no Brasil – até aqui assentada nos impostos sobre o consumo – que representa 65% da carga tributária – é o inverso do que ocorre nos 34 países da OCDE, incluindo os Estados Unidos e os europeus, onde a maior carga incide sobre a renda e o patrimônio. No Brasil, os consumidores mal sabem dos impostos que pagam nas contas de luz e telefone, escritos em letras miúdas como nos contratos de seguro. São os consumidores que pagam os impostos, mas os comerciantes, prestadores de serviços, industriais e banqueiros reclamam da carga tributária e dos impostos que recolhem (devidamente cobrado de nós nos preços dos bens e serviços que nos vendem).

A reforma tributária vai tornar os impostos explícitos a cada nota fiscal de compra. Mas ainda temos 17 meses para esperar. A transparência na conta dos impostos é fundamental para que o cidadão-contribuinte-eleitor tenha consciência do seu papel na sociedade. É com o seu, o meu, o nosso dinheiro recolhido em impostos que o Estado (governo federal, estadual ou prefeitura) pode oferecer (bons ou sofríveis) serviços públicos.

Um exemplo de como a tributação sempre recai sobre o cidadão-contribuinte foi dado pela Amazon. A maior empresa de compras “online” dos Estados Unidos passou a discriminar nas notas fiscais de produtos importados “made in China”, o valor dos impostos do tarifaço imposto por Donald Trump. Isso deixou Trump irritado com Jeff Bezos, o dono da Amazon, pois seu discurso era de que estava taxando os produtos chineses. Mas o preço da proteção à indústria americana será pago com aumento de preços (e da inflação) pelo consumidor americano. Tal como aconteceu no Brasil com o “imposto das blusinhas”.

As pequenas tungas de cada dia

Caro leitor, não sei se você foi um dos infelizes aposentados tungados por descontos indevidos na aposentadoria. Considero que tudo é facilitado no Brasil pela falta de transparência nos boletos e pagamentos oficiais. O avanço da digitalização tornou mais difícil a conferência mensal dos descontos e eventuais lançamentos indevidos de encargos em nossos carnês e mensalidades. O INSS lança os pagamentos de aposentadoria na agência bancária do aposentado e não há como verificar se houve ou não desconto.

Com o débito automático das contas de gás, luz, telefone e internet, fica difícil conferir se ocorreu algo extraordinário. Isso é mais transparente na conta do condomínio, quando surge uma cota de obra ou para o 13º dos funcionários. Para quem é inquilino, nem todas as cobranças são obrigatórias. E é sempre bom conferir se não há cobranças opcionais (quem não reclama, paga sem ver). E outro caso, se o débito é automático, para que receber a conta em casa e nem abrir para ver os descontos – devidos ou não?). A entrega em casa custa uns trocados a mais. Tudo pode ser esclarecido no site da concessionária.

As tarifas bancárias são reajustadas sem que o cliente seja avisado pelo banco com antecedência e sem que o Banco Central dê transparência de como são calculadas. Depois que os bancos fecharam metade das agências após a pandemia de covid-19 e forçaram ou usuários a migrar para as transações eletrônicas via celular, quem virou o “bancário” foi o meu, o seu, o nosso celular, caro leitor, mas o BC não fez ajuste nas planilhas. Você sabe o que está sendo cobrado (cartão de movimentação da conta em crédito ou débito), quando quem movimenta a conta é o dedo no celular? Não cabia um desconto?

Quem tem aplicações financeiras no banco costuma ser isento de anuidades do cartão de crédito – cobradas mensalmente. Muita gente não sabe disso e, assim, a maior parte dos bancos cobre com as rendas das tarifas bancárias, que incluem as comissões de gestão de fundos de investimento e de gestão de recursos. Conseguem receitas que cobrem de 80% a 95% dos custos administrativos e de pessoal.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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