
CHARGE DE SIRI
A grade curricular do estado de São Paulo foi deliberadamente empobrecida
Educação como alvo
O avanço transnacional da extrema direita segue um modelo bem-sucedido: um receituário do caos, claro está.
Em primeiro lugar, é preciso forjar inimigos imaginários, a fim de convencer uma parcela não desprezível da população de ameaças “iminentes”. A pauta dos costumes é feita sob medida para esse propósito porque afeta diretamente às pessoas mais próximas, especialmente os filhos.
Em segundo lugar, não se pode esquecer de fomentar o sentimento que costuma gerar vínculos por vezes inabaláveis. Na história do homo sapiens, não nos enganemos, esse afeto não é o amor, mas antes o ódio, poderoso combustível para o contágio mimético de multidões.
Por fim, é indispensável minar a legitimidade das instituições, sobretudo dos centros de produção de conhecimento. Pensamento crítico, nem pensar: eis aí o adversário a ser combatido sem trégua; caso contrário, seria impossível manter ativo o metódico ecossistema de desinformação, a respiração artificial por definição da extrema direita.
No projeto de pinochetização representado pelo governo de Tarcísio Freitas, o alvo principal é a educação. Laboratório perverso do que deseja implementar a nível federal, podemos acompanhar o passo a passo em São Paulo.
Passo a passo
Desde o princípio, a natureza da ação de Tarcísio de Freitas foi clara como a luz do dia. E o princípio foi polêmico. O secretário de educação Renato Feder anunciou uma iniciativa excêntrica: abolir o livro impresso nas escolas públicas sob a responsabilidade do governo. Em seu lugar, arremedo de apostilas, com circulação digital. O conteúdo do material foi questionado, assim como o meio empregado. Ora, não são poucas as escolas que não dispõem sequer de laboratório de informática, nem sequer conexão de internet.

Num português que parece o resultado da precariedade de sua biblioteca pessoal, Feder afirmou sem constrangimento: “‘O livro tradicional, ele sai’, disse Feder em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo”. E como vergonha alheia pouca é nada, Feder completou seu anedotário involuntário (a rima é pobre, mas a situação é propriamente miserável): “O titular da Educação afirmou que ‘a aula é uma grande TV, que passa os slides em Power Point, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios’ ”. [1]
(Melhor não perguntar onde o senhor Feder se formou.)
Cortes
Primeiro, supressão do livro impresso. Passo seguinte: exterminar disciplinas. A grade curricular do estado de São Paulo foi deliberadamente empobrecida. E, por pura casualidade, as matérias abolidas são justamente as que fomentam pensamento crítico: “O governo de São Paulo vai cortar pela metade a carga horária de disciplinas de Artes, Filosofia e Sociologia para o novo currículo escolar e mais que dobrar o espaço de Língua Portuguesa e Matemática”. [2]
Esta decisão levou a anomalias. No caso de docentes que tenham sido aprovados em concursos para as disciplinas de Artes, Filosofia e Sociologia, é como se houvesse uma óbvia quebra de contrato, pois, como a carga horária de suas especialidades foi reduzida pela metade — e mais em alguns casos — para completar seus tempos obrigatórios de aula, necessitam “improvisar”, oferecendo opções eletivas em nada associadas ao concurso para o qual foram aprovados.
(O que ocorreria se um grupo de docentes procurasse a Justiça, nem tanto para ganhar a causa, quanto para expor o descalabro?)
E já que falamos de cortes, vamos à conclusão lógica da visão do mundo de Freitas e Feder — uma dupla que bota pra quebrar quando se trata de deseducar. A última novidade:
“Deputados da base do governo Tarcísio de Freitas aprovaram em segundo turno, na tarde desta quarta-feira (27), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC-9) que autoriza o governo de São Paulo a desviar 5% do orçamento da já combalida educação do Estado. A medida representa um dos maiores ataques já realizados à Educação de São Paulo, com o corte de R$ 11,3 bilhões em 2025”. [3]
Pinochetização na veia: eis o governo de Tarcísio de Freitas em sua essência.
Pois é.
E nem mencionei a política de segurança pública do governo…
(Você já sabe: na próxima coluna.)
[1] “Secretário de Educação de Tarcísio confirma fim dos livros nas escolas de São Paulo”:
https://www.brasil247.com/regionais/sudeste/secretario-de-educacao-de-tarcisio-confirma-fim-dos-livros-nas-escolas-de-sao-paulo. Brasil 247, 01/08/2023.
[2] “Governo de SP reduz Artes e Filosofia em novo currículo escolar, e aumenta espaço de Português e Matemática”: https://oglobo.globo.com/brasil/sao-paulo/noticia/2023/11/17/governo-de-sp-reduz-artes-e-filosofia-em-novo-curriculo-escolar-e-aumenta-espaco-de-portugues-e-matematica.ghtml. O Globo, 17/11/2023.
[3] “Deputados aprovam “PEC do Corte de Tarcísio” que desvia R$ 11,3 bilhões da Educação de SP”: https://horadopovo.com.br/deputados-aprovam-pec-do-corte-de-tarcisio-que-desvia-r-113-bilhoes-da-educacao-de-sp/. Hora do Povo, 27/11/2024.
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA ” BLOG ICL NOTÍCIAS” ( BRASIL)